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Falamos com Refugiados Sírios Desesperados Para Trocar Calais Pela Inglaterra

Muitos sírios que foram até Calais, no norte da França, pagaram 6 mil euros pela viagem, mas estão na rua, sem abrigo, banheiro ou comida.

O local do protesto dos refugiados sírios em Calais.

Calais é uma cidade litorânea deprimente do norte da França. A cidade é famosa pelos céus cinzentos e eu a conheço desde quando tinha oito anos e vi meus pais discutindo sobre se deviam gastar o resto dos francos no hipermercado Bière d'Or antes de pegar o Eurostar de volta para casa.

Mas a cidade portuária também é notória por outra coisa: é um lugar péssimo para se estar quando se é um refugiado tentando atravessar o Canal da Mancha. Desde que o amplo centro de refugiados Sangatte fechou há 11 anos, a história oficial é que não há mais migrantes em Calais – afinal de contas, as autoridades fecharam a instalação onde eles deveriam ficar, e todo mundo imaginou que eles acabariam voltando para casa em um desses países devastados pela guerra qualquer. Surpreendentemente, parece que não é bem esse o caso, com estimativas recentes contando entre 700 e 2 mil migrantes vivendo atualmente em condições abomináveis em Calais e nos arredores.

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Muitos fugiram da violência em seus países e embarcaram numa longa e perigosa jornada através da Europa. Levou um mês para Joe, um professor de Damasco, vir da Síria até Calais através da Sicília – onde pelo menos 300 migrantes africanos morreram semana passada – e a viagem custou €6 mil. Ele já está há quatro semanas na cidade do norte da França. “Não temos nenhum abrigo, estamos todos na rua. Vivemos sob circunstâncias muito ruins aqui”, Joe me disse. “Fazemos somente uma refeição por dia porque ninguém tem dinheiro. E estamos na rua, sabe – sem banho, sem banheiro, nada.”

Calais fica a apenas 45 quilômetros de Dover, mas o canal é altamente policiado e a travessia, perigosa. Até conseguirem, os migrantes vivem na mais completa miséria – a maioria mora nas ruas ou invade prédios abandonados, passa fome e é perseguida pela polícia. Na última quarta-feira, Joe e 55 outros refugiados sírios desesperados para escapar da miséria em Calais, realizaram um protestos de três dias exigindo que o Reino Unido conceda asilo a eles. Agrupados sob grandes lonas azuis, os sírios bloquearam a passarela de acesso ao porto.

Dois refugiados sírios no teto de um prédio em Calais.

Numa declaração feita naquele dia, eles diziam: “O governo e a polícia francesa têm sido muito violentos conosco e não se importam com a gente. Eles nos expulsaram de nossas casas nas ruas.”

Um mês atrás, os sírios foram expulsos de sua ocupação na Beer House, um galpão abandonado próximo do porto. Desde então, o grupo não tem conseguido ficar no mesmo local por mais de algumas noites: “Sempre que achamos um lugar para ficar, a polícia vem e nos prende, destrói nossos pertences e fecha o lugar”, explicou Joe.

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Se isso não fosse motivo suficiente para os sírios estarem reticentes em pedir asilo na França, há também a espera quase eterna para que o serviço de imigração leve o pedido em consideração. São dois ou três meses em Calais e quatro a cinco meses em Paris somente para marcar uma consulta. “Dizem que leva de seis meses a um ano para o pedido ser processado – e se um recurso é apresentado, isso pode se estender para dois anos”, explicou Philippe Wannesson do La Marmite aux Idées, uma associação que fornece assistência aos refugiados. “Enquanto isso, eles não recebem apoio do governo e raramente são alojados em abrigos de emergência.”

A tensão aumentou na ocupação na manhã de sexta passada, quando a tropa de choque tentou despejar o grupo. Dois refugiados subiram no topo de um prédio e ameaçaram se jogar. A maioria dos manifestantes também entrou em greve de fome. Ao meio-dia, uma delegação que incluía oficiais da Agência de Fronteira do Reino Unido (UKBA em inglês) chegou para negociar uma solução. “Eles repetiram quais são os direitos para reunificação de famílias e disseram que só podem estudar as demandas deles caso a caso”, contou Philippe. “Os sírios estavam muito determinados até aquele ponto, mas isso foi um choque para eles.”

Refugiados sírios protestam em Calais.

A ocupação terminou na noite de sexta-feira, sem nenhuma concessão por parte dos britânicos. “Eles podem nos ajudar, mas não vão – não entendo o porquê”, disse Joe. “Muitos britânicos nos disseram: 'A Inglaterra é menor, o país não pode abrigar vocês, não há empregos, não há nada'. Mas eles estão mentindo; a Inglaterra pode acomodar bem mais do que essas 60 pessoas. Somos cerca de 60 sírios aqui – somente 60 – e há uma guerra em nosso país, não podemos voltar.”

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Por enquanto, a polícia de Calais prometeu deixar os migrantes em paz – o que Joe duvida muito – e alguns sírios aceitaram a oferta do prefeito local para fazer o pedido de asilo na França. No entanto, a maioria ainda quer tentar a sorte na Inglaterra. Joe está atualmente em sua oitava tentativa e me contou sobre o método utilizado para tentar atravessar o Canal: “Pulamos a cerca, que deve ter uns três metros, e saltamos sobre um caminhão”, ele explicou. “Depois de cinco minutos, você já está dentro de um navio, mas os cães sempre nos descobrem. É muito perigoso. Dois amigos meus perderam os dedos porque estavam usando anéis; os anéis ficaram presos na cerca quando eles tentaram pular e cortaram seus dedos fora.”

Dois milhões de sírios já saíram do país. Desses, só 40 mil pediram asilo na Europa – um número pequeno comparado ao dos vizinhos da Síria, que atualmente abrigam 1,8 milhões de refugiados. A Agência de Refugiados da ONU disse que, até o momento, 17 países prometeram estabelecer cotas para migrantes sírios. A Suécia é o único país que se comprometeu a garantir asilo a todos os sírios, e até a Austrália – um lugar particularmente hostil com refugiados – prometeu receber 500 deles.

Contrariamente à propaganda populista local, refugiados representam uma porção bem pequena da população do Reino Unido – somente 0,27%, na verdade – e o país recebe apenas metade dos pedidos de asilo que a França recebe. No entanto, nada ainda foi dito no Reino Unido sobre a questão, apesar da pressão dos ativistas sobre David Cameron para que ele permita que mais refugiados atravessem a fronteira. Em vez disso, o governo britânico tem se ocupado invadindo casas em áreas povoadas por maioria imigrante, colocando policiais para marchar ao redor de “vans racistas” e colocado cartazes encorajando imigrantes a voltarem para seus países de origem.

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Mesmo assim, os migrantes sírios continuam determinados a encontrar asilo no Reino Unido. “Não vamos desistir”, disse Joe. “Vamos começar outra coisa amanhã… e vamos continuar até conseguirmos.”

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