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Por que as pessoas continuam tentando visitar o ônibus de 'Na Natureza Selvagem'?

Todo ano, gente do mundo inteiro pega a Trilha Stampede em busca do nirvana sobrevivencialista. E todo ano, um monte de dinheiro público é gasto em resgates de aventureiros incautos.

Eddie Habeck no Ônibus 142. Todas as fotos cortesia de Eddie Habeck.

Matéria original da VICE US.

Quando Eddie Habeck comprou um pacote de excursão e trilha pelo Alasca em 2012, ele não estava planejando visitar o Ônibus Fairbanks 142. O morador de Vermont de 39 anos só percebeu que estaria no estado que abriga o ônibus onde Chris McCandless, o tema do livro do jornalista Jon Krakauer Na Natureza Selvagem (e também do filme), foi encontrado morto em 6 de setembro de 1992, depois de passar quatro meses no Parque Nacional Denali numa aventura solo pela floresta.

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"De repente percebi: 'Espera, aquela história aconteceu no Alasca'", me disse Habeck, que é funcionário público e faz fotografia aérea nas horas vagas. "Vi que havia uma chance de ir até lá." Habeck mapeou sua jornada até o ônibus — localizado perto da Trilha Stampede, cerca de 1,6 quilômetro a leste da fronteira do parque nacional de 6 milhões de acres — e entrou na trilha sozinho em maio daquele ano.

A viagem teve suas dificuldades — como cruzar o Rio Teklanika, cuja água chega na cintura naquela época do ano — mas ele conseguiu chegar até o Ônibus 142, que foi deixado ali para servir de abrigo para caçadores. "Eu não fui para o Alasca por causa disso — a ideia veio depois — mas esse foi um momento chave da viagem.

"Tive muito tempo para pensar por que Chris quis deixar a sociedade, e como ele se sentiu tão longe da civilização", diz Habeck. "Realmente imergir naquela paisagem, você não sabe como vai se sentir até estar lá."

Todo ano, viajantes do mundo inteiro pegam a Trilha Stampede em busca desse momento chave que Habeck descreve — atingir um tipo de nirvana de sobrevivência solitário, seguir os últimos passos de McCandless pela natureza do Alasca sem sucumbir ao mesmo destino. Em se tratando desse último objetivo, nem todo mundo consegue: em 2010, Claire Ackermann, uma suíça de 29 anos, se afogou tentando cruzar o Teklanika com o aventureiro francês Etienne Gros na rota para o ônibus, e pessoas tem que ser resgatadas da trilha todo ano.

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Um memorial para Claire Ackermann na Trilha Stampede.

Como ter uma permissão oficial não é exigido para seguir a Trilha Stampede, não há estatísticas oficiais de quantas pessoas são resgatadas lá anualmente. Lynn Macaloon, relações-públicas do Parque Nacional Denali, disse a VICE que estimava "vários" resgates naquela trilha por ano, com a guarda-florestal, bombeiros e a polícia estadual do Alasca sendo acionados.

Mês passado, os viajantes Michael Trigg e Theodore Aslund foram resgatados por uma operação que envolveu mais de 20 pessoas e um helicóptero, depois de chegar ao ônibus e levar mais tempo que o esperado para retornar. "Eles foram com uma ideia irreal de quando estariam de volta", disse Erik Halfacre, o nativo do Alasca, a VICE. "Eles poderiam ter evitado esse resgate caro mantendo o cronograma — o que eles não fizeram."

Halfacre, 30 anos, é um guia de trilhas e profissional de rafting; desde 2011, ele também comanda o Last Frontier Adventure Club (LFAC), que ele descreve como "um jeito de ter mais informações sobre diferentes trilhas online". Halcrafe já esteve no Ônibus 142 três vezes nos últimos sete anos. Sua viagem mais recente para o local foi em 2014, quando a irmã de McCandless, Carine (que publicou seu próprio livro de memórias, The Wild Truth, naquele ano), se juntou a ele e mais 11 viajantes na trilha. Pelo telefone, ele fala com a confiança de alguém que, em suas próprias palavras, não lembra "de um tempo da vida em que eu não fazia trilhas".

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Halfacre diz que os jornalistas tendem a cobrir as operações de resgate na Trilha Stampede "escrevendo coisas negativas sobre o que acontece lá", e que a ira dos locais não é inteiramente descabida. "Esses resgates são pagos com dinheiro dos contribuintes do Alasca, e isso é uma coisa irritante para muitas pessoas daqui", ele disse a VICE. A solução dele, então, é educar — especialmente com fontes como o site da LFAC, que tenta preparar os potenciais peregrinos do Ônibus 142 para os desafios que eles vão encontrar. É um guia escrito por viajantes experientes, mas também um alerta para os amadores que não estão preparados para uma jornada desse calibre.

E em se tratando da Trilha Stampede, aprender quando desistir é tão crucial quanto saber como conseguir. Dois anos depois que Habeck completou sua primeira viagem ao Ônibus 142, ele tentou outra vez com sua esposa um dia depois do casamento — mas dessa vez, as águas do Rio Teklanika estavam muito altas e revoltas para uma travessia segura. "Seria um jeito bem ruim de encerrar meu primeiro dia de casado", ele disse, rindo. Helfacre já deu meia volta duas vezes em excursões até o Ônibus 142 — uma vez porque o grupo que ele estava guiando se mostrou despreparado, esquecendo coisas básicas como barracas e comida. "Eu não estava disposto a continuar com eles."

O Rio Teklanika em maio de 2012.

Entrar numa trilha dessa dificuldade sem estar realmente preparado parece ridículo, mas é o que acontece na narrativa de Chris McCandless que os peregrinos do Ônibus 142 conhecem. A última pessoa a vê-lo com vida, o eletricista de Fairbanks Jim Gallien, disse a Krakauer que ao dar carona para McCandless até o começo do Parque Nacional Denali, notou que o viajante não tinha suprimentos suficientes — um saco de quatro quilos de arroz, um rifle calibre 22 (pequeno demais para caçar animais maiores que poderiam fornecer sustento), um mapa estadual e equipamento de trilha velho. Mais tarde no livro, Krakauer faz uma distinção entre outras mortes menos comentadas na floresta e o destino de McCandless: "Apesar de ser… incauto ao ponto da imprudência, ele não era incompetente — ele não teria durado 113 dias se fosse."

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É indiscutível que o tempo que McCandless conseguiu sobreviver na floresta do Alasca é impressionante. Na grande tradição norte-americana de se encontrar entrando em comunhão com a natureza, não é difícil entender porque as almas viajantes tem uma noção romântica da história de sua jornada — até o ponto em que a morte trágica de McCandless fica meio esquecida. "A realidade é que lemos a história de Chris contada por Jon Krakauer porque o Chris morreu", diz Halfacre, enfatizando a última palavra. "Ninguém devia querer repetir isso."

E talvez agora os aventureiros amadores estejam finalmente entendendo a mensagem, já que a gerente do programa de voluntários do Parque Denali, Kathleen Kelly, diz que incidentes como a operação de resgate do mês passado estão se tornando menos frequentes. "A informação do que é necessário para fazer essa viajem está se espalhando", Kelly disse a VICE. "As pessoas estão se preparando melhor, menos pessoas estão tentando, ou estão fazendo a viagem com mais informação." E talvez seja melhor assim. Na opinião de Halfacre sobre por que as pessoas continuam tentando fazer a trilha, isso está ligado ao desejo inato da humanidade de crescimento pessoal: "Para muitas pessoas, a Trilha Stampede representa um desafio que, se conseguirem superar, elas acham que vão descobrir algo sobre si mesmas".

Outros ainda acham que a obsessão em seguir os passos de McCandless é um mistério em si. "Entendo qual o apelo disso", disse Macaloon, enfatizando que a atração de desaparecer da sociedade e entrar no grande desconhecido se estende não só à história trágica de McCandless, mas ao Alasca em geral. "Encontramos gente não só tentando chegar ao ônibus, mas querendo vir para cá, construir uma cabana em qualquer lugar e viver da terra. O Alasca é um lugar onde as pessoas acham que podem viver esse sonho — ou pelo menos tentar."

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Tradução: Marina Schnoor

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