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A Morte do Vampiro Moderno

Um jogo para os amantes do RPG.

Os anos noventa foram o ápice do vampiro moderno na cultura pop. Desde o estabelecimento do vampiro enquanto um charmoso conde suave na obra do irlandês Bram Stoker, com sua forma definida visualmente primeiro no maravilhoso-horroroso Nosferatu de Murnau e depois estabelecido o maravilhoso cliché na pele de Bela Lugosi, ao final dos anos oitenta e começo dos noventa houve uma repaginada do que viria a ser o vampiro moderno. Esta atualizada veio mais fortemente através de dois objetos da cultura pop: o já estabelecido processo do filme baseado em romance de sucesso com o Entrevista Com o Vampiro, de 1994, em cima do romance homônimo de 1976 da escritora americana Anne Rice, e a mais recente e bastarda mídia do Role Playing Game.

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O protagonista do natimorto Legacy of Kain: Dead Sun.

Eu sou um nerd clássico e já possuí, embora nunca tenha jogado de verdade, ao menos três livros do seminal RPG Vampiro: A Máscara, lançados em 1991. Acredito que sem o trabalho dessa turminha da White Wolf a construção de outras obras derivadas do universo vampiresco, como o meio-vampiro durão interpretado por Wesley Snipes em Blade e as pálidas figuras chororô da trilogia adolescente Crepúsculo talvez nem viessem a existir. O universo criado por Vampiro: A Máscara conseguiu encaixar perfeitamente o vampiro clássico dentro de um mundo moderno ficcionado em teorias da conspiração, onde grandes clãs de vampiro controlam o mundo dos mortais por trás de uma cortina de veludo vermelho bem cafona. Além de inserir aquela dose adequada de homoerotismo, calças de couro, sadomasoquismo e ninfetas magrelas com fita isolante nos mamilos que encaixou tão bem no universo imagético dos anos noventa.

Como todo sistema de RPG de mesa que se preze, Vampiro: A Máscara foi adaptado várias vezes para o vídeo game. O de maior sucesso foi o razoavelmente tardio Vampire: Bloodlines, de 2004, conseguindo capturar com precisão o universo de um grupo de aterrorizantes mortos-vivos que habitam o submundo e as redes de poder de uma fictícia porém verossímil Los Angeles. Grande parte do sucesso da série era a capacidade de aplicar este sistema de teoria da conspiração - "Eles estão entre nós!" - para qualquer cenário da vida real. Uma boa campanha do RPG de mesa, por exemplo, poderia começar em volta de lutas de poder e influência política dos vampiros da região de Betim, Minas Gerais, e terminar em um duelo de espadas em cima de um trem em movimento na rota Minas-São Paulo fazendo a campanha terminar do lado de fora de uma montadora de automóveis em greve em Diadema (SP): "Os trabalhadores em greve há um mês parecem estar convictos de sua luta sindical… ou será que mais alguém está por trás desse piquete?", onde começaria a campanha de desmascarar o sindicalismo controlado pelos tremeres (clã de vampiros feiticeiros) de Santo André. Bem verossímil.

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Fico feliz de viver em uma época que já consegue sentir saudade dos gráficos dos anos noventa.

Apesar de Vampire: Bloodlines ter se tornado um clássico contemporâneo dos vampiros do vídeo game, outra série parece ter tido mais sucesso do que ela. Legacy of Kain, iniciada em 1996 com Blood Omen, e tendo sua última versão lançada em 2003 com Legacy of Kain: Defiance. Haviam rumores de que a série seria retomada, mas sem provas muito concretas até que, mais cedo esta semana, veio à tona um vídeo de trinta e dois minutos que nos mostrou como seria a sexta visita ao mundo de Nosgoth, terra habitada pelos monstrengos de Legacy of Kain. Cancelado já nos idos de 2012, Legacy of Kain: Dead Sun originalmente estava sendo desenvolvido para fazer parte da atual geração de consoles, Playstation 4 e Xbox One, e estava em fase bem avançada na produção quando a turminha da Square Enix puxou a tomada. A única parte do jogo que perdurou foi a parte multiplayer, complementar à narrativa épica do jogo principal, que por ser deslocada do jogo principal, pode ser adaptada em um jogo independente, que está em fase beta aberta no momento com o nome Nosgoth, e ele segue uma atual tendência dos jogos de multijogadores competitivos, o embate de times assimétricos, assim como o recentemente lançado Evolve. Nele, um time é composto de quatro personagens humanos que trabalhando em conjunto tentam matar o outro time que é composto por apenas um monstro superpoderoso que vai ficando cada vez mais fodão conforme a partida prossegue. O princípio assimétrico também está presente em Nosgoth, aonde um time de caçadores de vampiros enfrenta um time de, você adivinhou, vampiros. A ideia assimétrica do jogo é que os times que não funcionam da mesma forma, o grupo dos vampiros controla monstros fortões que voam, pulam, escalam paredes e atacam seus inimigos com as próprias mãos, enquanto o time dos humanos estão mais ou menos presos ao chão e precisam ficar mais unidos com suas armas de longo alcance para se defender dos monstrengos. Parece interessante, mas como um jogo necessariamente competitivo toda a história trabalhada nos outros jogos da série parece ser ignorada. Iniciada em 1996 com o jogo Blood Omen: Legacy of Kain e mais firmemente estabelecida no segundo título Soul Reaver: Legacy of Kain, a série foi um dos maiores sucessos dos vampiros no vídeo game e parece que não irá ter uma continuação decente tão recentemente depois do cancelamento de Dead Sun.

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Inveja, traição, danação eterna, assim que começa Soul Reaver.

Algo que sempre me chamou a atenção nos dois primeiros jogos da série foi a questão da morte. Ponto focal de uma história de vampiro é saber como ele se tornou o que é, e o contraste entre essas duas transformações, Kain no primeiro jogo, e Raziel no segundo, não poderia ser mais divertido. Vamos começar com o segundo que você pode ver no vídeo acima, mas segue uma breve descrição. Criado por Kain, o lorde vampiro Raziel, o protagonista do jogo, cria espontaneamente asas em uma mutação vampiresca muito louca. Seu mestre com inveja e raiva das asas maneiras de seu súdito arranca os ossos delas deixando apenas frangalhos de couro em carne viva dependurados de suas costas, para depois jogá-lo em um rodamoinho eterno que irá dissolver sua carne como ácido PARA SEMPRE. É assim que começa Soul Reaver. Através de sua segunda morte, Raziel se tornar um metavampiro deformado que suga almas por sua boca sem mandíbula e está atrás de vingança de seu ex-chefe. Parece trágico e portentoso o bastante para mim, agora vamos ver como morre Kain, esse malvado retalhador do segundo jogo, como ele se torna vampiro?

Com considerável menos resolução começa o Blood Omen.

Na primeira cena de Blood Omen, o nobre humano com a voz mais chorosa desse lado de Nosgoth adentra uma taverna num vilarejo sombrio, após breve conversa com o taverneiro ele é, e não existe descrição melhor para isso, expulso do bar. Ao cair na rua da amargura ele é atacado por uma enxurrada de bandidos e morre lá mesmo em um latrocínio medieval. Após intervenção sobrenatural ele vende sua alma em troca de vingança. Esta é a descrição, embora ele tenha sido morto pelas espadas dos bandidos, a rigor, ele morreu porque foi expulso do bar. Por mais besta que sejam as histórias, eu não consigo achar que este contraste ridículo me faça gostar ainda mais dela, a maneira ad hoc (latim para gambiarra) como os roteiristas vão resolvendo os problemas de continuidade e incongruência entre uma mudança radical de estilo dos jogos para mim é simbolicamente forte demais para ignorar.

Na complicada cosmologia de Kain, o vampiro Raziel é o único ser que tem livre arbítrio. Não, eu também não entendi direito.

O caminho que a série Legacy of Kain teve me soa bem parecida com o triste fim do clássico RPG de mesa Shadowrun também teve em suas adaptações para o mundo dos jogos eletrônicos. Depois de dois ótimos jogos para Super Nintendo (1992) e Mega Drive (1993), cada uma ao seu modo, o jogo entrou em hiato eletrônico até o ano de 2007 quando foi lançado um horroroso jogo baseado na série onde, assim como no futuro lançamento de Nosgoth, tudo o que existe é um modo de jogo multiplayer competitivo. Desde então, não mais nas mãos da maléfica megacorporação Microsoft, o direito do jogo foi para o criador da série original e através do empoderamento do Kickstarter conseguiram lançar em 2013 um jogo que parece bem decente até. Só resta esperar para ver se nossos amigos vampiros algum dia conseguirão se livrar das monstruosas e imortais mãos da Square Enix para conseguir ver, metaforicamente falando, pois ainda se trata de vampiros, a luz do sol mais uma vez.