Os Moradores da Portelinha da Penha Estão Remontando Seus Barracos

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Os Moradores da Portelinha da Penha Estão Remontando Seus Barracos

Voltamos até a favela da Zona Leste para acompanhar a galera que está refazendo suas casas improvisadas sobre as cinzas, no meio da sujeira.

No início do mês, fomos até a favela Portelinha da Penha, na Zona Leste de São Paulo, conversar com os moradores que perderam seus barracos num incêndio até hoje mal explicado. A maioria das pessoas não conseguiu recuperar sequer seus documentos. E depois de dormir na rua por semanas, resolveram remontar suas casas improvisadas.

Assim que cheguei lá ontem, Seu Aparecido puxou papo comigo e me guiou por um tour através da área devastada pelo fogo. A coisa lá tá punk, insalubre. Mesmo. Cinzas, sapatos, roupas e madeiras queimadas, entulho, galinhas, galos, patos, cães pulguentos, ração de cachorro pelo chão e moscas. Muitas moscas. Mesmo assim, as pessoas reconstroem suas casas sobre as cinzas. Literalmente.

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Ele me conta que os moradores negaram a possibilidade de receber auxílio-aluguel, mas que, no próximo sábado pela manhã, a subprefeitura da Penha irá receber as lideranças da comunidade para entrarem em um acordo. “Eles querem desocupar a área e nosso objetivo é conseguir moradia. Nós recusamos o bolsa-aluguel. É provável que eles ofereçam 10 mil reais, ou menos, para cada família. Mas não dá para comprar um imóvel com esse dinheiro, que vai acabar”, diz.

Acontece que o incêndio não atingiu somente os moradores da favela, mas também as pessoas que compraram unidades no Way Penha, um prédio ainda em fase de finalização que divide o muro com a Portelinha. Depois do fogo, a Living Construtora recebeu uma chuva de reclamações dos futuros moradores, já que as chamas atingiram alguns andares do prédio. Até o fechamento da matéria, não conseguimos falar com a assessoria deles. Na maquete do condomínio, a área que abriga a favela é substituída por um lindo gramado verde. Irritados, os compradores criaram uma página no Facebook. Lá, eles afirmam que a construtora havia prometido que o prédio seria entregue sem a favela acoplada. Mas depois de descobrir que a área pertence à prefeitura e não à construtora, todo mundo ficou puto e começou a disparar suas ofensas higienistas, tipo essa a seguir:

Porque, caso a prefeitura queira construir algo público ali, eles acreditam que moradores de rua tornarão a aparecer.

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Apontando para o tal prédio, Ediene me diz “Isso aí é só beleza. Morar na favela é bom”. Seu barraco já está remontado e ela conta que foi o marido que fez tudo sozinho, em uma semana e meia.

Dona Maria das Graças, voluntária, mostra o lugar improvisado onde são preparadas as refeições do pessoal desabrigado e me faz uma pergunta capciosa. “Por que você, uma jornalista cheia de poder, vem na favela de shorts? Você é muito simples. Mas ser simples é bom.” Sorridente, ela explica que as grandes dificuldades na hora das refeições são os utensílios. “Alimentamos 200 famílias, mas nunca temos pratos, talheres e copos o suficiente.” As pessoas acabam comendo em potinhos descartáveis improvisados. E a comida vem de ONGs e de moradores da região que se solidarizam.

A água é outra dificuldade. Se não fosse uma torneira com uma mangueira disponível em meio aos destroços, a galera não teria como tomar banho, lavar roupa, usar a água para cozinhar e beber. Banheiro também não existe, e essa é uma reclamação constante ali. Todos clamam por, ao menos, um banheiro químico. Por enquanto, quem está apertado precisa procurar um matinho propício.

Num lugar improvisado com teto de saco de lixo, a liderança da Portelinha faz um levantamento dos moradores, coletando dados sobre as famílias. Ronaldo, o porta-voz da favela, diz que essa lista será levada na reunião com a subprefeitura para que todos possam ser incluídos em programas habitacionais.

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Aparentemente, as coisas não mudaram muito desde a nossa visita anterior. A precariedade do lugar, a sujeira, o descaso. Tudo continua lá. Por e-mail, a Subprefeitura da Penha informou que tem tomado as medidas cabíveis, dizendo que uma ação foi realizada na área para que as pessoas se candidatassem a vagas de trabalho e tirassem novos documentos.

Pedi um laudo parcial sobre o incêndio para os Bombeiros, que me encaminharam para o Instituto de Criminalística. Até o fechamento da reportagem, não conseguimos contato direto com a assessoria de imprensa deles. É bizarro como os casos de incêndios em favelas são investigados precariamente. Principalmente porque, na maioria das vezes, existem novas construções imobiliárias nas imediações. Coincidência? Deve ser difícil vender um apartamento com vista para a vida de um monte de gente que não tem onde cair morta. Voltando para casa, um pixo na parede me trouxe de volta à realidade. “Não se iluda. Toda riqueza é oriunda de exploração.” Concordo.

Veja nossa galeria de fotos no topo do post.

Siga a Débora Lopes no Twitter (@deboralopes) e veja mais fotos do Felipe Larozza aqui.

Esse molequinho daora me abraçava e dizia “você é minha mulé”. Eu perguntei quantos anos ele tinha e doutrinei “menino, você ainda não tem idade pra ter uma mulher”.

Essa senhora à esquerda teve a foto de sua mãe parcialmente queimada pelo incêndio. Aí esse moço, que faz pinturas que parecem retratos, reconstruiu a foto perdida, agora com uma moldura lilás.

Josiane e seu filho de um ano, Adrian. Ela morava num puxadinho em cima desse barraco, que é da sua sogra. Hoje, ela aluga um barraco que resistiu ao incêndio e dorme ali, com mais 10 pessoas.

Crianças são legais porque elas estão pouco se fodendo pro mundo e pro politicamente correto. Passamos um bom tempo curtindo com essa molecada daora e tirando fotos.

Esse mano pediu pra tirarmos uma foto dele. Ei-la.

A Marcela é trans e pediu pra gente tirar uma foto dela divando.

Enquanto o pessoal cadastrava seus nomes, esse molequinho fera demais ficou encarando a nossa câmera.