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Música

O Que Vai Acontecer com a Cena de Metal da Maré Depois da UPP?

Facções do tráfico, milícia, delegacia de polícia, pessoas armadas vendendo todos os tipos de drogas, crianças brincando na rua e os espaços dedicados ao metal dentro da Favela da Maré, que agora abriga uma UPP. Será que a polícia vai deixar os shows...

Eu passei a maior parte de 2013 trabalhando numa produção de documentário para a BBC sobre a vida cotidiana nas favelas no Rio de Janeiro. Durante um tempo, andei de cima a baixo dentro da comunidade da Maré, procurando personagens para filmar. Um dia, entrei numa loja de tatuagem e vi um cabeludo conversando com uma mulher, vestido estilo dona de casa, perguntado sobre o ressecamento na nova tatuagem dela — uma pequena rosa no ombro. “Olha”, o cabeludo falou, “precisa passar creme. Tenho um pouco aqui. Uma tatuagem nova dessas, quando começa descascar deixa você vulnerável para uma possessão diabólica. O capeta pode entrar no seu corpo neste ponto aqui. Mas tenho um pouco hidratante, deixa passar em você”. “Cruzes”, ela falou.

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Descobri, logo depois, que o tatuador era Leatherface Telles, líder do Sodomizer, que tem vários discos e já fez duas turnês na Europa. Eles são uma das muitas bandas de metal baseadas dentro da comunidade da Maré.“Nós cantamos sobre temáticas satânicas, ocultas e de horror baseadas em filmes de terror como Texas Chainsaw Massacre e filmes pornográficos. No momento estamos gravando nosso quarto álbum e nos preparando para três shows aqui como Midnight (um grupo de black metal dos EUA).”

Um dia, meu amigo Henrique, também da comunidade e roqueiro, me convidou para um show de metal em um dos espaços legendário de Rock dentro da Maré: o Metalnoia. Combinamos em um dos muitos excelentes bares no Parque União e levei meu amigo Matias Maxx. Tomamos algumas cervejas e atravessamos Nova Holanda para Vila Pinheiro, passando por várias mesas de pessoas armadas vendendo diferentes tipos de drogas, nas ruas cheias de crianças brincando. “Maré tem tudo”, ele falou, “aqui tem todas as facções do tráfico, uma área controlada pela milícia e uma delegacia da polícia. Normalmente, é complicado para um morador passar de uma parte controlada, por exemplo, pelo TCP para outro controlado pelo CV, mais todo mundo deixa os roqueiros em paz”.

Chegamos em frente a um prédio de três andares. Subimos uma escada e entramos num espaço cheio de discos antigos de metal nas paredes, crânios de bode e cruzes suspenso do teto. Uma banda estava montando equipamentos no canto e tinha alguns motoqueiros e jovens vestidos de preto. “O show só vai começar depois”, Henrique falou. “Vamos descer e tomar uma cerveja. Vou precisar deixar vocês aqui porque preciso tocar num show de Dire Straits Cover no outro lado da comunidade. O Metalnoia é um dos três espaços importantes para os metaleiros aqui na Maré. O dono curte white metal, é cristão, mais ele deixa todas as bandas da comunidade tocarem aqui. A banda principal esta noite é o Uncaved — eles tocam death metal. Tem outros espaços importantes aqui: o primeiro é a lona cultural Herbert Viana. Eu faço som lá e todo mês tem o noite metal. Tem algumas pessoas mais velhas que frequentam, da década de 1980, quando a melhor banda na comunidade era a Dartherium, de thrash. A maioria do pessoal é adolescente. E a coisa interessante é que a lona fica na divisa de território de duas facções, mas sempre lota, mesmo quando estão acontecendo tiroteios. O povo do metal é muito fiel. O outro espaço importante aqui fica no Morro de Timbau. O dono do Bar do Zé Toré monta uma festa de rock na rua uma vez por mês. É muito maneiro, cara.”

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Perguntei a ele sobre as outras bandas. “Olha”, Henrique falou, “têm muitas. Tem muitas bandas que tocam outros tipos de rock também. Mas vou falar só sobre metal. Uma das maiores bandas de hoje é o Mortarium. É uma banda só de mulher que toca doom. Tem bandas que tocam um estilo mais goth como Eternyx. O Algoz é popular agora, eles tocam mais estilo nu metal — não é minha praia. Tem outras bandas como Alvo Suburbano e Inkaos que tem estilo mais punk”.

Henrique nos deixou bebendo nossa cerveja. O show ainda não tinha começado. O Matias decidiu andar até a mesa mais próxima para comprar uma sacola de R$5 de maconha. Entramos em um beco e paramos na frente de uma mesa coberta com vários tamanhos de saquinhos de pó, maconha e comprimidos de ecstasy. Maxx pediu a erva. Um cara sentado ao lado da mesa e segurando um fuzil AR-15 perguntou se eu iria comprar uma cerveja para ele. Falei que não podia por que era do white metal.

Voltamos para Metalnoia, que não cobrou entrada. O espaço estava cheio. Uncaved tocou um dos seus maiores hits, “Leeches all over my body”. Um grupo de homens estava em uma roda de bate-cabeça em frente do palco de uma forma bem-educada. Passamos o resto da noite tomando cerveja e curtindo a música. Depois, andamos tranquilamente para avenida Brasil e pegamos um táxi.

Domingo passado vi nos jornais que o exército estava entrando na Maré. Combinei com Leatherface e Henrique na segunda-feira à noite em outro bar excelente, na Praça do Parque União, que tem uma promoção de chope por R$2,50 até as 22h. Cheguei de bike. Apesar da ocupação da polícia, com apoio da Marinha, não vi nenhum policial. Também não vi nenhum traficante. As ruas estavam cheias de crianças brincando. Eu encontrei meus amigos numa mesa cheia de roqueiros. Todo mundo estava aproveitando a promoção de chope e eu entrei nessa também. Esperei por um momento quando a conversa estava andando bem e perguntei: “O que vocês acham que vai mudar para os roqueiros com a chegada desta ocupação militar?”.

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“Olha”, um deles falou, “de uma forma geral, acho que vai ser uma coisa positiva. Mas também tem problemas. Eles fizeram um mandado judicial geral para a comunidade inteira. Primeiro, isso é ilegal. Segundo, é chato pra caramba. Imagina você, lá no conforto da sua casa jogando videogame ou tocando punheta e de repente a polícia entra?”.

Eu falei, “Mas o que você acha que vai mudar para o metal? Será que a polícia vai deixar os shows continuarem? Todo mundo sabe que a primeira coisa que eles fazem quando entram em uma comunidade é fechar os bailes funk”.

Ele tomou um gole de seu chope e falou, “Olha, na minha opinião, a Lona Cultural e a Metalnoia não vão mudar muito. Pode ser que precise abrir e fechar mais cedo por causa da lei do silêncio, sei lá. Mas temos muitas dúvidas sobre as festas que rolam na rua, como as noites de metal em frente ao Bar do Ze Toré. Obviamente, aquela turma da maconha vai precisar ser mais discreta e os menores de idade não vão conseguir beber álcool. Mas como é agora, essas festas de rua terminam de madrugada. Pode ser que, depois da UPP, precise encerrar às dez horas da noite. A gente vai ver agora com a chegada da Exército se essas festas continuam ou não. Espero que sim”.

Deixei os companheiros lá na mesa bebendo. Ainda tinha muita estrada de bike até chegar em casa. Na saída da comunidade, vi traficantes armados em frente a uma mesa de droga. Espero que, apesar da ocupação e futura pacificação, o metal continue firme e forte na comunidade da Maré.