Os vídeos estão para o skate assim como os fanzines e as fitas demo estiveram para o punk. Ainda que os veículos de informação tenham lá sua importância na construção da cultura skater, nem todo skatista lê revista. (Aliás, alguém lê?)
A real é que todo fã de skate pira nas imagens dos rolês sobre o carrinho. Desde que o esporte se consolidou nos meios urbanos, rolaram vários vídeos classicões tipo o Speed Freaks, o Wheels of Fire e o The Search for Animal Chin nos anos 1980; o Virtual Reality e as fitas da Plan B nos anos 90; e os mais recentes Pretty Sweet e Cherry, de 2012 e 2014, respectivamente.
A gente sabe que tem aqueles camaradas que acham que só a golden era foi daora, mas o fato, amigão, é que estamos no auge da produção fílmica skater. Não só por causa do avanço tecnológico, mas também porque diretores vêm fazendo um trabalho cada vez mais apurado. Com qualidade cinematográfica mesmo.
Os vídeos do americano Greg Hunt são o maior exemplo: conjugam arte visual, edição afiada, beleza fotográfica, plasticidade na captação das manobras, trilha sonora de primeira e elaborados planos sequência. Quer uma amostra? Assista ao comecinho do seu mais recente vídeo, Propeller. É pra ficar de cara.
Se em Mind Field (2009) o Greg já havia impulsionado o padrão para novos patamares, agora ele chegou ao White Album dos vídeos de skate. Lançado no final de 2015, o longa conta com partes de 15 skatistas representantes de todas as fases e vertentes do skate de rua. Estamos falando de lendas como Steve Caballero e Christian Hosoi, além de Geoff Rowley, Chima Fergusson, Tony Trujillo, Curren Caples, Kyle Walker, Rowan Zorilla, Elijah Berle, Anthony Van Engelen (recém eleito Skatista do Ano pela Thrasher)e do brasileiro Pedro Barros.
O vídeo demorou quatro anos para ganhar forma e, antes mesmo dos primeiros cortes, virou lenda. As expectativas eram altas e o resultado não deixa por menos. Aproveitei o gancho da turnê de promoção do filme que passa pelo Brasil nessa semana e troquei uma ideia com o Greg sobre a experiência. Se liguem no resultado e atentem para a hora que o cara me lança que a intro não saiu do jeito que ele queria… Entendo a humildade e o preciosismo. Até admiro esse posicionamento. Mas, bicho, como assim? Está perfeita!
VICE: Quando você se ligou que dava pra investir tudo na carreira de diretor e desencanar de atuar como skatista?
Greg Hunt: Bem, as coisas não aconteceram de uma hora pra outra. Teve um período aí de um ou dois anos em que eu tava meio devagar com o skate. Andar de skate foi definitivamente o lance que me apresentou para a cinematografia e a fotografia, mas naquela época minha vontade era fazer outros tipos de filme. Só que daí comecei a rodar uns filmes de skate em 16mm e isso fez com que eu voltasse a me envolver fortemente com o skate de novo. Passados dois anos, fui contratado pela revista Transworld pra fazer vídeos. Esse foi o ponto de partida dessa trajetória toda. Nada planejado.
Todo mundo estava ansioso para ver o resultado do Propeller, sobretudo pelo tempo que levou para ser finalizado. Por que a delonga?
Eu não sei. Acho que quatro anos é um período plausível para um vídeo com mais de 15 atletas, não acha? Foi mais ou menos igual com o Fully Flared e outros. Quando você tem muita gente pra captar, demora pra caralho pra obter imagens que revelem todos os atletas no mesmo nível com suas linhas. Os caras acabam tendo que rodar outros vídeos ao mesmo tempo, se machucam no meio do trampo etc. É um trabalho duro e demanda muito comprometimento de todos. Hoje em dia o pessoal é muito imediatista, por isso não estamos mais sendo surpreendidos com vídeos de longa duração. Achei muito legal essa oportunidade de poder trampar com esse tipo de comprometimento.
Rowan Zorilla voa alto nesse frontside air transfer. Foto por: A. Acosta
Andam rolando uns vídeos de skate que são tipo cinema ao empregar equipamentos e técnicas similares. Isso é uma tendência?
Não acho que é tendência, mas a natural progressão da tecnologia. Sempre houve novas tecnologias sendo absorvidas pelas pessoas. Se tem alguma tendência rolando, na verdade é esse pessoal na pegada de fazer vídeos de skate com câmeras antigas, especialmente as mini-DV. Existe um movimento anti-tecnologia nos vídeos de skate que é super popular. Eu entendo totalmente essa parada, é muito daora ver os caras andando de skate nessas câmeras antigas. Mas, pessoalmente, sou muito mais trampar com novos equipamentos, pois são mais confiáveis e versáteis.
Quais são os skatistas mais embaçados desse vídeo, na sua opinião?
Todos os caras são zica. Sério mesmo. Cada um é dono de talentos muito particulares. Foi um time alucinante de skatistas para trabalhar junto.
Qual a importância dessa galera no cenário contemporâneo do skate?
Eu diria que esse time é, na verdade, o mais relevante que existe. O Rowan Zorilla e o Kyle Walker, para mim, incorporam perfeitamente o skatista de rua moderno, cada qual à sua maneira. E o Ray Barbee também se mostra muito relevante… Ele foi um dos mais aplaudidos em todas as sessões de estreia. O pessoal está retomando as manobras variantes do no-comply, mas ninguém se equipara ao Ray. A variedade de estilos no vídeo não teve nada a ver com a minha direção. Na realidade é uma amostragem do time que vem sendo maturado já há bastante tempo.
Na hora de filmar uma cena, você se preocupa em alinhar a beleza da fotografia com o registro da manobra? Como você hierarquiza isso?
Na condição de skatista, eu apenas tento sacar a manobra que eles estão tentando acertar e empreender o meu melhor para que saia o mais bonita possível. Dou preferência para o visual padrão em vez de distorcido (olho de peixe), porém, em muitos casos, o olho de peixe é a única opção. Acho que existe uma história diferente para cada manobra – desde como o skatista se aproxima do obstáculo, passando pelo encaixe da manobra, o afastamento e o que rola na sequência disso. Sempre procuro ter a certeza de que isso está sendo contado no modo de filmar e na edição.
Dos vídeos clássicos de skate, quais acabam inspirando ou virando referência para o seu próprio trabalho?
Ah, sempre conto com umas referências, certeza. Às vezes só me dou conta disso depois. Enquanto trabalhava no Propeller, minhas principais inspirações foram o Wheels of Fire e os documentários de rock and roll dos anos 1970. Eu queria imprimir um tom clássico, com uma certa vibe de documentário, onde fosse possível.
Tem algo que você tentou fazer, mas que na realidade acabou não funcionando?
Estou muito feliz porque o time realmente curtiu o resultado. Sempre fica aquela coisa de que dava pra fazer ainda mais. Há muitos intervalos que eu gostaria de ter incluído ao final de cada parte, mas não tínhamos mais tempo. A introdução também era pra ser bem mais elaborada, só que nessas eu também me ferrei com o tempo.
Você acha que a nova geração do skate anda mais crítica sobre os quesitos técnicos dos vídeos do que o pessoal da velha guarda?
Não, na real penso que os jovens skatistas sempre se preocuparam com os quesitos técnicos. As coisas hoje não andam menos chatas do que nos anos 1990. Na década de 90, quase todo mundo se vestia e andava de skate igual. Foi o caminho para se chegar no "agora". Qualquer coisa retro ou artística nem era considerada tão daora assim pela maioria dos skatistas. Eu gosto de pensar que os skatistas hoje prestam muito mais atenção ao lado cinematográfico da coisa também. Estamos vivendo uma época de muita criatividade e alto nível nos filmes de skate.
Elijah Berle mandando um fifty. Foto por: A. Acosta
Pra encerrar, queria te pedir que comentasse os seus vídeos anteriores ao Propeller…
i.e.
Esse foi o meu primeiro vídeo para a Transworld (feito em parceria com o John Holland). Aqui eu estava só tentando sacar como as coisas funcionavam.
Sight Unseen
Meu segundo vídeo para a Transworld. Fomos realmente sortudos com a equipe de skatistas nessa ocasião.
The DC Video
Todo um outro nível de estresse fazendo esse vídeo, mas valeu a pena, especialmente só por estar lá para captar a primeira filmagem do Danny Way na Mega Rampa.
Mind Field
Eu sempre fui meio fã da Alien Workshop e, criativamente, eu simplesmente amo a maneira como todo esse vídeo tomou forma.
Dylan
Esse era pra ser um longa da Analog e acabou virando um retrato solo do Dylan Rieder, que me deixou muito feliz.
Propeller está disponível nas seguintes plataformas:
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