A garota que fugiu para lutar contra o ISIS
Fotos por Sarah Buthmann.

FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

A garota que fugiu para lutar contra o ISIS

Joanna Palani tinha só 22 anos quando deixou uma vida confortável de universitária na Dinamarca para se juntar a combatentes do YPG e Peshmerga, nas linhas de frente da guerra no Iraque e Síria.
Sarah Buthmann
fotos por Sarah Buthmann
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Das cerca de 750 jovens europeias que embarcaram para aventuras na Síria e Iraque, apenas algumas conseguiram voltar para casa em segurança. O chamado da guerra santa para derrotar a carnificina de 45 anos do regime Assad na Síria, inspirou mais de 27 mil combatentes estrangeiros de 81 países a se juntar ao conflito, a maioria lutando agora do lado do ISIS.

Grande parte das mulheres e garotas que viajaram para a guerra foram aliciadas por recrutadores do ISIS. Mas Joanna Palani, uma estudante de filosofia e política de Copenhague, foi lutar com os curdos; primeiro na Unidade de Proteção Popular da Síria (o YPG) e depois com os peshmerga, um exército do Governo Regional Curdo treinado e apoiado por ocidentais. Os peshmerga (uma palavra curda para "aquele que enfrenta a morte") tiveram um papel importante na derrubada de Saddam Hussein e na captura de Osama Bin Laden, e estão ganhando lentamente batalhas significativas contra o ISIS no Iraque.

Publicidade

Palani, filha e neta de combatentes peshmerga, é uma curda-iraniana nascida num campo de refugiados da ONU em Ramadi, Iraque, em 1993, depois que a família foi obrigada a fugir de sua região durante a Guerra do Golfo. Eles se mudaram para Copenhague quando ela era bebê. Ela tinha uma "vida normal e confortável" com sua família. Seus passatempos favoritos eram ler e atirar; depois de disparar seu primeiro fuzil na Finlândia aos nove anos, ela ficou obcecada.

"Eu adoro", ela diz, "é minha vida. É normal para os curdos aprender a usar armas assim." Palani fala inglês perfeitamente com um sotaque americano, ri muitas vezes no meio das frases e se refere a mim carinhosamente como senhora.

Em 2014, ela largou a faculdade e foi lutar na Síria com os curdos. Palani queria ajudar a derrotar o ISIS e Assad, além de, como ela diz, "lutar pelos direitos humanos para todas as pessoas".

"No dia 14 de novembro de 2014 fui para o Iraque, depois fui para Rojova, na Síria. Fiquei com o YPG por seis meses e com os peshmerga por outros seis, lutei por cerca de um ano."

Em novembro de 2014, o exército do ditador sírio Bashar al-Assad estava calejado por três longos anos de matança indiscriminada de civis. Eles juntaram um tesouro de armamentos e munição, incluindo armas químicas, que usavam contra seu próprio povo. O ISIS tinha acabado de completar sua genocida anexação do norte do Iraque.

A primeira noite de Palani no front foi brutal. Numa patrulha noturna com outro combatente estrangeiro da Suécia, a dupla foi atacada por um franco-atirador, que viu a fumaça de um cigarro e atirou no meio dos olhos de um camarada seu. Ela descreve como a brasa do cigarro continuou acesa enquanto ele morria, seu sangue ensopando o uniforme novo dela.

Publicidade

Da esquerda para direita: Joanna Palani com o lenço tradicional que ela usava nas batalhas e com sua roupa civil. Fotos por Sarah Buthmann.

"Eu disse que ele não devia fumar na linha de frente — mas ele não me levou a sério. Eu mesma não estava levando a sério quando cheguei lá", ela admite. "Mas depois do primeiro ataque vi que a coisa era séria, sim senhora."

Na Síria ela descobriu que tinha um dom para atirar na hora certa e fazer silêncio na hora certa — duas habilidades essenciais para ser um bom soldado, ela acredita. Sua primeira luta com o exército de Assad foi a mais desafiadora de sua carreira. Eles são conhecidos por atacar com gás clorino, bombas de barril e agora bombas a vácuo, todos armamentos proibidos pela lei internacional. O regime é responsável por 182 mil civis mortos, e agora está sendo investigado por crimes de guerra e contra a humanidade.

"Combatentes do ISIS são fáceis de matar, senhora", ela diz, rindo de si mesma. "Os combatentes do ISIS são muito bons em sacrificar suas vidas, mas os soldados de Assad são bem treinados e especialistas em matar."

Palani se enche de orgulho para falar de seu papel treinando muitos jovens combatentes curdos. "As meninas são incríveis — elas ficam eufóricas depois de voltar da linha de frente. Elas são muito corajosas, muito mais do que eu era na idade delas."

Palani lutando na Síria. Todas as fotos cortesia de Joanna Palani.

O YPG também atuou no tortuoso trabalho de ajudar famílias yazidi a tirar parentes de territórios do Estado Islâmico. Palani descreveu uma correspondência detalhada de uma garota em cativeiro, tentando organizar a própria fuga ou conseguir um resgate.

Publicidade

"Mesmo sendo uma combatente, é difícil para mim ler sobre uma garota de dez anos que vai morrer de uma hemorragia causada por um estupro", ela diz. As cartas e testemunhos de tortura sexual começaram a surgir em outubro de 2014. Palani recebeu um novo posto no começo de 2015 — ela era parte de um batalhão que libertou um vilarejo próximo de Mossul, ela diz, e que encontrou várias crianças sendo mantidas em cativeiro e abusadas sexualmente por militantes do ISIS. Era uma casa onde meninas eram presas, estupradas e alugadas para os combatentes de baixo escalão nas linhas de frente.

"Todas as garotas eram menores de 16 anos — algumas muito jovens mesmo. Conheci uma menina no hospital que eles tinham acabado de trazer. Ela era cristã síria e morreu segurando minha mão; ela tinha 11 anos e estava grávida de gêmeos. O rosto dela estava muito inchado. Não estava certo. Lembro do médico chorando e gritando comigo e meu camarada."

Palani está de volta a Copenhague, estudando política e filosofia na universidade. Foto por Sarah Buthmann.

Ela teve que convencer o médico de que eles não eram responsáveis pelo estupro que resultou na gravidez e morte da criança. Mas mesmo enquanto seus pais em Copenhague se preocupavam com a filha, Palani achava a vida no front emocionante. "Nunca pensei 'Quero ir pra casa'. Honestamente, em certos momentos tive medo. Em certos momentos desejei sobreviver, sim. Mas não houve um segundo sequer em que quis voltar para casa. Eu sabia que estava no lugar certo."

Sua carreira militar parecia estar tomando impulso. Aí ela voltou para casa para ver sua família durante uma licença ano passado. "Os peshmerga me deram 15 dias de folga", ela explicou. "Chegando na Dinamarca, a polícia me mandou um e-mail depois de três dias. Eles diziam que meu passaporte não era mais válido e seria revogado se eu tentasse deixar o país. Se tentasse voltar, eu poderia pegar seis anos de prisão."

Publicidade

"Isso me deixou numa situação ruim — porque desapontei muitas pessoas. Eu estava treinando algumas garotas para atirar, então decepcionei essas meninas porque o treinamento ficou incompleto."

Ela está furiosa com o governo dinamarquês por confiscar seu passaporte sob uma lei criada para cortar a movimentação dos fãs do ISIS para o conflito — o que ela descreve como "traição". Agora ela tem que escolher entre entregar seu passaporte e voltar para seu batalhão, ou esperar em Copenhague para ver se a lei pode mudar para diferenciá-la dos jihadistas. "Tenho que me lembrar das coisas que vi em combate e das pessoas que deixei lá", ele me diz enquanto pesa as opções.

"Essas meninas, as escravas sexuais, não posso, como ser humano — mas especialmente como uma garota curda — não posso ignorá-las. Não posso dizer que estou fazendo o bem na Dinamarca, então não importa o que eles estão fazendo com essas garotas do Curdistão."

Mas ela também não quer perder as liberdades que tem na Europa — então, por enquanto, Palani vai ficar na Dinamarca. Em vez de lutar ao lado de suas "irmãs" peshmerga (que não recebem salário há sete meses, ela reclama), Palani está relutante em estudar política e filosofia na Dinamarca, onde o governo paga por sua educação universitária.

"Sou uma curda-europeia. A maioria das minhas crenças e moral são europeias. Eu não conseguiria viver no Curdistão por mais de um ano ou dois — não é muito confortável lá para mim como mulher. Eu prefiro escolher justiça pública à felicidade pessoal. Eu daria minha vida pela Europa, pela democracia, pela liberdade e pelos direitos das mulheres. Sinto que fui traída por aqueles por quem eu estava disposta a sacrificar minha vida."

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.