Perguntamos a um especialista como as cores estão prejudicando o meio ambiente

FYI.

This story is over 5 years old.

Sustainability Week

Perguntamos a um especialista como as cores estão prejudicando o meio ambiente

O processo de tingimento das roupas, que constitui um momento particularmente prejudicial da produção têxtil, converte litros e mais litros de água em resíduo tóxico.

A qualidade cíclica da indústria da moda, que nos leva a mudar o guarda-roupa a cada mudança de estação, é alimentada por um imenso aparato de produção global que exerce uma pressão gigantesca sobre o meio ambiente. O processo de tingimento das roupas, que constitui um momento particularmente prejudicial da produção têxtil, converte litros e mais litros de água em resíduo tóxico. Em instalações de tingimento menos avançadas em países como a Índia, até metade dos corantes utilizados acaba escoando e contaminando os reservatórios naturais de água. Além de destruir rios e campos, 450 mil crianças indianas morrem todos os anos por tomar água contaminada. Resumindo: o processo fode com países que possuem grandes indústrias têxteis, como Índia, Bangladesh e China.

Publicidade

Embora várias grandes marcas de roupas tenham progredido ao minimizar o desperdício de água no processo de tingimento nos últimos anos, fica ainda a pergunta: Será que não seria melhor para o meio ambiente se parássemos de vez de utilizar corantes artificiais na indústria da moda? Conversamos com Johan Arnø Kryger, gerente sênior do Instituto Dinamarquês de Moda e um dos principais especialistas em moda sustentável, sobre os desafios de criar uma indústria mais sustentável.

VICE: O que significaria eliminar o uso de cores na moda?
Johan Arnø Kryger: Grande parte da moda vai além do intuito de manter o corpo aquecido. O efeito de sinalizar alguma coisa é um dos motivos mais importantes que levam as pessoas a comprar roupas nada funcionais a altos preços. Queremos mostrar ao mundo quem somos. É a moda que atende à nossa necessidade de manifestar nossa personalidade e de nos destacarmos. Se esse aspecto da moda fosse eliminado – todas as cores –, como seria possível atender a essas necessidades?

A correlação entre cor e sustentabilidade já se transformou em assunto de interesse na indústria?
Os produtos que usam fibras naturais ou corantes naturais já são encontrados no mercado. Mas não são de grandes marcas. A Barbara I Gongini, das Ilhas Féroe, é uma entre os estilistas que estão muito atentos à sustentabilidade. Ela muitas vezes usa só preto, que não é uma cor sazonal, ou seja, você não precisa mudar a roupa o tempo todo. Mas o uso de cor é basicamente uma consideração estética, e é difícil imaginar a moda sem cores.

Publicidade

Como a indústria da moda está em termos de sustentabilidade atualmente?
A confecção de roupas exige muitos recursos. São necessários cerca de 2 mil litros de água para fazer uma camiseta de algodão. E se você considerar as estimativas da ONU de que dois bilhões de pessoas não terão acesso a água potável em 2050, fica bastante claro que existe um problema. Simplesmente não há desculpa para o consumo de tantos recursos na produção. O tingimento de roupas também contribui para isso, pois contamina a água. E se você não tem uma boa forma de processar isso, pode acabar contaminando a água potável.

O que seria necessário para a indústria da moda incluir a sustentabilidade na pauta?
Existem três fatores que obrigam a indústria da moda a encontrar soluções sustentáveis. O primeiro é a limitação dos recursos, como mencionei. Muitos recursos são utilizados no processo e isso prejudica muita gente. Segunda coisa, hoje há uma legislação mais restritiva com relação às condições de trabalho e uso de substâncias químicas. Uma grande variedade de exigências foi introduzida e a UE também definiu alguns projetos têxteis importantes para aumentar ainda mais a regulamentação nessa área. No mesmo sentido, a H&M anunciou uma meta de "desintoxicar" a produção, após uma grande campanha do Greenpeacepara chegar a um mundo livre de moda tóxica até 2020. Como vemos, essas regulamentações possuem um efeito bastante extenso.

E o terceiro fator é o consumidor. A maioria dos consumidores não se importa – apenas cerca de 5% a 10% consideram o fator sustentabilidade ao comprar roupas. E mesmo assim, as pessoas esperam que as marcas tenham os valores certos e se comprometam com a sustentabilidade. Essa tendência deve continuar, mas ainda falta à indústria da moda uma 'Tesla'; alguma coisa que revolucione o mercado com uma grande investida.

Conte um pouco sobre a recente evolução da visão da indústria sobre a sustentabilidade.
Após um período de "guerra fiscal", em que as empresas saíram em busca de uma produção cada vez mais barata, a indústria agora está quase em uma "guerra ao contrário", tentando criar a melhor cadeia de valor com o mínimo possível de poluição e as melhores condições de trabalho. O bom senso está cada vez mais motivando o mercado. Quando fizemos a Copenhagen Fashion Summit, o maior evento do mundo no setor de sustentabilidade na indústria da moda, vimos de perto esse desenvolvimento. Em 2012, somente algumas centenas de pessoas do setor estavam dedicadas à produção sustentável. Hoje, a CFS se transformou em um evento imenso, com a participação de diversos executivos e tomadores de decisões. Não há dúvida de que houve uma guinada na direção certa, e hoje conta com o envolvimento dos líderes da indústria.

Como podemos ter certeza de que não é só uma tendência que vai perder força daqui uma ou duas estações?
Existem muitos exemplos de empresas que se promovem com a sustentabilidade, mas não se detiveram de verdade em toda a linha de produção, e assim o conceito cai por terra. A indústria está aprendendo gradativamente que deve ser sustentável em todas as etapas do processo. Não pode ser só um artifício. Então, sim, a moda muda, mas por causa dos três motivos que citei antes, não podemos retroceder [na sustentabilidade]. A escassez de recursos, a legislação e os consumidores vão garantir a continuidade do desenvolvimento nesse sentido. Os políticos e consumidores não aceitarão uma recaída. Os consumidores antes eram diferentes, mas hoje esperam que tudo seja feito às claras.

O que nós, como consumidores, podemos fazer para incentivar uma abordagem mais sustentável na moda?
Existe uma profusão de informações que os consumidores podem seguir. Aliás, são tantas que pode ser difícil se guiar por elas. Cada vez mais coisas são acrescentadas o tempo todo, mas ainda não temos um discurso comum que trate da sustentabilidade na indústria. Nesse sentido, o Higg Index— uma ferramenta concreta que mostra a sustentabilidade em números — é uma boa iniciativa. Ele pode ser usado por todas as marcas, então é possível que se torne uma referência mais comum no futuro.