
Na semana passada, a VICE recebeu anonimamente documentos que ligam um homem da Califórnia chamado Robert Brownell (aka Robert Brown) com a pré-produção de Inocência dos Muçulmanos, um filme anti-islâmico que acabou causando a morte do embaixador americano Christian J. Stevens em Benghazi, Líbia, e que espalhou protestos violentos na região das embaixadas norte-americanas em Sana, Iêmen; no Cairo, Egito; Tripoli, no Líbia, e Doha, no Qatar. Até então, esse homem não havia sido associado ao filme.
Os documentos afirmam claramente que em 2009 e 2011, Robet Brownell adquiriu serviços de pré-produção relacionados à Desert Warrior, que foi amplamente reportado como sendo o título provisório do que hoje o mundo conhece tragicamente como Inocência dos Muçulmanos.
Os documentos também incluem o endereço de Robert Brownell em Tarzana, na Califórnia, (ou pelo menos seu endereço na época das aquisições em 2009; atualmente a casa está à venda), números de telefone e “informações de contato”, que listam ainda um outro nome – Alan Roberts.

Clique na imagem para aumentá-la Quem está acompanhando a história de perto já sabe que Alan Roberts foi listado como o diretor original do filme, juntamente com o homem que o produziu – e alguns sugerem que acabou dirigindo – o filme: Sam Bacile, também conhecido como Sam Basselley e Nakoula Bassely Nakoula.
O peoplefinders.com lista um homem de 65 anos chamado Robert Alan Brown em North Hollywood, Califórnia, como tendo os pseudônimos Roboert [sic] Brownell e Alan B. Roberts. Suas “associações de negócios” incluem Alan Roberts Entertainment. Um busca cruzada no banco de dados público Nexis parece corroborar que Robert Brownell, Robert Brown e Alan Roberts são a mesma pessoa.

Investigando mais sobre a pessoa – ou pessoas – chamada Robert Brownell, você encontrará uma variedade de contas dele em lugares como YouTube, GodTube, Jokeroo e muitos outros sites de streaming de vídeo religiosos. (Este vídeo é particularmente interessante.) Também há o divinerevelations.info, um site muito tosco que parece à primeira vista uma ode a um pastor cristão chinês de cara engraçada chamado Yong Doo Kim, mas indo mais fundo você vai perceber que o divinerevelations.info corresponde a um spiritlessons.com, e vai encontrar lá “O Testemunho de Robert Brownell”, uma conta de um cara que era obcecado por pornografia mas que eventualmente encontrou Jesus.
Depois de entrar em contato com membros que trabalharam no Desert Warrior/Inocência dos Muçulmanos, poucos concordaram em falar com a gente em off e confirmaram que o Robert Brownell responsável por postar todos os vídeos cristãos lincados acima NÃO É o Robert Brownell associado com o filme, mas confirmaram que o Robert Brownell em questão é um senhor de 50, 60 anos de cabelo grisalho e óculos.
Sendo assim, até agora, quem exatamente dirigiu esse flagelo da humanidade – e se esse filme teve ou não múltiplos diretores e produtores – continua sendo uma mistério, mas tenho um pressentimento de que isso não vai continuar assim por muito tempo.
Vejo isso assim (e para deixar bem claro, essa é só a minha teoria pessoal), isso só pode se desenrolar de duas maneiras: 1) Robert Brownell/Robert A. Brown é um cara azarado que teve sua identidade roubada pela pessoa que pagou por parte da pré-produção do filme (o que não está fora de questão, considerando que Nakoula Bassely Nakoula já foi preso por roubo de identidade, entre outras coisas), ou 2) Robert Brownell/Brown e Alan Roberts são a mesma pessoa. As múltiplas chamadas feitas e mensagens de voz deixadas para os números listados de Alan Roberts nos documentos não tiveram resposta. E, para mim, a mensagem do correio de voz dizendo: “Olá, obrigado por ligar. Não posso atender agora, mas deixe seu nome e telefone que ficarei feliz em retornar assim que possível. Obrigado por ligar e tenha um bom dia”, é dita numa voz cadenciada de homem de meia-idade. Esse é Alan Roberts? Robert Brownell? Robert Brown? Algum dia vamos saber?
Os documentos também listam uma compra feita por uma segunda (ou possivelmente terceira) parte: Jimmy Israel, que disse estar minimamente envolvido com o filme e que o roteiro era drasticamente diferente dos trechos do YouTube que foram denunciados por membros da equipe e do elenco e que provocaram indignação no Oriente Médio. As contas por onde essas informações foram obtidas estão registradas com o nome de dois usuários: Jimmy Israel – e como se já não fosse de se esperar – Adenob Basseley (cujo endereço está registrado em Hawaiian Gardens, Califórnia, o que se encaixa na história que lista essa localização aproximada de Nakoula Bassely Nakoula).
Depois de inumeráveis chamadas e e-mails não respondidos para Steve Klein, vários membros da equipe e do elenco, e pessoas completamente sem relação com o filme que por acaso tinham os mesmos nomes que pessoas associadas a ele, tentei contatar Terry Jones. Uma associada dele me disse que ele estava muito ocupado e que poderia responder só uma pergunta. Quando fiz a pergunta ela disse: “Não, nunca ouvimos falar de Robert Brownell ou Robert Brown”. Pressionei: “Tem certeza que o Terry nunca ouviu nesse nome?” Ela disse que não. Me pareceu que, se Robert Brownell teve um papel muito mais importante na produção do filme, ninguém estava sabendo.
A única outra pessoa a falar comigo oficialmente foi o modelo e membro do elenco Tim Dax (que respeitosamente se recusou a dar uma entrevista com um “:)” e “Isso já é demais.”) e, muito inesperadamente, Jimmy Israel – o único nome sem “Brown” que aparecia nos documentos vazados mencionados acima.
A julgar pela nossa conversa, Jimmy pareceu ser um bom homem. Mas se ele conhece Alan Roberts, ou se é amigo de alguém chamado Robert Brownell, ele não deixou isso escapar. (Mas se você tem qualquer informação sobre essa pessoa ou pessoas e quer compartilhá-la, mande e-mail para vice@vice.com.)
VICE: Recebi informações que sugerem que você contratou serviços de pré-produção para Desert Warrior/Inocência dos Muçulmanos.
Jimmy Israel: Não nego isso, mas só vou falar por mim mesmo e mais ninguém.
Sim.
Depois disso, a pessoa que estava no posto originalmente voltou. Trabalhei dois dias nesse emprego e foi só isso.
Qual é sua posição oficial sobre a produção? Você é creditado no filme?
Não. Quando Sam Bacile veio até mim, ele queria que eu produzisse o filme, e eu disse OK. Não sou um diretor; sou produtor. Mas eu ia fazer isso – eu queria dirigir o filme. A pessoa que originalmente me apresentou ao Sam voltou e disse que ele faria isso, então o Sam ficou com ele. Assim sendo, trabalhei só dois dias e foi isso.
Que outros filmes você produziu?
Não produzi. Tenho escrito roteiros. Já trabalhei com filmes europeus de alto nível, mas eles nunca foram produzidos. Só trabalhei em filmes de alta literatura. Isso é uma coisa que veio de fora desse campo. E logo que li o roteiro vi que era muito ruim. Não tanto pela blasfêmia de Maomé, mas como no roteiro original seu nome não era Maomé, era George.
Sim, parece que quem quer que seja o responsável pelo produto final, essa pessoa enganou a maioria do elenco e da equipe.
Sim, e quero dizer que isso não é – se você ler o roteiro todo, sabe, é velado de forma muito tênue que [o personagem principal] é Maomé. Dá para dizer que isso fala de Maomé, pelo menos para mim. Tem todas as características dele. Então foi isso que fiz, e depois fui substituído. Acho que não era certo o Sam mudar a coisa toda para incluir tortura, sangue e toda aquela merda horrível.
Como você conheceu Sam Bacile?
Conheci ele através de outro colega, o colega que depois retomou a produção.
Então você está dizendo que Sam Bacile não é absolutamente Nakoula Basseley?
Ele não é, ele não é – desculpa, como?
Sam Bacile e Nakoula Basseley não são –
Não sei, realmente não sei. Eu ouvi que Nakoula Basseley era o nome do filho dele.
Sim, mas você está dizendo que, até onde você sabe, eles não são a mesma pessoa.
Bom, ele me disse que era o filho dele.
Você conhece Robert Brownell ou Robert Brown?
Sem comentários – não é meu lugar comentar isso. Eu não conheço mais ninguém.
Até onde eu sei, o nome dele ainda não foi associado com esse filme. Eu tenho o número dele e outras informações sobre ele, mas você está dizendo que não conhece esse homem?
Não. Eu certamente não tenho comentários sobre essa pessoa. Como eu disse, só posso falar aqui por mim mesmo.
Houve alguma consequência para você com o lançamento do filme? Você recebeu ameaças de morte ou algo assim?
Não, não, não.
Como você saiu disso antes –
Eu provavelmente vou ser o primeiro a receber [ameaças] porque meu nome foi encontrado. Se você conseguiu encontrar, outras pessoas também podem… e outras agências têm me ligado. Então…
E eu sei que não está sendo muito legal, mas agradeço por você estar falando comigo.
Eu não tenho muito tempo, não sou um cara rico e preciso trabalhar. Como eu disse, trabalhei nesse projeto por dois dias. E foi isso.
Foi reportado que o diretor original, que você não vai nomear, está escondido.
Sim, está. Ele está muito assustado.
Como era de se imaginar. E o diretor original sabia que talvez Bacile tivesse motivos ocultos para o produto final?
O filme é sobre a perseguição dos cristão coptas através do Egito. É sobre isso. A referência aos tempos pré-contemporâneos onde, você sabe, George aparece, são integrados à história, a história contemporânea. E então, qual era a pergunta mesmo?
Existem alegações de que o filme foi modificado depois de pronto. Sei que você não tem conhecimento disso especificamente porque não estava –
Não, não tenho conhecimento. O que eu acho é que Sam Bacile foi para o Egito. Ele me disse que estava tentando levantar algum dinheiro. Não sei por que, mas ele pode ter mostrado as imagens e alguém no Egito pode ter dito que não daria o dinheiro mas ficou com uma cópia e modificou isso, essa é a minha aposta. Mas o Bacile fez isso? Não sei. Porque, como eu disse, o nome do personagem principal [no script original] não era Maomé, era George.
Você tem a cópia do roteiro original?
Tenho em algum lugar, mais ainda não encontrei. Comecei a receber as ligações ontem. E ainda não procurei. E joguei muita coisa fora recentemente, então não sei se joguei isso também, mas tenho minhas anotações no roteiro, que são bem intensas. É isso que eu tenho.
Você não viu o filme completo, certo?
Não vi o filme completo. Ainda não vi nada do Sam porque ele ainda me deve dinheiro. Ele deve para todo mundo do filme, acho. Ele era, ele era muito simpático. Ele não é uma pessoa má, mas é um tipo dissimulado, sabe, e o que ele –
OK, isso está muito confuso. Deixa eu te perguntar, você sabia que Sam Bacile era anti-islâmico ou extremista de alguma maneira em termos de ideologia?
Sabe, ele é só… ele se preocupava muito com o problema dos cristãos coptas. Ele era um cristão copta. Foi isso que ele me disse, e é sobre isso que a história é. Não é sobre o ódio a Maomé ou o ódio aos muçulmanos, mas se você é um cristão copta, quando você está sendo perseguido é como um judeu ter medo e odiar os nazistas. Eu mesmo sou pacifista e não odeio ninguém.
Você tem alguma orientação religiosa?
Sou principalmente budista mas fui criado como judeu.
O que você pensa sobre os rumores iniciais, de que o filme foi financiado por banqueiros ricos judeus?
Isso é ridículo. Totalmente ridículo. O próprio Sam foi quem colocou dinheiro ali, uns $90 mil, talvez $100 mil, mas você sabe, não sei exatamente, algo assim. E foi isso que foi investido no filme. É um filme horrível. Eu vi os trechos no YouTube.
Mas você não viu mesmo o filme completo?
Não, não. Nem sei se há um filme. Ele continua sendo editado pelo que eu sei.
Você tem alguma ideia de como isso acabou no YouTube? O que eu não entendo é que –
Não, não sei. Não sei. Eu só… me falaram sobre isso ontem e eu só dei uma olhada.
Uma coisa que não entendo é que você disse que há uma possibilidade de que algum extremista tenha colocado as mãos no filme quando ele estava tentando financiá-lo e o modificou? É só um palpite seu?
Essa é só, sabe, uma história, sabe, minha ficção. Eu criei isso. Não sei nada sobre isso. Ele não me disse isso. Ele só me disse que estava no Egito tentando arrecadar dinheiro. Então, quando se está tentando arrecadar dinheiro, você geralmente mostra partes do projeto e as pessoas dizem “Sim, vou te dar o que você quer.” Então eu acho que – e é só um palpite meu -- foi isso que aconteceu.