








Ilustração por Pedro Lourenço
Durante uma infância inteira, os miúdos da década de 80 foram convencidos de que não existia no mundo um lugar mais divertido que a mansão do Michael Jackson. Revistas como a
TV Guia
e a
Nova Gente
guardavam sempre um espaço para descrever uma atracção do famoso Neverland Ranch: fosse a sua montanha-russa, a piscina gigante ou a sala de cinema. Ao lado do texto, encontrávamos fotos do Macaulay Culkin, divertidíssimo na montanha-russa, ou do Corey Feldman, sorridente com uma luva de brilhantes igual à do rei da pop. E tudo aquilo, claro está, parecia um postal das melhores férias possíveis para um puto. A mansão do Michael Jackson incluiria também um grande salão de jogos com todo o tipo de máquinas — aquelas enormes colunas a que os americanos chamam
arcades
. E o que haverá de mais sedutor para um miúdo do que jogar máquinas à vontade sem ter de chatear os pais para pedir mais moedas?
A primeira sensação que nos ocorreu ao entrar na Game On, a maior exposição de videojogos do mundo, foi que tínhamos acabado de chegar à Terra Prometida — aquele tipo de paraíso que julgávamos existir apenas nas revistas e, por arrasto, na mansão do Michael Jackson ou talvez no rancho do George Lucas. A Game On instalou-se, porém, no Museu de Arte Popular de Belém, entre Março e Julho, e a sua oferta superava, em muito, as cem máquinas prontas a jogar: a partir daqui designaremos por “máquinas” tudo aquilo que tem um joystick ou um
pad
para controlar os bonecos.
O bilhete de entrada na Game On é baratinho e é o que basta para que ninguém gaste mais qualquer chapa para dar uma coça no seu melhor amigo com o Blanka do
Street Fighter
ou com ninja cabeçudo do
Virtual Fighter
. Durante aquelas horas de absoluto gozo, passámos a ser o Macaulay Culkin no rancho e ninguém volta para casa com sensações esquisitas, a menos que passe quatro horas seguidas agarrado ao psicadelismo do
Super Smash Bros
. Na verdade, e durante as três visitas da VICE ao recinto, não houve paciência para ganhar um lugar entre os muitos adeptos do
Super Smash Bros
, mas sobrou todo o tempo necessário para experimentar tudo o resto.
A primeira sala da Game On é essencialmente dedicada a máquinas retro mais ou menos situadas entre 1972 e 1992 (era dourada), com o acrescento de dois ou três artefactos pré-históricos, embora não-jogáveis. O
Pong
, o avô de todos os videojogos, estava projectado numa tela gigante e aquele duelo de duas raquetes e um quadradinho ainda continua a ser tão eficaz hoje como era há quarenta anos. Entre as pérolas-retro contavam-se também o fabuloso jogo de tiros
Berzerk
(pioneiro na utilização de vozes sintetizadas altamente
cool
) e o clássico de plataformas
Donkey Kong
, que, antes do início de cada nível, coloca a questão “how high can you get?”, como se fosse sequer necessário incentivar alguém a consumir drogas enquanto joga estas merdas. Foi também inevitável fazer umas rondas em modo cooperativo no
Metal Slug
, só que desta vez sem levar as carteiras dos pais à miséria, 50 escudos de cada vez.
Ainda na sala do retro, tivemos a oportunidade de ver o nosso amigo Leio a mostrar como se vai longe no
Xevious
, um
scrolling shooter
intemporal, que rende mais se for jogado no limite, com a nave perto do canto por onde entram os inimigos. Em baixo, está uma foto do Leio no Barreiro, a posar ao lado de todas as taças que ganhou nos campeonatos de
Xevious
.
A partir daqui, a Game On — verdadeira Meca do videojogo — abre o livro e surpreende a cada esquina com videojogos que vão do histórico ao bizarro. Assistem-se a momentos puramente competitivos até entre os melhores amigos (
Super Mario Kart
),
flashbacks
nostálgicos (alguém terá admitido que chorou na primeira vez que acabou
The Legend of Zelda: A Link to the Past
) e até momentos pedagógicos, com o passar o testemunho do
gaming
às novas gerações (“para marcares sempre triplos com o Ray Allen, pressionas o
joystick
durante um segundo e meio”).
Pronto a ser jogado numa qualquer consola esquecida, o
Fighting Street
é um objecto de alto valor curioso por ser o primeiro capítulo da série
Street Fighter
: no modo
single
player
é possível escolher entre o Ken e o Ken para viajar por quatro países diferentes ao encontro de outros lutadores pouco memoráveis. Se o segundo jogador decidir entrar no desafio, terá de escolher entre o Ryu e o Ryu para enfrentar o seu rival de sempre. Neste protótipo do jogo de luta, ambas as personagens não dispõem ainda dos famosos golpes especiais (
Hadoken
e aquele a que gosto de chamar
fight-fight-tartarugas
) e isso leva a que pareça muitas vezes que estão a fazer capoeira em vez de karaté. Deve ter sido um êxito no Brasil.
Mergulhando de cabeça na área do bizarro,
Densha de go!
, por sua vez, só pode ter mesmo sido um êxito no Japão. Em que outro país civilizado seria possível vender a ideia de um simulador de comboios? Pois é,
Densha de go!
tem por único objectivo conduzir comboios urbanos manejando um controlo especial com seis ou sete velocidades. O controlo tem também três botões, mas nós não percebemos japonês. Cada nível representa uma viagem entre duas estações e, quando estamos perto de chegar à meta, somos obrigados a abrandar devagarinho para que não apareçam desenhos dos passageiros a bater com os cornos no vidro. A Júlia fez uma viagem quase perfeita, mas houve quem mandasse pelo menos nove
yuppies
japoneses para o hospital.
Densha de go!
é tão inesquecível como a primeira gastroenterite.
Para além do
Super Smash Bros
(de longe, o mais concorrido da exposição), dois outros jogos mereciam, pelo interesse competitivo gerado, atenção redobrada na Game On. O primeiro,
Rock Band Beatles
, contava com as réplicas em plástico dos instrumentos dos Fab 4 e uma generosa
setlist
do seu repertório. A Equipa VICE, com um elevado sentido de oportunidade, conseguiu tomar conta da bateria e do microfone e assim por minutos tornar-se a dupla Lennon/Starr. Os resultados? Bom, os resultados não foram brilhantes. Uma pontuação terrível e uma
cover
da "Twist and Shout” digna das piores versões caseiras de YouTube que, caso tivesse sido filmada, teria largo potencial para se tornar viral. O segundo era
Bomberman
, clássico de Sega Saturn, com dez (!) comandos disponíveis para outros tantos jogadores, o que assegurava partidas absolutamente caóticas. Aqui, há que falar do visitante anónimo, prontamente apelidado de John McLane, que durante largos minutos se juntou à Equipa VICE numa aventura multijogador pronta a rebentar com tudo.
Com o nosso novo irmão de armas (ou de bombas) e algumas frases antológicas da saga
Die Hard
à mistura (“shoot the glass!”), passaram-se momentos capazes de envergonhar os próprios bombistas da Al-Qaeda. O frio no estômago sentido ao ser encurralado por uma bomba mal colocada e com isso ser eliminado da partida é em tudo semelhante a chegar ao carro e ver que temos uma multa da EMEL.
Fotografia por Mauro Mota