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Está cada vez mais difícil transar na Venezuela

Camisinhas e pílulas anticoncepcionais sumiram das farmácias e passaram a ser vendidos apenas no mercado negro 10 vezes mais caro que o preço normal.

Todas as fotos por @Venusina_.

Matéria original da VICE México.

"Hoje em dia eu curto bem menos transar, já que agora que não posso gozar dentro com a minha namorada. É muita pressão. Isso realmente mudou minha vida sexual", diz Francisco Araujo, um engenheiro civil venezuelano de 24 anos. "Ano passado, tive que pedir para um familiar que mora em Miami me mandar camisinhas. Elas desapareceram das lojas aqui."

Graças a uma combinação de hiperinflação, controle intenso de preços e moeda, lucros decepcionantes na venda de petróleo, um ano de péssimas decisões do governo e boicotes dos empresários, também fomos abençoados com o fato de que produtos normais ficaram extremamente escassos aqui. É preciso ficar horas ou até dias na fila para conseguir bens básicos — e isso quando eles esporadicamente chegam. Isso obviamente tem várias implicações na vida na Venezuela — uma delas é que com a falta de anticoncepcionais, os venezuelanos estão sendo muito cautelosos na hora de transar.

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"Eu usava muito o Grindr, já que é o jeito mais rápido de encontrar um parceiro sexual. Mas isso não tem acontecido tanto nos últimos anos, já que falta camisinhas. Guardei todas as camisinhas que eu tinha e só as uso quando não consigo mais me aguentar", disse Alejandro Bojorquez, 28 anos. "Tento conter meus impulsos sexuais e não penetrar. Tenho medo de pegar uma DST, então prefiro a abstinência no momento, para garantir."

Em fevereiro de 2016, a organização StopHIV recebeu relatos de falta de anticoncepcionais em vários estados da Venezuela como Amazonas, Anzoátegui, Aragua, Bolívar, Carabobo, Lara, Miranda, Monagas, Nueva Esparta, Sucre, Táchira e Grande Caracas. O que significa que quase metade da população venezuelana está tendo dificuldades para conseguir camisinhas, o que mina as medidas de prevenção tomadas pela ONG contra HIV e outras DSTs no país. Para piorar, a Venezuela já tem o maior número de infecções por AIDS por pessoa na América do Sul, e uma taxa extremamente alta de gravidez na adolescência.

Várias contas no Instagram oferecendo anticoncepcionais.

Mas se você está realmente desesperado para conseguir camisinhas ou pílulas e não pode pegar as filas eternas, você até consegue achar esses produtos. Na Venezuela temos dois preços para tudo — pneus, leite, pasta de dente, papel higiênico, pílulas anticoncepcionais, DirecTV e passagens de avião — já que a oferta nunca é suficiente para a demanda. Há o preço oficial e o preço no mercado negro. Por exemplo, se você encontrar xampu numa loja, e puder pegar uma fila de horas para comprá-lo, o preço oficial é por volta de 80 bolívares venezuelanos [cerca de R$ 28]. No mercado negro, onde você sempre encontra o que procura, um xampu vai custar por volta de 2 mil bolívares [R$ 723]. Ter o telefone de algum contrabandista sempre ajuda. Para quem não tem essa opção, é possível comprar coisas do mercado negro no Facebook, Instagram e sites como MercadoLibre — algumas contas até oferecem entrega 24 horas.

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Abaixo, listei algumas das dificuldades que o venezuelano sexualmente ativo vai encarar se quiser transar.

CAMISINHAS

Depois de um dia inteiro procurando camisinhas em 12 farmácias, voltei de mãos abanando. As três acima, emprestei de amigos que tinham algumas guardadas — essa é a única forma de proteção que eu podia pagar na Venezuela. As camisinhas custam 500 bolívares cada [R$ 180], e no mercado negro você paga dez vezes mais.

Nosso governo sempre temeu o demoníaco império consumista que é os EUA, então é meio irônico que um dos anticoncepcionais mais fáceis de conseguir na Venezuela (relativamente fácil, claro) se chama SEX USA. Me aconselharam a não cheirar essa camisinha. Realmente admiro as pessoas que conheço que já colocaram isso na boca — só de abrir a embalagem fiquei enjoado.

A camisinha à direita se chama "Momentos" e seria dinheiro mais bem gasto que a da esquerda. Não sei você, mas se vou pagar tudo isso por uma camisinha, não quero a Shakira dos anos 90 me julgando silenciosamente do pacote, empatando a foda.

CAMISINHA CHAVISTA

A Chavista também é uma camisinha, mas tem uma história especial. Ela era produzida pelo governo chinês para distribuição na Venezuela, como uma solução para a falta de camisinhas importadas. Os governos venezuelano e chinês têm muitos acordos comerciais (China é o segundo maior parceiro comercial da Venezuela), mas, pelo que sei, esse é o único anticoncepcional que a China desenvolveu especialmente para nós. A embalagem diz "Governo Bolivariano da Venezuela" e especifica que você só pode "usar uma vez", uma instrução bastante útil pra uma embalagem de camisinha.

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Novamente, não encontrei essa numa farmácia — a da foto foi emprestada por um amigo.

A PÍLULA

Pílula anticoncepcional tem uma grande procura na Venezuela, mas você não vai encontrá-la nas farmácias. O único jeito de conseguir o medicamento é através de um contrabandista. Um negócio tão sombrio quanto parece, só que a droga que você está procurando é legalizada.

Segundo Daniela Parra, uma farmacêutica venezuelana de 29 anos, "a escassez de medicamentos no país é de 70%, e isso também vale para a pílula. As mulheres chegam aqui oferecendo quantias ridículas ou implorando por pílula, mas, infelizmente, não temos nada. Geralmente aconselho a pessoa a procurar o mercado negro, onde os produtos às vezes são até mais seguros, mas os preços são de dez a 12 vezes mais altos do que você pagaria nas farmácias. Também aconselho a prestar atenção na data de validade".

"Se não consigo a pílula na farmácia, espero meu contato no MercadoLibre reabastecer o estoque, aí compro dele", disse María Betsabé, 24 anos. "Não é ideal, mas é minha única opção, e pagar dez vezes mais que o preço normal é melhor que não usar nada."

ABSORVENTES

Absorventes menstruais não são anticoncepcionais, eu sei, mas são um dos produtos de maior procura para as mulheres venezuelanas, e só estão disponíveis no mercado negro. Devido à escassez, o governo teve a brilhante ideia de realizar oficinas para ensinar as mulheres como fazer seus próprios absorventes, com tecido. Isso mesmo, em vez de melhorar as condições de exportação de bens básicos, para que mais absorventes cheguem ao país, o governo prefere que as venezuelanas fabriquem seus próprios absorventes, enquanto assistem a novela.

"Toda terça preciso entrar na fila para comprar os produtos regulados com a minha identidade. Prefiro esperar seis horas na fila do que pagar o preço do mercado negro", disse Gladys Parra, uma dona de casa de 56 anos. "Isso pouparia muito tempo, mas infelizmente, tudo nesse país é muito caro, e prefiro economizar o máximo possível."

@diagoaurdaneta

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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