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Entrevista

10 Perguntas Que Sempre Quiseste Fazer a um activista anti-touradas

A petição pública "Touradas? Sem medo, vamos a referendo" já ultrapassou o número de assinaturas exigido para dar entrada na Assembleia da República. Falámos com o seu criador.
Luís Sousa criador da petição para a abolição das touradas
Foto cortesia Luís Sousa.

“Touradas? Sem medo, vamos a referendo”. É este o título corajoso da petição criada por Luís Sousa, de 27 anos, que varreu a Internet em Portugal e, em menos de um mês, conta até ao momento da publicação deste artigo com 66.368 assinaturas - são precisas 60.000 para dar entrada na Assembleia da República. O tema deu muito que falar nas últimas semanas - e a petição ajudou a agitar ainda mais os ânimos - na sequência da decisão parlamentar de incluir a prática como espetáculo cultural, para merecer uma redução do IVA para 6%, medida que foi aprovada no dia 27 de Novembro na Assembleia da República.

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Antes de essa decisão ter sido tomada, numa carta aberta publicado no jornal Público, em resposta ao deputado socialista Manuel Alegre, que dias antes defendia a prática no mesmo órgão de comunicação, o primeiro-ministro, António Costa, confessou não ser fã da prática a nível pessoal. Ainda assim, Costa defendeu aquilo a que chamou de “atitude moderada” - a de não proibir a tradição.

A polémica, contudo, tinha começado quando no início de Novembro, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, garantiu que não iria pedir a redução do IVA para as touradas, justificando a sua posição com a frase "não é uma questão de gosto, é uma questão de civilização". Mais tarde viria mesmo a afirmar: "Todas as políticas públicas têm na sua base valores civilizacionais. E as civilizações evoluem".

A pretensão da governante, no entanto, caiu por terra, bem como em Julho tinha caído a do PAN - Pessoas, Animais e Natureza, que viu a maioria do parlamento barrar a tentativa de proposta do partido de André Silva, tanto de abolir como de proibir a transmissão das mesmas na televisão. Na mesma carta aberta no Público, António Costa disse porém que preferiria passar a decisão de acabar com as touradas para as autarquias, de forma a que cada uma tome a decisão a nível local.


Vê: "Touros nas ruas de Espanha: Defensores dos Animais vs Tradições Taurinas"


Por outro lado, há agora deputados socialistas a mostrarem intenções de avançar para um ponto de consenso, com ideias como a de adoptar o modelo usado no Canadá, em que os touros vestem um colete protector de velcro ao qual as bandarilhas se prendem, sem espetar o animal - conforme a VICE deu conta neste artigo de 2016. Contudo, também neste caso, como salientam alguns defensores dos direitos dos animais, os touros (e os cavalos) sofrem de stress e poderão mesmo ser abatidos ao fim de uns dias.

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No meio de todo este alvoroço de propostas, tentativas de propostas e cartas abertas entre políticos, o povo falou - ou melhor, assinou. As 66.368 assinaturas da petição falam por si e a coisa parece ter pernas para andar. Não se pode ignorar a quantidade de gente que, num curto espaço de tempo, assinou por baixo do texto onde se lê que, para quem é contra, as touradas chegam a ser vistas como “uma actividade de barbárie e sem lugar no Portugal do futuro”.

Há hoje, de facto, uma crescente consciencialização dos direitos dos animais, que se reflecte tanto no aumento de pessoas a seguirem regimes alimentares vegetarianos e vegans, como na integração de um partido como o PAN no Parlamento. Se há coisa que esta petição veio mostrar é que o debate existe e tem já lugar marcado no foro público. E aí, parecem ser cada vez menos as pessoas interessadas numa actividade tauromáquica.

Fomos tentar perceber quem é a pessoa no centro daquela que pode ser a via de continuação do debate ao nível político e conversámos via e-mail com Luís Sousa, o criador da petição.

VICE: Olá Luís. Sempre foste activista pelos direitos dos animais? De onde te surgiu esta vontade de tentar mudar a lei das touradas?

Luís Sousa: Desde pequeno que sou muito ligado aos animais. A minha avó dava-me pintainhos e patos para que os visse crescer e trabalhei como tratador de animais num abrigo para cães e gatos abandonados que lhes tentava arranjar uma nova casa e família. Na verdade, não quero que os meus filhos vivam num Portugal com touradas e olhem para aquele espetáculo violento com o mesmo questionar com que eu tantas vezes olhei para os livros de história. No presente de progresso e evolução, as actividades tauromáquica não têm lugar. Não é cultura nem arte, é um acto obsoleto e antiquado, que cabe nas páginas de um passado mais sangrento, no fundo da memória medieval.

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A decisão de avançar para a petição foi o resultado de anos de espera por uma evolução que nunca mais chega, por isso achei que estava na hora de a tentar apressar.

O que te fez decidir que era este o momento ideal para lançar a petição?

Algum dia tinha que ser O dia. Julgo que a abertura do governo e a chegada da nova ministra da Cultura deu o mote para um período de mudança que, mais tarde ou mais cedo, irá acontecer.

Surpreendeu-te a adesão das pessoas?

A adesão das pessoas aconteceu naturalmente. Todos os que me rodeiam pensam como eu, mas a petição chegou a muitas mais pessoas e, ao que parece, os pró-touradas são a minoria.

Qual é a tua resposta a quem diz que as touradas, por serem cultura e tradição, não deviam ser contestadas?

É uma questão que não gosto de debater, porque acho que, para haver um debate, os argumentos de cada lado devem ser verdadeiros. Não acho que aqui seja esse o caso. Sou formado e trabalho na área da cultura. Dizer que touradas são cultura é uma tentativa desesperada para que o argumento cole, porque Portugal é um país de tradições e, ao usar esta palavra, pode ser que se arrecade mais gente a favor da coisa. Mas, a tourada não é tradição, muito menos arte ou cultura.

No Canadá fazem-se touradas à portuguesa, mas sem sangue: as bandarilhas espetam-se num colete de velcro e não no animal. O deputado socialista Pedro Delgado Alves pretende apresentar uma proposta neste sentido. O que achas disto como solução?

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Acho que o Partido Socialista deu um tiro no pé. Com esta sugestão acabou por deixar transparecer a divisão que acontece dentro do partido sobre este tema. Um dos argumentos muitas vezes dado pelos aficcionados das touradas é o de que não existe sofrimento animal. Então, se supostamente o animal não sofre, para quê o colete velcro? O PS, pela mão do deputado Pedro Delgado Alves, acabou por tornar público que a tourada é, de facto, um evento em que a diversão acontece à custa de um animal em sofrimento. Imaginando que esta sugestão possa vir a ser uma realidade, não me parece suficiente, já que continuamos a ter um animal em stress, encurralado numa arena, a sentir-se sob ataque.


Vê: "A nova luta pelos direitos dos animais"


Caso haja mesmo um referendo e a abolição das touradas ganhe, achas que o "corte" poderia ser feito de um dia para o outro, ou que teria de haver um momento de transição?

Julgo que nenhuma decisão deste tipo poderá acontecer do dia para a noite. Embora seja contra as touradas, tenho noção de que há muito dinheiro envolvido. Porém, algum dia terá de ser ‘o tal’ – o dia em que Portugal põe para trás das costas esta actividade, como acho que um país evoluído deve fazer. No momento curto de transição, aí sim e apenas, a tourada com velcro poderá ser um mal menor.

Há muitas pessoas que vivem desta indústria. Qual te parece ser a solução para esse problema, num possível cenário de abolição?

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Sei que há muita gente a depender das actividades tauromáquicas. É uma indústria que, embora em decadência, ainda existe. Contudo, se os aficcionados consideram esta uma actividade cultural ou tradicional, ponham-na num museu e, aí sim, sintam na pele como é viver da arte em Portugal.

António Costa disse preferir “conceder a cada município a liberdade de permitir ou não a realização de touradas no seu território à sua pura e simples proibição legal”. O que achas disso?

Acho que isso é, como se costuma dizer, "fugir com o rabo à seringa". Este tipo de actividades que dividem a sociedade portuguesa não pode ficar dependente do poder local.

Foi a primeira vez que criaste uma petição?

Já me perguntaram, em tom ameaçador, qual o partido ou grupo parlamentar a que pertenço, qual a associação… mas não faço parte de nenhum grupo. Fui militante do Partido Socialista durante cerca de dois meses, mas nunca cheguei a pagar as quotas e acabei por me desvincular numa carta aberta, no momento em que conheci a opinião de alguns elementos do PS sobre as touradas. Decidi, pura e simplesmente, do alto dos meus 27 anos, lançar a minha primeira e única petição.

Ponderas levar a cabo mais iniciativas deste género?

De momento não penso em qualquer outro tipo de iniciativas. Reconheço que existem muitas áreas em que acho que poderíamos melhorar, como a cultura ou o sistema educacional, porém não me parece que me venha a assumir estas causas através de activismo online ou individual. Prefiro ficar-me por questões tão óbvias como a necessidade de terminar com as actividades tauromáquicas.


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