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Um papo com os criadores do card game que enfureceu a mais famosa balada do mundo

Em 'Berghain ze game' você é um leão-de-chácara e tem que aplicar a restritiva política de entrada da berlinense Berghain. Mas a ideia deixou os alemães pistolaços.

Este artigo foi publicado originalmente na VICE Suécia e traduzido do inglês.

No ano passado, o designer de games sueco Alexander Kandiloros e seus colegas Joakim Bergkvist e André Forsblom decidiram criar um card game inspirado pela notória prática restritiva na portaria da Berghain de Berlim.

A Berghain pode ser considerada a mais famosa boate do mundo — não só por conta de suas amplas e cavernosas salas, bem como o clube fetichista do porão, mas também pela dificuldade que é entrar ali. Toda semana, centenas de amantes de techno relativamente bem vestidos passam horas na fila, só pra receberem um não dos leões-de-chácara do local. Para muitos, entrar já é um evento por si só — dá pra encontrar incontáveis guias e tutoriais na internet, e existe até mesmo um app que dá dicas de como se vestir e se portar pra garantir acesso ao lendário templo do techno.

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Kandiloros, de Gotemburgo, na Suécia, cria e distribui jogos de tabuleiro desde 2011. No começo de 2017, ele e seus colegas lançaram uma campanha no Kickstarter pra levantar a grana necessária para a distribuição de Berghain ze game um card game em que você assume o papel de leão-de-chácara do Berghain, cujo objetivo é deixar apenas as pessoas certas entrarem na boate.

Porém, dias antes da finalização da campanha, Kandiloros começou a receber ligações de advogados do Berghain, exigindo que a produção do jogo encerrasse ali mesmo. Sendo assim, Kandiloros rebatizou o jogo como "Bergnein", torcendo que isso fosse o bastante para acalmar a fúria da equipe notoriamente intimidante da casa noturna. Não deu certo.

Bati um papo com Kandiloros para saber como foi enfurecer a mais lendária boate do mundo e também para entender porque ele não abre mão do jogo.

VICE: Olá, Alexander. Como se joga Bergnein?

Alexander Kandiloros: Jogadores encarnam leões-de-chácara em turnos alternados. Cada um recebe cartas com diferentes tipos de frequentadores e é seu dever negar ou permitir a entrada destes. Quanto mais alto o status de um possível frequentador, maior sua pontuação ao deixá-lo entrar. Os personagens vão desde hipsters a blogueiros, turistas e gente esnobe. Com a ajuda de cartas de ação, os jogadores podem manipular a fila para entrada de forma vantajosa para si ou desvantajosa para os outros. O jogo acaba quando a fila chega ao fim, e quem tiver deixado mais clientes de valor entrar, vence.

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Alexander Kandiloros

Como surgiu a ideia?

Certo dia, Joakim, Andre e eu estávamos brincando sobre fazer um pôster com todo tipo de gente que frequenta baladas. A ideia meio que surgiu daí, junto de nosso amor pelo techno e a coisa foi tomando forma.

Me fala de quando os advogados do Berghain entraram em contato com você pela primeira vez.

Me ligaram pra saber por que não havia pedido permissão para criar o jogo. Respondi que em partes foi porque acreditávamos não precisar da permissão e porque a ideia nos assustava um pouco. O cara com quem falei soltou uma risada e comentou que no final das contas, apesar da reputação, eles são trabalhadores comuns também.

O advogado me disse então que o nome 'Berghain' é registrado na Alemanha. Quando disse que nós tínhamos o registro para um card game na Suécia, ele ficou meio sem reação e disse que voltaria a entrar em contato comigo caso fosse necessário. Dez dias depois não recebemos contato algum, então lançamos nossa campanha do Kickstarter com a meta de levantar 7 mil libras. O jogo em si não é lá recomendado pra toda a família, então sabíamos que seria complicado tentar vendê-lo diretamente às lojas para as quais normalmente vendemos nossos jogos. Queríamos ter alguma segurança vinda dos consumidores antes de lançarmos o jogo de fato.

O que aconteceu após o lançamento da campanha no Kickstarter?

Conseguimos levantar boa parte da grana, mas com alguns dias de campanha ainda no ar, ela acabou sendo pausada porque os advogados do Berghain acabaram enviando uma reclamação ao Kickstarter. A reclamação deu certo — a campanha foi cancelada, perdemos a grana e a produção foi atrasada em sete meses.

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Qual foi a queixa deles, exatamente?

Bom, a argumentação foi absurda em minha opinião. Por exemplo, disseram que não poderíamos desenhar frequentadores do local sem permissão, e o prédio — que estava na caixa do jogo — está protegido por lei e não pode ser ilustrado de forma alguma. Assim sendo, mudamos o nome do jogo de Berghain ze game — que era bem preguiçoso, convenhamos — para Bergnein. Mas não foi o bastante.

O leão-de-chácara chefe de lá entrou em contato conosco por meio de um escritório de advocacia sueco, exigindo que nós os pagássemos. A boate derrubou nossa página do Facebook e deu início a ações legais contra nós na Alemanha, de forma a garantir que não comercializássemos o jogo na internet. Há um quê de lisonjeiro na dor-de-cabeça que eles estão tendo por conta de nosso card game bobo, mas mais que tudo, este é um processo cansativo, tanto mental quanto financeiramente.

As cartas do game representam frequentadores de casas noturnas bem estereotipados.

E pelo jeito vocês não vão desistir.

Não mesmo. Depois que o Kickstarter derrubou nossa campanha, passamos a aceitar pedidos de pré-compra direto de nossos clientes. No começo de outubro, enviamos o jogo pra gente em mais de 30 países.

Como o processo ainda está rolando, não temos como saber o que vai acontecer. Seria maravilhoso, se, no mínimo, não perdêssemos grana. Levando em conta os custos legais todos, ficar no zero a zero seria incrível.

De onde vem a certeza de estar no lado certo da lei nessa situação?

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Não só sou formado em direito como tenho mestrado em lei de propriedade intelectual, então dá pra dizer que conheço um pouco do assunto. Por mais que tenha noção de que estamos perto de uma área cinza, tenho bastante confiança de que a lei está ao nosso lado.

Você afirma que é um jogo bobo, então por que tanta determinação em lançá-lo?

Sou desses. Preciso encerrar o que quer que seja que estou fazendo para poder seguir em frente. Quando me dedico a algo, essa coisa fica à frente de tudo — se tem algo pela metade, não relaxo.

Entramos em contato com o Berghain para ouvir seu lado da história, mas não obtivemos resposta.

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