Festival Maloca Dragão em Fortaleza reúne jovens de todos os tipos
Foto por Tarcísio Feijó.

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Festival Maloca Dragão em Fortaleza reúne jovens de todos os tipos

Com atrações locais do Ceará em 80% da sua programação, o evento é um grande ponto de curtição na cidade.

Durante os dias 24 a 30 de abril, a cidade de Fortaleza abrigou o festival Maloca Dragão, um dos maiores eventos culturais da América Latina, com todas as suas atrações gratuitas. A quinta edição do evento contou com apresentações artísticas de todos os jeitos e um público diversificado.

Desde a sua criação em 2014, o festival acontece no Centro Cultural Dragão do Mar (CCDM), em um espaço de 30 mil m² próximo à Praia de Iracema, que nesta edição contou com uma audiência de 40 mil pessoas.

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No entanto, o evento é uma pequena parte do que é o Instituto Dragão do Mar, uma organização social criada pelo jornalista e sociólogo Paulo Linhares, que ocupou o cargo de secretário da Cultura do Estado do Ceará durante o governo Ciro Gomes e de seu sucessor, Cid Gomes. O espaço foi concluído em 1999, e opera como uma organização social — basicamente uma associação privada sem fins lucrativos que presta serviços de interesse público sob subvenção do estado.

Nos 19 anos de existência, o Instituto Dragão do Mar conta com um espaço diversificado para todos os interesses, abrigando desde o Museu de Arte Contemporânea Cearense a um planetário, e também gerencia escolas públicas e projetos educacionais voltados pro jovem cearense.

Linhares, que também é presidente do Instituto Dragão do Mar desde 2012, acredita que é da responsabilidade do estado promover o acesso à cultura pra população. Ainda mais no estado do Ceará, cuja economia é focada especialmente em serviços e 4% da população é empregada no setor cultural, uma proporção enorme em comparação a outros estados. “Fortaleza é uma cidade colonial que se constrói com o boom do algodão e depois como uma cidade de serviços, [responsável por] quase 80% da nossa economia”, disse no evento de abertura do festival.

Todo mundo se espremeu para curtir reggae e dançar a dois no show do Radiola Sound System no palco Oca Maloca. Foto: Tarcísio Feijó/VICE.

Fortaleza é uma cidade tensa. Não só pela recente treta entre facções criminosas que tem pautado o clima das periferias, mas também pelo abismo visível de desigualdade de renda entre seus cidadãos. Nessa tensão, se encontra o Maloca Dragão, cuja proposta é possibilitar o encontro de todas as tribos num lugar só.

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“Maloca é uma palavra indígena para definir um lugar, um ponto de encontro de misturas de raças e da própria liberdade”, explica Linhares. Um dos maiores incentivos do instituto e, consequentemente do festival, é o foco na juventude cearense — grande parte de classe C e D morando em favelas e periferias.

O Maloca é o maior festival cultural da América Latina, com todas as suas atrações gratuitas concentradas no Centro Cultural Dragão do Mar, de apresentações musicais a exposições de fotografia. A programação reflete o desejo de exaltar a cultura local: das mais de 150 atrações, mais da metade eram de artistas cearenses. “É um momento importante de conhecer a arte cearense e também parte de um desejo nosso de se relacionar internacionalmente”, explica João Wilson Damasceno, diretor de ação cultural do Dragão do Mar.

Durante os quatro dias que circulei pelo festival, vi diversas atrações e entendi que a promessa de unir as tribos realmente se confirma — não foi só o Norvana que conseguiu esse feito. No Maloca Dragão cola desde o jovem de periferia de bermuda Cyclone, corrente no pescoço e Kenner no pé, até ao almofadinha de camisa polo suando por todos os poros no calor cearense.

Público concentrado na Praça Verde. Foto: Tarcísio Feijó/VICE.

Até atrações de fora do estado, como Gilberto Gil, Francisco El Hombre e Rincon Sapiência, tiveram que competir com outros artistas locais, como a banda de rock Selvagens à Procura da Lei e os ótimos lambadeiros do Lagosta Bronzeada, cuja apresentação registrou recorde de público durante o festival.

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A surpresa bateu mesmo quando os Selvagens entraram no palco Draga Dragão com mais de 4 mil pessoas gritando pelos roqueiros. Eram jovens emos, metaleiros e até os mais chegados ao trap na plateia bebendo as indefectíveis garrafas de vinho químico geladas ou se alternando em matar catuabas sabor piña colada. Os que não gritavam e se descabelavam pelo show, curtiam com os amigos e trocavam olhares com as paqueras.

Lagosta Bronzeada foi uma das maiores atrações do festival ao lado de Gilberto Gil, Gero Camilo e Francisco, El Hombre. Foto: Divulgação/Maloca Dragão.

“Acho o festival massa. Eu sempre tento frequentar, porque é tudo gratuito e tem muitas bandas diferentes que você não conhece, como o Rincon Sapiência”, conta a jovem Raissa Magalhães. “Mas precisar melhorar na segurança. Ano passado pesou muito nessa questão de furtos, vários amigos meus ficaram sem celular.”

“Essa questão é meio difícil”, interrompe Liana Machado de 24 anos, que acompanhava a entrevista da amiga. “Vimos hoje a polícia revistando uma galera que você vê que estavam lá pelo estereótipo por causa da roupa, da cor da pele ou do tipo de cabelo. Acho que além da segurança, vem a questão da educação. Por que está todo mundo aqui desesperado querendo sobreviver.”

Daniel Weyne, de 20 anos, também aponta pra questão da segurança no festival, porém frisa que é um problema geral de Fortaleza e que o evento tem suas vantagens. “O Maloca vai movimentar dinheiro, dar uma fonte de renda pras pessoas que moram na região. Porém tem essa questão de descriminação. Nunca aconteceu nada comigo porque eu sou branco.”

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Show do rapper Padero MC e convidados locais agitou os fãs de hip-hop do festival antes da apresentação de Rincon Sapiência. Foto: Tarcísio Feijó/VICE.

Fortaleza, embora ser uma cidade jovem, ainda é letal para essa população. No primeiro semestre de 2017, a taxa de homicídios de jovens na faixa dos 10 aos 19 anos aumentou em 71% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Apesar disso, o encontro funcionava: todas as classes sociais, idades e gerações juntas em um local situado na parte nobre de cidade. “Fortaleza tem essa liberdade forçada. Não importa o que aconteça, a situação ou o clima a molecada daqui vai se divertir. Custe o que custar”, me descreveu o rapper cearense Carlos Gallo enquanto assistíamos a discotecagem de reggae do Radiola Sound System em um palco menor.

Conscientemente, o tema de 2018 foi os 50 anos de maio de 1968, data que marcou uma onda de protestos estudantis e greves trabalhistas na França. O evento não grita “Fora Temer”, mas carrega consigo uma carga política notável. Não só pelo governo do estado ser do Partido dos Trabalhadores – muito embora a própria população lamentar que a candidatura de Camilo Santana tenha sido apadrinhada pelo seu antecessor, Cid Gomes — mas também pelas atrações e pelos cartazes e pichações que estampam perguntas sobre a autoria do assassinato de Marielle Franco e resgatavam algumas memórias da ditadura militar.

Gero Camilo. Foto: Divulgação/Maloca Dragão.

O ator, cantor, compositor e dramaturgo Gero Camilo enxerga um momento de efervescência na comunidade artística cearense valorizada pelo Maloca Dragão. “Além do fenômeno de ver tanta gente nova chegando com um som muito legal, tem um contexto social pedindo isso. Não dá pra viver num país tão desigual como o nosso e a arte não dar voz a esse grito. A música cearense tá passando por esse processo de exposição”, diz. Gero foi também uma das atrações principais do festival, onde homenageou outro conterrâneo, Belchior.

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O artista também acredita que o festival é uma forma de colocar a cultura cearense do mapa, para ser reconhecida além do Nordeste e desafiar o eixo cultural do Sudeste do país. “O festival dá essa visibilidade e suporte aos artistas”, conta Camilo, que também apresentará o Porto Dragão Sessions, um programa de televisão idealizado pelo Dragão do Mar para vender os artistas cearenses.

Karine Carvalho. Foto: Tarcísio Feijó/VICE.

“O Maloca não é só interessante para a cena local, mas também como uma forma de reverberar toda a arte cearense numa dimensão nacional”, diz Karine Carvalho, conhecida como Galega e que dividirá a apresentação do Porto Dragão Sessions com Camilo. “Eu mesma sou uma artista daqui e fui embora muito antes de existir o Dragão do Mar na cidade, porque nessa época o artista não tinha como sobreviver aqui. Hoje com o suporte do festival, ele pode permanecer na cidade como artista.”

Coro MC, da Barra do Ceará, se apresentou no show do Padero Mc ao lado de Nego Gallo e Frieza MC. Foto: Tarcísio Feijó/VICE.

Representando o rap de Fortaleza, o Padero MC fez uma apresentação animada para um público pequeno (porém fã) com participações de rappers da Costa Oeste da cidade, como Nego Gallo, Coro MC e Frieza MC. Padero foi bastante mencionado nos backstages do festival justamente por fretar ônibus para trazer pessoas de seu bairro para assistir o seu show.

“Essa é a primeira vez que faço show solo”, conta Padero, logo antes de entrar no palco Draga Dragão no dia 28 de abril. “Tive uma participação em 2016 com o coletivo Maloqueira e 2017 subi ao palco com o meu parceiro Carlos Gallo. Eu acho tão importante o festival em si, como acho importante as portas que se abrem para nós. Sempre briguei nas redes sociais por causa de deixarem os locais de lado e eu vejo que esse evento está abrindo as portas para todo mundo e isso é de suma importância”.

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