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Parem de reclamar da nova protagonista de 'Doctor Who'

Antes de se dedicar a atacar a atriz, por que não deixar que ela mostre seu trabalho?

Esta matéria foi originalmente publicada no Waypoint.

Existe um clichê na mídia que torna a vida de mulheres no entretenimento muito mais difícil, e é mais ou menos assim que acontece.

Uma mulher recebe uma tarefa difícil de cumprir e um homem qualquer fala, "Você não pode fazer isso! Você é um mulher". "Mulher" nesse caso é usado como sinônimo de "ser humano frágil" ou "filhote com apenas três patas que também não recebeu o treinamento necessário para essa função". Mas de repente – graças aos deuses! – a mulher prova o oposto, fazendo um trabalho duas vezes mais espetacular que um homem poderia imaginar, ao mesmo tempo que lida com trolls de internet e apaga o fogo de uma casa com uma mão.

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Essa é uma ótima maneira de mostrar como as mulheres são capazes e como homens que não acreditam nisso são idiotas, mas também perpetua um estereótipo perigoso: as mulheres tem que fazer algo muito além do esperado para valer a pena.

A nova Doctor, a 13ª pessoa a representar o papel, é a Jodie Whittaker e ela agora deve encarar no futuro próximo o mesmo tipo de tratamento na sua vida profissional (o que inevitavelmente deve afetar a sua vida pessoal). Já existem babacas que nem mesmo viram o trabalho dela e estão dizendo nas redes sociais que "têm dúvidas" sobre a sua atuação. Em breve, devem argumentar que ela precisa, no mínimo, ser melhor do que todos os outros para receber elogios. Críticos irão demonstrar surpresa que a atuação dela é boa. Ela terá que andar em uma corda bamba de qualidades que vão desde beleza e sensualidade, a expressões faciais e simpatia, enquanto é obrigada a evitar maneirismos irritantes ou – valha-me deus – que se vista mal (ignorando, claro, que o personagem de Matt Smith podia ter essas duas características excêntricas sem ser criticado).

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Mas agora, a nova Doctor terá que enfrentar o seu maior inimigo até agora: os roteiristas de Doctor Who.

Não quero vê-la na TV tendo que arranjar um tempo enquanto luta contra alienígenas e salva o mundo para ter que provar que ela é capaz para personagens coadjuvantes que não deveriam nem questionar essa ideia. Imagine essa nova Doctor, viajando pelo universo na sua TARDIS como uma mulher obcecada, falando sobre campos eletromagnéticos e um barato muito doido sobre viagens no tempo, quando o seu companheiro interrompe: "Mas você sabe dirigir isso aqui de verdade?".

As mulheres sempre têm que explicar por que elas são qualificadas para fazer alguma coisa em vez de, sabe, só ir lá e fazer essa coisa. É só olhar pros comentários feitos sobre a opinião de qualquer mulher no Twitter, em sites, ou até em sessões de pergunta-e-resposta em palestras, e você deve notar a mesma voz maldita sussurrando essas palavras: "Você não pode fazer isso! Você é uma mulher".

Deixe a Doctor fazer o seu trabalho! Deixe que a gente possa fazer o nosso trabalho. A gente sabe o que está fazendo.

Falando nisso, é muito empolgante que finalmente uma mulher é protagonista de Doctor Who, mas também é notável que a atriz em questão teve um papel de destaque na série Broadchurch, em que ela fazia uma personagem que era descrita como "uma rosa inglesa". Apesar de Whittaker ser uma ótima escolha pra Doctor, é difícil não notar a visão étnica e racial limitada que define as qualidades britânicas dessa personagem – ainda mais que a TV britânica está cheia de exemplos de atrizes incríveis que não são brancas.

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