Por que usar DMT pode parecer com uma experiência de quase morte?

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Drogas

Por que usar DMT pode parecer com uma experiência de quase morte?

Em estudo inédito, pesquisadores deram a substância a 13 pessoas para investigar as semelhanças entre sensações de morte e os efeitos da droga.

A primeira vez que experimentei DMT na vida, eu estava no meio do mato, a alguns dias de barco de Iquitos, no Peru. Quando meu guia soube que havia um xamã morando próximo à vila onde passaríamos a noite, fizemos um desvio esperto e, quando vi, lá estava eu bebericando um troço horroroso direto do casco de uma tartaruga. Ao passo em que anoitecia e o xamã chacoalhava seu chakapa – um chocalho feito de folhas secas – enquanto recitava cantos curativos conhecidos como icaros, comecei a sentir os efeitos da ayahuasca, alucinógeno feito com base em plantas amazônicas.

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A primeira coisa que percebi é que minha visão foi obscurecida por fractais semelhantes a grafismos kené. Pouco depois, senti como se saísse do meu corpo, ascendendo rumo a um vazio infinito atemporal, então entendi que esta jornada era o processo de morrer e este purgatório alucinatório era o pós-vida. Contrariando expectativas, o que senti mesmo foi uma paz profunda durante este encontro com a morte.

Experiências de quase morte são um fenômeno bastante complicado de ser definido em termos clínicos rigorosos considerando sua natureza puramente subjetiva.

Independentemente disso, tais experiências tendem a compartilhar diversos elementos em comum, tais como uma sensação de paz interior, sentir como se estivesse passando por um túnel, experiências extracorpóreas e encontros com seres conscientes. Como descobri em primeira mão, tais sensações são muito parecidas com o que alguém vive sob efeito da dimetiltriptamina (DMT), o principal composto psicoativo da ayahuasca.

Para melhor entender a ligação entre esta droga psicodélica e experiências de quase morte, pesquisadores do Imperial College de Londres, na Inglaterra, deram DMT a treze voluntários em um estudo controlado com placebo. Diferentemente da ayahuasca, que conta com diversos compostos psicoativos e cujo efeito dura por horas, o DMT pura age rapidamente e dura apenas alguns minutos.

O objetivo dos pesquisadores era “medir diretamente a extensão com que o DMT administrado via intravenosa em voluntários saudáveis em ambiente controlado poderia induzir experiências de quase morte com base em padrão da área”. Os resultados deste estudo, inédito até então, foram publicados esta semana no periódico Frontiers in Psychology. Como descoberto pelos pesquisadores, o DMT parece induzir experiências semelhantes às de quase morte, mas a intensidade destas acaba dependendo muito de contexto.

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A amostragem do estudo era relativamente pequena: seis mulheres e sete homens, com média de idade nos 34 anos, todos com alguma experiência prévia com drogas psicodélicas tais como LSD, cogumelos ou DMT. Cada voluntário foi ao laboratório duas vezes – para tomarem DMT e depois para receberem um placebo, mas sem saber exatamente o que estariam tomando a cada vez.

Cristais de DMT. Créditos: Psychonaught/Wikimedia Commons

A dose de DMT administrada aos participantes via intravenosa variava de sete a 20 miligramas. Durante o estudo, os participantes ficavam em um quarto suavemente iluminado, ouvindo música relaxante enquanto um eletroencefalograma monitorava sua atividade cerebral. De acordo com os pesquisadores, os participantes sentiam os efeitos do DMT em cerca de 30 segundos após a injeção, atingindo picos cerca de dois a três minutos depois, com efeitos residuais mínimos 20 minutos após a injeção.

De forma a mensurarem a experiência de cada paciente, os pesquisadores utilizaram uma escala desenvolvida no começo dos anos 80 pelo psiquiatra Bruce Greyson, dada aos participantes assim que os efeitos da DMT passassem. Era pedido aos participantes ainda que medissem suas experiências com base no Inventário de Dissolução do Ego e questionário de experiências místicas, duas pesquisas psicológicas desenvolvidas nos últimos anos de forma a quantificarem os efeitos subjetivos de substâncias psicodélicas.

As respostas dos participantes foram então comparadas com respostas de outro grupo pesquisado que tinha passado por experiências de quase morte reais, indicando que “todos os 13 participantes obtiveram pontuação acima do mínimo em termos de experiências de quase morte em relação à sua experiência com DMT”, como consta no relatório. Ou seja, “tais resultados revelam grande semelhança entre a fenomenologia das experiências de quase morte e experiências induzidas pelo psicodélico serotonérgico clássico conhecido como DMT”.

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Os pesquisadores também descobriram que aqueles com tendência ao “pensamento delirante” no cotidiano também tiveram experiências de quase morte mais vívidas sob o efeito de DMT. Sua tendência ao delírio foi medida com base no Inventário Peters de Delírio, que pede para que os participantes avaliem sua crença em temas como telepatia, bruxaria, vudu e fenômenos paranormais semelhantes. A razão para tanto, de acordo com os autores do estudo, é que pessoas mais inclinadas ao pensamento delirante são “mais empáticas ao endossar fenômenos como experiências de quase morte tendo em vista suas crenças preexistentes” ou mesmo como “prova” da validade destas crenças.

Rick Strassman, psiquiatra da Universidade do Novo México (não envolvido neste estudo), foi o primeiro químico nos EUA a conduzir experimentos legais com DMT no começo dos anos 90 após uma moratória que durou uma década. Ao longo de sua pesquisa, Strassman deu DMT para mais de 50 voluntários, mas disse-me via e-mail que “uma experiência de quase morte clássica era raridade”.

"Penso que ao passo em que a consciência ‘abandona’ o corpo, o DMT pode mediar este processo, refletindo o que as pessoas sentem ao morrer."

De acordo com Strassman, um de seus voluntários teve “aquilo que pode ser considerada uma experiência de quase morte clássica”, mas este voluntário já chegou com um interesse enorme no tema e esperava viver algo parecido sob efeito de DMT. Outro participante, descrito por Strassman como “um xamã urbano mexicano”, também viveu algo semelhante sob o efeito de DMT, mas de acordo com o pesquisador, o que ele sentiu foi mais como uma “um desmembramento, morte, reconstituição e renascimento xamânicos”.

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“Caso tivéssemos trabalhado com estas escalas que medem experiências de quase morte após administrar a droga, provavelmente teríamos mais resultados”, comentou Strassman. “Em minha pesquisa, acabamos por determinar semelhanças com experiências de quase morte reais com base nos relatos de voluntários."

Então, por mais que o uso de DMT aparentemente seja capaz de induzir sensações semelhantes ao de uma experiência de quase morte, os autores deixam claro que a intensidade dessas experiências depende muito de contexto e da disposição psicológica do indivíduo, algo que Strassman mesmo já havia percebido. Para melhor compreender a relação entre DMT e experiências de quase morte, porém, os autores argumentam que é necessária uma “neurobiologia da morte” aprimorada.

Strassman sugeriu que a relação entre DMT e experiências de quase morte pode ser explicada a nível biológico. A substância é produzida em pequenas quantidades pelo corpo humano, tendo eficácia comprovada na redução de danos neuronais causados por hipóxia. Sendo assim, Strassman declarou que “seria possível criar um cenário coerente em que índices de DMT endógenos crescem em resposta à paradas cardíacas/hipóxia de forma a proteger o cérebro pelo maior tempo possível”.

“O motivo pelo qual uma substância psicodélica é convocada e não um opioide endógeno ou endorfina que simplesmente fariam a pessoa apagar é uma dúvida e tanto”, comentou Strassman. “Penso que ao passo em que a consciência ‘abandona’ o corpo, o DMT pode mediar este processo, refletindo o que as pessoas sentem ao morrer. O que vem depois, bem, ninguém faz ideia.”

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