O parkour ajuda-me a aliviar as saudades de casa
Todas as fotos por Daniel Hjorth

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Novos Vizinhos

O parkour ajuda-me a aliviar as saudades de casa

"Se eu fugi de uma guerra e viajei sozinho do Cairo para Copenhaga com 16 anos... também posso aguentar algumas contusões".
PS
Traduzido por Pedro Sacramento
Lars Jellestad
Como contado a Lars Jellestad

Este artigo faz parte da nossa série Novos Vizinhos, em que jovens refugiados de toda a Europa são editores convidados da VICE.com. Lê a Carta da Editora aqui.


Talal Akkasheh, de 19 anos, fugiu da Síria para o Egipto com a sua família. Pouco depois de completar 16 anos, deixou os pais e a irmã mais nova no Cairo e foi para Copenhaga, onde agora vive, por sua conta, num apartamento.

A Dinamarca é um bom país, porque oferece muitas oportunidades. A minha família nunca iria mudar-se para cá e, por outro lado, eu não me vejo a viver na Síria outra vez. O meu sonho é ser médico, como o meu tio, e quero realizá-lo aqui, por minha conta. Trabalho no duro como empregado de mesa, tenho um salário, ando no 11º ano e tenho aulas intensivas de dinamarquês. Mas, o que me deixa mesmo feliz é andar por aí a fazer parkour.

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O parkour ajuda-me a esquecer coisas que, de outra forma, não seria capaz de esquecer. Permite que me concentre e dá–me um espaço para me evadir de tudo. Toda a minha vida gira em torno do meu estatuto de refugiado. As aulas de dinamarquês, as conversas com a minha família no Skype, que é quando vejo a minha irmãzinha – que cresceu tanto que quase já não a reconheço – tudo me faz lembrar que estou longe de casa, que a minha terra foi reduzida a escombros por bombas, que vivo num país estrangeiro e que não tenho ideia do que me reserva o futuro.

Esses pensamentos evaporam-se assim que começo a fazer parkour. Se calhar é por isso que sou tão bom nisto, acho eu. Para mim é um exercício terapêutico.

Treino todos os dias durante três horas no Game Copenhague, um centro de desportos urbanos. Praticar parkour é como subir uma escada: primeiro sobes um degrau, quando já estás lá em cima sobes para o degrau seguinte e assim sucessivamente. Primeiro que tudo, é importante aprender a saltar e a aterrar bem, depois então é que te pões com cambalhotas e mortais. E aí é quando a diversão começa. E eu estou exactamente nessa fase.

Para fazeres parkour tens que perder o medo e praticar que nem uma besta. Vais magoar-te constantemente e, mais cedo ou mais tarde, vais partir um braço ou uma perna. A mim ainda não me aconteceu, mas a minha namorada está-me sempre a dizer para ter cuidado. Ela chama-se Emma; conhecemo-nos na escola e estamos juntos há oito meses.

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A minha família acompanha o meu progresso através de uma página que criei no Facebook, onde carrego um monte de vídeos. Os meus pais não se importam muito que eu me magoe, porque sabem que tudo vai ficar bem. Se eu fugi de uma guerra e viajei sozinho do Cairo para Copenhaga com 16 anos… também posso aguentar algumas contusões.

Eu sabia que ia ser bom nisto, mesmo antes de começar. Em Damasco via muitos vídeos no YouTube e sempre me perguntei se seria assim tão difícil. Como sou muito atlético e sei saltar e cair bem, pensava sempre que também podia fazer parkour. Eu sei que, aqui na Dinamarca, não fica muito bem estar a dizer que és bom nisto ou naquilo, mas a verdade é que sou melhor do que muitas pessoas que treinam o dobro do tempo que eu treino.

Pratico com amigos e com um instrutor, que me ajuda com a técnica, mas principalmente sozinho. Prefiro assim. Quando treino, venho com um objectivo em mente e não volto para casa enquanto não o atingir.

Gosto mais de parkour do que de basquete, ou de skate, porque me faz sentir especial. Não falo dinamarquês tão bem como os outros tipos que conheço, nem tenho tanto dinheiro, porque tenho que enviar uma parte do que ganho por mês para a minha família, mas ninguém me pode tirar o talento. Não preciso de falar um dinamarquês perfeito, nem ter o modelo mais recente do iPhone para ganhar o respeito das pessoas. Disso eu tenho a certeza, acredita.


Assina aqui a petição do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que urge os governos a assegurarem um futuro em segurança para todos os refugiados.

Podes apoiar a organização Refugees Welcome aqui.