Estes três pintores estão a confrontar a xenofobia numa Europa em convulsão
Kehinde Wiley,  Fishermen Upon a Lee-shore, in Squally Weather (Zakary Antoine), 2017.

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Estes três pintores estão a confrontar a xenofobia numa Europa em convulsão

Em Londres, três novas exposições de artistas de origem africana pretendem confrontar o preocupante extremismo que parece estar em ascensão no continente europeu.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Garage.

Em Junho de 2016, os britânicos votaram favoravelmente a saída do Reino Unido da União Europeia, naquela que foi uma decisão altamente divisória e controvérsia, que colocou em movimento uma série de negociações políticas nunca antes vistas, complexas e incertas. As inúmeras análises feitas desde então sobre o Brexit apontam uma variedade de razões para a decisão dos eleitores, tais como o desencanto geral da classe trabalhadora britânica em relação à globalização e os efeitos da relocalização industrial, por exemplo. Ficou também bastante claro, a posição generalizada anti-imigração. No mês que se seguiu à votação registou-se um aumento de 41 por cento nos crimes relacionados com ódio racial.

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Noutras partes da Europa têm ocorrido histórias semelhantes. A 11 de Novembro último, por exemplo, uma multidão de 60 mil pessoas marchou em Varsóvia para celebrar o Dia da Independência da Polónia, um evento anual que se tornou um ponto de encontro para membros da extrema-direita oriundos de vários países europeus. Cartazes onde se podiam ler coisas como "Europa Branca das Nações Irmãs", ou "Europa Branca ou Inabitada" foram empunhados orgulhosamente pelos manifestantes que também entoaram cânticos como "Polónia Pura, Polónia Branca!".


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E não deixa de ser ainda mais horrível e assustador que tal demonstração de xenofobia tenha aparentemente tido a aprovação tácita do governo polaco, com o ministro do interior, Marius Blaszczak, a referir-se à manifestação como "uma visão bela". A extrema-direita está, pois, em ascensão por todo o Continente. Entidades como a Alternativa para a Alemanha, o Partido da liberdade austríaco e o o Partido ANO checo tiveram todos subidas notórias nas respectivas eleições a que se submeteram.

O Partido da Liberdade, que defende o fim da imigração e tem raízes neo-nazis conseguiu 27,4 por cento dos votos na Áustria. A Alemanha foi abalada pela ascensão do Alternativa para a Alemanha, que capitalizou na ansiedade da população em relação ao influxo de mais de um milhão de refugiados no país sob a administração de Angela Merkel, para empurrar para a frente a sua agenda nacionalista e islamofóbica, a fazer lembrar a muitos o que foi a ascensão do nazismo nos anos 30. E, apesar de não ter ganho as eleições, a Frente Nacional de Marine Le Pen conseguiu o terceiro lugar nas eleições gerais francesas.

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Neste momento, há várias exposições em Londres que pretendem, precisamente, responder a esta tendência perturbadora, oferecendo-nos um a crítica lúcida sobre o colonialismo europeu em África e a representação das pessoas de cor na história da arte Ocidental. In Search of the Miraculous, de Kehinde Wileyat, em exibição na Stephen Friedman Gallery é uma delas. Wiley, que recentemente foi chamado a pintar o retrato oficial de Barack Obama, mostra nove pinturas, a par da sua primeira aventura pelo mundo da vídeo-arte. O artista afasta-se dos seus habituais sujeitos previamente estabelecidos, para retratar figuras que contemplam o mar, ou navegam em pequenos barcos por águas perigosas. Não se tratam de trabalhos didácticos, mas, não obstante, evocam imagens mediáticas de refugiados em rota de fuga dos seus países para as zonas costeiras do Sul da Europa.

Kehinde Wiley, Fishermen Upon a Lee-shore, in Squally Weather (Zakary Antoine), 2017

Tal como em anteriores trabalhos, as novas pinturas de Wiley estão carregadas de referências da história da arte. O título da exposição é uma referência directa ao derradeiro trabalho do conceptualista holandês Bas Jan Ander, durante o qual se perdeu no mar e há ainda alusões a Winslow Homer, Hieronymus Bosch e Turner.

Esta estratégia dá aos sujeitos nas pinturas de Wiley - homens negros - um estatuto uma presença muito particulares, colocando-os numa estrutura visual com claras referências nos cânones ocidentais da história da arte. Esta batalha sobre a história das imagens tem implicações actuais e reais - vários participantes da marcha da extrema-direita na Polónia empunhavam ícones tradicionais cristãos, ligando-os implicitamente ao ideal retorcido de uma Europa exclusivamente branca.

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Omer Ba, Amazone-Behanzin, 2017. Cortesia Hales Gallery

Na Hales Gallery, está em exibição Supernova, do senegalês Omar Ba. Habitualmente, o artista combina elementos figurativos e decorativos para criticar o legado de violência do colonialismo europeu em África. A sua nova série, no entanto, é quase como que um afastamento dessa perspectiva, focando-se na exploração do orgulho inerente aos seus sujeitos.

Muitas das pinturas retratam mães e crianças contra os padrões de fundo que são a assinatura de Ba. Alguns são familiares seus, outros desenhados a partir de fotografias e postais da era colonial. Todos retratados de uma forma que enaltece uma atmosfera de grandiosidade.

Victor Ehikhamenor, I am Queen Idia, the Angel of Kings, 2017. Copyright do artista, cortesia Tyburn Gallery

Por sua vez, Victor Ehikhamenor expõe na Tyburn Gallery. In the Kingdom of this World mostra o artista, nascido no estado Edo, no centro-sul da Nigéria (conhecido como a capital histórica do Reino do Benin), a expandir o trabalho que apresentou no Pavilhão da Nigéria na Bienal de Veneza. Tal como Wiley e Ba, Ehikhamenor tem como objectivo questionar os laços entre África e a Europa; costura rosários nas suas telas, enquanto alude a tradições africanas mais específicas e as suas formas elaboradas e padrões intrincados são "colados" para produzir imagens da realeza. tanto a mítica, como a verdadeira. Acima de tudoé este gesto que o liga aos outros dois artistas.

De uma perspectiva europeia, a afirmação das identidades culturais que estas exposições acarreta - tal como em outras, como a de Arthur Jafa, A Series of Utterly Improbably, Yet Extraordinary Renditions, patente na Serpentine's Sackler Gallery no último Verão - é tão importante em Londres como em qualquer outra parte do Mundo. Há, hoje, uma perigosa falta de uma forte oposição política à retórica da extrema-direita e a contribuição de artistas para colmatar essa falha é vital, de forma a ampliar e enriquecer os contextos em que possam ocorrer debates e acções significantes.

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Ba, Ehikhamonor e Wiley não estão interessados em criar slogans, ou em produzirem arte de protesto pré-digerida. Ao invés, estão a fazer notar a sua presença e soberania cultural e a lembrar-nos que o clima de xenofobia na Europa não é nada de novo.


Kehinde Wiley: In Search of the Miraculous pode ser vista na Stephen Friedman Gallery, Londres, até 27 de Janeiro de 2018. Omer Ba: Supernova está em exibição na Hales Gallery, Londres, até 9 de Dezembro de 2017. Victor Ehikhamenor: In the Kingdom of this World está patente na Tyburn Gallery, Londres, até 20 de Janeiro de 2018.

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