Filipe Ret: "A função do rap é transformar os caras de arma na mão"
Filipe Ret no famigerado show no Castelão do Fogueteiro, no último dia 17 no Rio. Foto: Elias Azevedo/Divulgação

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Filipe Ret: "A função do rap é transformar os caras de arma na mão"

O rapper comenta sobre a repercussão dos vídeos que rolaram no zap, mostrando homens armados na plateia de um show dele no Rio no último fim de semana.

Na segunda-feira os telefones da Tudubom Records, escritório do rapper carioca Filipe Ret, começaram a tocar sem parar. Eram jornalistas entrando em contato a respeito de imagens que circulavam desde manhã em grupos de WhatsApp, mostrando imagens de um lotado show de Ret no sábado anterior num baile funk no morro do Fogueteiro, região central do Rio de Janeiro. O vídeo mostrava "bondes" de homens empunhando fuzis e pistolas para o alto, assistindo de longe o show do rapper. Não demorou para essas imagens serem exibidas nos noticiários vespertinos da TV aberta, com todo aquele sensacionalismo costumeiro.

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Em resposta, o rapper publicou uma nota de esclarecimento, afirmando que a banda foi cumprir um show com contrato assinado e afirmou que "o fato do Estado não conseguir controlar essas áreas, não pode me impedir de levar minha arte para o povo de bem que quer me ver".

Esse tipo de exibição de armamento pesado já não surpreende mais os cariocas, seja nos bicos de fuzil pendurados na janela de viaturas policiais, ou nas contenções de bocas de fumo presentes em qualquer favela. Não à toa, no carnaval passado um vídeo mostrando bate bolas dando disparos de fuzil viralizou na internet.

Em comunidades com décadas de abandono, o único órgão do Estado que entra é a polícia dentro de um veículo blindado. Nada mais natural que em sua ausência esse vazio de poder seja preenchido por facções criminosas, que circulam livremente pelo seu território. O show em questão foi na casa Castelão do Fogueteiro e contava com apoio da FM O Dia, uma das mais populares da cidade.

"Tocamos em qualquer lugar do Rio de Janeiro, saímos para cada show com o mesmo profissionalismo como se estivéssemos indo tocar no Rock in Rio, independente se é numa quadra de favela ou numa casa de show", me contou a produtora Sabrina Bueno que há cinco anos cruza o país fazendo os shows acontecerem. Conversei com o Ret sobre o caso.

Noisey: Uma coisa que ficou claro na nota é que você não pode ser responsabilizado por coisas que fogem ao seu controle, né? Que nem aquela vez que usaram sua imagem em endolações de drogas. A questão é que os jovens periféricos curtem seu som e você tem de ir até eles.
Filipe Ret: Exato. Acho que a juventude do povo é de fato o público do rap, ainda mais numa cidade tão simbólica e tão perigosa como Rio, onde os poderes paralelos são tão intensos. Eu conheço muita gente do povo que vem me contar que minha música fez elas investirem nos negócios delas, e fez elas prosperarem e que ouvem até hoje para estimular a trabalhar por uma coisa honesta e bacana, então acho que essa é a função do rap. E como eu já andei na rua e conheço a malandragem também, como eu tenho esse lado, o jovem do povo se identifica com essa linguagem com o estilo, entende? Então a mensagem acaba entrando e essa é a função do rap na essência, conseguir transformar os caras, mesmo, e talvez principalmente os caras que estão com arma na mão, fazendo parte de facções criminosas. Que eu consiga despertar uma luz que existe dentro deles, porque eu coloco minha luz sempre. A busca do compositor é trazer essa luz, nas composições, é gerar um sentimento.

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Quem faz show em comunidades sabe como funciona. É uma hipocrisia a gente achar que isso não existe no Rio de Janeiro. O governo tem que entender que eu estou fazendo a minha parte e eles tem que fazer a deles sacou?

Você acaba encarando um circuito de favela, do funk, que a maioria dos MCs de rap não faz. Na real fora você eu só vi o Racionais tocando nesses contextos.
Eu acho que é importante o rap estar nesses lugares. Porque a galera do pagode já faz show na favela há muitos anos. A novidade agora é o rap carioca entrar nas favelas de fato, é o primeiro rap do Rio a chegar de fato nas favelas. Então se eu sou dos [MCs] cariocas o que mais é reverenciado pelas comunidades, tenho orgulho disso. A Tudubom tem orgulho disso, a minha banca toda se orgulha disso. E se a contratação do nosso show foi feita dentro da lei eu não posso interferir na venda de drogas que acontece na região. Seria mais ou menos como acabar com o Rock in Rio porque lá dentro vão vender droga, e o Rock in Rio é um evento que tem que acontecer. Então o evento ali era dentro da lei, tudo certo e isso acabou acontecendo. Quem faz show em comunidades sabe como funciona. É uma hipocrisia a gente achar que isso não existe no Rio de Janeiro. O governo tem que entender que eu estou fazendo a minha parte e eles tem que fazer a deles sacou? Eu estou trabalhando e considerando todo o povo como sociedade. Se eles não consideram tudo como sociedade, é por isso que a gente está na merda. Estou fazendo a minha parte, e ser criticado por fazer a minha parte é errar duas vezes, sacou? Então eu acho que eles tem é que focar, entender o poder desses poderes paralelos aí, entendê-los como sociedade, para conseguir trazê-los de volta, educá-los, porque o povo do Rio de Janeiro precisa é de educação — quanto mais informação você leva pra eles, melhor, quanto mais luz, arte, cultura, rap, melhor.

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O governo tem que aprender a dialogar e compreender essas comunidades todas, que são carentes de tudo, e ter mais carinho, entender como um lugar de gente importante, que tem muita gente positiva lá dentro fazendo projetos muito bacanas, sacou? E sim, também tem tráfico de drogas e é preciso ver de forma inteligente e por dentro conseguir positivar essas comunidades, colocar pra fora o potencial dessas pessoas que moram lá. Enquanto houver segregação e descriminação, essas diferenças só vão aumentar ainda mais, e eu acredito nessa horizontalidade, sacou? E como disse na nota, eu acredito que a policia é tão povo quanto eu. Tenho muitos policiais que são meus fãs, respeito muito o trabalho deles e eu sei que é cruel também querer ser policial no Rio de Janeiro, com tantas mortes de muitos policiais que tem a honestidade e o bom coração no seu trabalho. Entendo que eles são vitimas também, então eu acho que vem de cima… Na real, vem de dentro. É hora de rever a questão das drogas, da descriminalização das drogas… O debate é muito amplo e saiu do controle no Rio de Janeiro ,que é uma cidade relevante num país relevante.

Se eu estou sendo a voz dessa comunidade que bom, continuarei representando, fazendo minha arte, mostrando minha luz, suando nos palcos, dando o meu melhor em cada show, porque todo mundo merece arte e ouvir rap, principalmente a molecada.

Vamos falar então qual o próximo lançamento, que que tem pra vir aí?
Por uma coincidência ou não, na verdade não, porque eu já venho fazendo shows em muitos lugares pobres do Rio de Janeiro, Audaz, o próximo álbum, tem uma linha política pesada e certeira, sacou? Não que seja o mote do disco, o mote do disco não é político, mas tem algumas linhas certeiras de conotação mais política.

Fala de favela? Guerra às drogas?
O próximo single que vai sair vai ser uma das músicas conceituais do disco. Vamos lançar o clipe, e depois o disco, ainda neste semestre. É uma visão na verdade, é difícil de explicar sem revelar e estragar a surpresa (risos).

Eu gosto quando você trabalha com o duplo sentido, que nem em "Chefe do Crime Perfeito".
As pessoas tem que sentir a força do negócio. Não é fácil fazer um rap, cara, algo que tenha uma visão bacana e que ao mesmo tempo capture positivamente a galera. Acho que esse é o desafio. É isso que o rap tenta fazer desde sempre na real. Estou falando de uma coisa que sempre existiu, o rap sempre foi isso, todos os MCs buscam isso, entendeu? Às vezes uns falam mais de uma coisa numa fase, mais de outras, mas no geral, o rap quer fazer, quer transformar… É atitude né irmão!

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