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A Rússia não quer falar sobre o genocídio que aconteceu em Sóchi

Um dos problemas mais antigos de Sóchi é, em geral, deixado de fora: o papel da cidade no que muitos chamam de o primeiro genocídio da Europa.
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As Olimpíadas de Inverno de Sochi têm alguns problemas. Alguns são só irritantes: quartos de hotéis inacabados, água de torneira nem um pouco potável, banheiros toscos, uma alarmante falta de travesseiros, etc. Outros são preocupantes para os competidores, como o trajeto de snowboard que estaria supostamente lesionando os esportistas. E alguns ainda são questões globais alarmantes, como a destruição do meio ambiente, políticas opressivas do governo e a ameaça real de um ataque terrorista.

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Mas um dos problemas mais antigos de Sochi é geralmente deixado de fora: o papel da cidade no que muitos chamam de o primeiro genocídio da Europa 150 anos atrás. No meio do século XIX, exércitos russos empenhados na conquista do Cáucaso Norte massacraram sistematicamente a etnia circassiana, depois forçaram os sobreviventes para a costa, onde foram finalmente vencidos — em Sochi. No final, os russos obrigaram os circassianos a embarcar em navios para a Turquia ou ao exílio na Sibéria. No processo, incontáveis pessoas morreram de fome e doenças.

Hoje, há cerca de oito milhões de circassianos pelo mundo e a maioria vive no Oriente Médio. Eles não estão nem um pouco felizes com as Olimpíadas de Sochi.

“Queremos que as pessoas saibam sobre os circassianos, que saibam o que aconteceu conosco e queremos mostrar que não seremos apagados da história”, disse Tamara Barsik, fundadora e diretora do No Sochi, um grupo circassiano que tem organizado protestos e tentado conscientizar o público sobre o massacre desde que as Olimpíadas foram concedidas a Sochi em 2007.

Hoje, a cidade não mostra quase nenhuma evidência de seu passado sangrento. As montanhas nevadas e as águas azuis do Mar Negro dão boas-vindas aos oligarcas bilionários e turistas europeus atraídos para essa comunidade litorânea subtropical. Krasnaya Polyana é o resort onde acontecerão os eventos alpinos das Olimpíadas. Mas 150 anos atrás, ali foi o campo de batalha onde milhares de circassianos foram mortos e depois enterrados em valas coletivas enormes.

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Circassianos protestam em Istambul.

Em 2011, o parlamento georgiano reconheceu o massacre dos circassianos como genocídio, mas o mesmo nunca aconteceu em Moscou. “A Circássia é uma nação que foi varrida da história”, disse Oliver Bullough, autor de Let Our Fame Be Great, um livro sobre a conquista russa do Cáucaso.

Assim como ativistas da Turquia, Estados Unidos e do Oriente Médio têm usado os Jogos de Sochi para chamar a atenção do mundo para suas lutas, os circassianos que ainda habitam o Cáucaso enfrentam, como outros ativistas em toda a Rússia, prisões, detenções e espancamentos nas mãos da polícia. No entanto, nos últimos sete anos, os esforços deles sem dúvida ajudaram a lembrar ao mundo o que aconteceu ali — e eles podem agradecer, em parte, a Vladimir Putin.

“Ao hospedar as Olimpíadas em Sochi, o Kremlin deu aos circassianos uma grande oportunidade de levantar sua bandeira”, disse Tiago Ferreira Lopes, pesquisador do Cáucaso e professor na Universidade Kirikkale, Turquia.

Semana passada, Bill Pascrell Jr., um congressista de Nova Jersey, discursou na Câmera dos Representantes e disse: “É um desrespeito à comunidade circassiana que o governo russo use Sochi como um palco para se promover diante do mundo”.

Dentro da Rússia, a atenção internacional voltada aos circassianos é com frequência desprezada como uma conspiração ocidental, uma tentativa de sabotar as Olimpíadas e constranger Putin. Um apresentador de uma estação de TV pró-governo na Sibéria teria dito: “Primeiro eles disseram que os complexos olímpicos estavam sendo construídos sobre cemitérios circassianos, mesmo sem saber quem eram os circassianos. Agora eles inventaram essa situação com as minorias sexuais”.

Com o começo dos Jogos, a história se repete cruelmente a 1.400 quilômetros ao sul de Sochi. Pegos no meio do conflito na Síria, muitos dos 150 mil circassianos do país estão agora em campos de refugiados na Turquia, Jordânia e Líbano, vivendo em condições precárias. O governo russo aceitou apenas mil circassianos como refugiados e oferece pouquíssima ajuda a eles (ativistas circassianos russos são os maiores responsáveis por ajudar os refugiados). Ao mesmo tempo, Moscou ajudou a evacuar ucranianos, bielorrussos e uzbeques da Síria. Atualmente, nenhum visto russo foi concedido aos circassianos sírios.

“Enquanto a guerra arrasa a Síria e os refugiados circassianos sofrem”, disse Barsik, “a maior e mais cara festa que o mundo já viu está acontecendo na Rússia”.

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