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Interviews

Como é fotografar a crise dos refugiados na Europa

Warren Richardson, que ganhou o prêmio World Press Photo deste ano com o seu assombroso retrato da imigração ilegal de sírios na fronteira sérvio-Húngara, contou-nos o que refugiados o ensinaram sobre sobrevivência.

Hope for a New Life" por Warren Richardson ganhou o World Press Photo Award deste ano. Foto cortesia de Warren Richardson/World Press Photo Foundation.

Matéria original da VICE US.

Quando uma foto tirada por Warren Richardson venceu o World Press Photo Award deste ano, ninguém ficou mais surpreso que o próprio Richardson. O fotógrafo australiano de 47 anos tinha se mudado recentemente para a Hungria e estava tentando se estabelecer como fotojornalista quando a crise de migração na Europa começou bem na sua porta. Richardson, que tinha feito mais trabalhos como paparazzi até aquele ponto, começou a seguir grupos de refugiados, ouvir suas histórias e documentar sua sofrida jornada até a segurança.

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A foto vencedora foi tirada logo depois que a Hungria intensificou sua posição contra os refugiados, o que incluiu a construção de uma cerca de quatro metros de altura ao longo da fronteira com a Sérvia. (Mais tarde, quando os migrantes redirecionaram sua rota pela Croácia, a Hungria ergueu outra cerca ao longo da fronteira croata). Richardson se incorporou a um grupo de refugiados sírios, acampando com eles por várias noites e se escondendo da polícia da fronteira até que eles localizaram um pequeno vão na cerca. Na foto, um homem passa um bebê por um buraco no arame farpado da cerca, com uma expressão de desespero no rosto, sem saber o que vai acontecer com ele e seu filho em seguida.

Agora Richardson está numa peregrinação própria, andando de Budapeste até o Círculo Ártico para um novo projeto de fotos sobre sobrevivência. Conversei com Richardson durante sua parada em Berlim sobre como é fotografar a crise dos refugiados e o que ele aprendeu com eles quando o assunto é sobreviver.

Essa entrevista foi editada para maior clareza.

Foto cortesia de Warren Richardson.

VICE: Quando você começou a fotografar a crise dos refugiados?
Warren Richardson: Quando me mudei para a Hungria, eu não estava me saindo muito bem no começo. Como estrangeiro, sem a língua, você não vai muito longe. Eu não conseguia emprego, fora alguns poucos projetos e trabalho de paparazzi, então eu não fazia muita coisa e não tinha muitos amigos. Entrei em modo de sobrevivência e comecei a me redefinir como fotojornalista. Quando a crise de refugiados chegou a Budapeste, fui para a estação de trem Keleti logo de cara. Naquele ponto, apenas algumas pessoas estavam sentadas lá em frente. Com o tempo o número cresceu para centenas, depois milhares de pessoas esperando para seguir para Alemanha e Suíça. Eu sabia que uma história estava acontecendo bem ali, e eu queria ser parte disso. Nos primeiros dias, eu era praticamente o único fotógrafo lá, e eu tinha imagens incríveis. Aí decidi ir até a fronteira entre Sérvia e Hungria.

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Foi a época em que eles começaram a erguer a cerca, certo?
Sim. Decidi passar o máximo de tempo possível com os refugiados. Fiquei muitos dias com eles, andando pelos acampamentos, conversando; algumas vezes eu dormia no acampamento com eles. Eu queria ver as circunstâncias com as quais eles estavam lidando. Essas pessoas são muito determinadas, depois de lidar com tanto medo. As técnicas de sobrevivência deles são de outro nível.

Acampei com um grupo de sírios por cinco dias. Boa parte deles eram engenheiros antes, falavam bem inglês. Uma noite, nos escondemos numa velha cabana no lado sérvio da fronteira em Horgos-Röszke. Tínhamos que fazer o mínimo barulho possível e não podíamos usar luzes para não chamar atenção da polícia, que estava patrulhando a área. Achamos um vão na cerca e esperamos, aí, quando os guardas passaram, começamos a correr, passando por baixo dela. Fui com eles, fotografando o que conseguia. Minha câmera estava em modo silencioso e as fotos eram iluminadas apenas pela luz da lua, porque o flash podia entregar nossa posição. Continuei fotografando as pessoas passando. Em certo ponto, esse homem agarrou a criança por debaixo da certa, depois fugiu rapidamente.

E essa foi a foto que venceu o World Press Award.
Até eu fiquei surpreso quando vi a foto. Era madrugada quando comecei a editar, e depois de ver essa imagem, olhei para o meu filho, Oliver, que estava dormindo perto de mim. E tive que pensar "O que eu faria [nessa situação]?" Foi um momento muito emocionante. Porque tudo que esse homem podia fazer era correr. Eu não teria outra escolha numa situação dessas também. Sempre reflito sobre minhas fotos e suas histórias, e tento me colocar no lugar das pessoas.

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A mãe do meu filho, Ildiko Fülöp, também viu a foto e a achou perturbadora. Ela trabalha como editora de fotografia em Budapeste. Ela escolheu essa foto e mandou para a World Press.

Esse dia foi um dos mais difíceis para você?
Não, nem um pouco. Um dia apanhei da polícia húngara na fronteira. Era o meio de setembro, foi alguns meses depois que comecei a trabalhar no projeto e o governo húngaro decidiu fechar as fronteiras. Dois outros fotógrafos e eu estávamos ficando com os refugiados em Horgos, Sérvia, porque eles estavam prestes a passar pela cerca. Havia fumaça e fogo por toda parte; a polícia estava jogando gás lacrimogêneo pelo outro lado. Aí o confronto começou, um policial me derrubou no chão e me chutou várias vezes no peito e na cabeça — e eu continuei fotografando do chão. Aí fomos presos. Esse provavelmente foi o dia mais difícil, mas todos aqueles meses foram difíceis.

Você parece muito envolvido emocionalmente na crise de refugiados. Por quê?
Acabo envolvido emocionalmente na maioria dos meus projetos, porque realmente escuto as pessoas e vejo o que elas estão passando. Acho que fiquei tão envolvido nesse caso porque lia muita coisa negativa sobre os refugiados na mídia. E eu queria ver o lado deles da história. Ver os dois lados do espectro é muito importante.

O que você quer dizer?
Muita gente cria pânico, ódio [com relação aos refugiados]. Essas pessoas estão fugindo da guerra, deixando tudo que tinham para trás para chegar na Europa; elas sonham em entrar nesses países, e aí precisam encarar a direita. Os governos estão fazendo planos para resolver o problema, e quero ver se eles farão o que disseram. Tentei trocar informações com a maioria das pessoas que fotografei, para continuar em contato com elas — as ver de novo se eu puder, falar com elas de vez em quando. Essas fotos não são apenas momentos para mim, mas relacionamentos que quero manter.

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Foto cortesia da World Press Photo Foundation.

Você está trabalhando num projeto agora em que vai andar centenas de quilômetros sozinho. Fale um pouco sobre ele.
Li Emergência: Este Livro Vai Salvar sua Vida de Neil Strauss anos atrás, quando morava em Nova York. Eu estava estudando o que ele tinha a dizer e decidi colocar sua ideia em prática. Em outras palavras, tentar as cinco técnicas de sobrevivência básicas que ele menciona em caso de apocalipse.

Estou caminhando desde fevereiro com pequenas pausas, quando preciso estar em algum evento em outro lugar. Já fui de Budapeste a Amsterdã a pé; agora vou andar até Copenhague, voar para Edimburgo para uma exposição da World Press Photo, depois voltar para a Dinamarca e continuar andando.

O que você aprendeu sobre sobrevivência com os refugiados que acompanhou?
Aprendi uma técnica de sobrevivência muito importante com eles — sorrir! Eles têm sempre um sorriso no rosto. E sim, abri mais meu coração para essas pessoas depois que comecei essa caminhada. Eu entendo. Tenho empatia. Não tenho uma opinião sobre a religião deles ou suas transições. Eu apenas os respeito.

Passei muito tempo com os refugiados, mas não é só por isso que estou caminhando. Fiquei muito doente algumas semanas depois do começo da minha jornada, em Stuttgart, Alemanha, e fiquei com três homens num acampamento de refugiados. Eles me convidaram para ficar na barraca deles e tomaram conta de mim. Eu vivo tendo essas experiências que me ensinam humildade.

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Qual a parte mais difícil?
Eu diria que a parte mais estranha sobre andar é como você se torna recluso. Tirei tantas fotos, e sempre encontro pessoas interessantes — paro para dizer "oi" e conversamos — mas fora isso, estou sozinho a maior parte do tempo. Chego numa encruzilhada e tenho que decidir que estrada pegar. Se pego a estrada errada, isso pode significar 15 quilômetros a mais para mim. Não uso GPS. Agora estou rumando para áreas mais remotas da Europa. Vai ser difícil.

Outra coisa estranha é que não ouço as notícias. É muito bizarro se informar depois e ficar surpreso com as coisas que todo mundo já sabe.

Baseado no que você viu, para onde você acha que a crise dos imigrantes vai?
Não tenho certeza. Mas o que eu gostaria de ver é todos nós vivendo juntos de uma maneira positiva. Eles têm muito a oferecer, e temos muito a oferecer a eles — precisamos começar a integração falando sobre o que o outro lado tem a oferecer e conhecer um ao outro. Por que sabe de uma coisa? Essas pessoas não vão embora! Quer você chame isso de problema ou benção, essas pessoas estão aqui para ficar.

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Tradução: Marina Schnoor

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