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Como a islamofobia afeta mais as mulheres muçulmanas

Para um número cada vez maior de mulheres que usam a hijab, a islamofobia se manifesta juntamente com a misoginia, e têm um efeito particularmente tóxico.

Zainab Chaudry sabe mais sobre islamofobia do que a maioria das pessoas. Como porta-voz do Conselho de Relações Americanas e Islâmicas (CAIR, na sigla em inglês), Chaudry advoga pela compreensão mútua entre os americanos muçulmanos e o resto do país. Entretanto, assim como muitas muçulmanas que usam a hijab e vivem nos países ocidentais, Chaudry está sujeita ao abuso da islamofobia.

"Recentemente, eu estava no estacionamento de um supermercado quando um cara me xingou e disse, 'Você não é bem-vinda aqui, volte para o seu lugar'. O que é engraçado, porque eu nasci em Maryland. Também sou americana. Então respondi, 'Estou em casa'. Entretanto, há uma ideia, hoje em dia, de que algumas pessoas em nossa sociedade não querem aceitar que há muçulmanos norte-americanos. Esses dois aspectos de nossa identidade são vistas como mutuamente excludentes. Se você é muçulmano ou muçulmana, então não pode ser americano ou americana."

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O ano de 2015 foi aquele em que os fantasmas do extremismo religioso e da islamofobia ameaçaram a harmonia em diversas sociedades em todo o Ocidente. Ambas as formas estão conectadas. Enquanto o Estado Islâmico causa destruição pelo mundo, com ataques terroristas em massa em Paris, na Tunísia e em Beirut, em resposta, a islamobofia aumenta rapidamente. Ao mesmo tempo, comentários insuflados dos principais candidatos republicanos Donald Trump e Ted Cruz espalham as chamas do ódio contra os muçulmanos.

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Os ataques islamofóbicos nunca estiveram tão em alta. Em Londres, a Polícia Metropolitana relatou um aumento de 47% nos primeiros dez meses de 2015. Nos Estados Unidos, o CAIR registrou cerca de 70 ataques a mesquitas em 2015, o número mais alto até então. E na semana após os ataques terroristas em Paris, a organização britânica Tell MAMA, que monitora abusos islamofóbicos, registrou 115 casos. "Estamos impressionados com a escala do problema com que estamos lidando", o fundador Fiyaz Mughal me contou.

Cada vez mais, as mulheres muçulmanas estão suportando o fardo do ódio. Incidentes recentes com muçulmanas incluem empurrá-las na frente de trens que chegavam às estações; levar socos e pontapés em ônibus, e sofrer ataques enquanto buscavam seus filhos na escola. E são as muçulmanas que usam a hijab que correm mais riscos."As mulheres que são visivelmente muçulmanas enfrentam mais violência e assédio nas ruas", Mughal explica. "Há um problema de gênero bem definido no que diz respeito ao ódio aos muçulmanos." Ele afirma que 80% dos ataques após os acontecimentos de Paris aconteceram contra mulheres, e os motivos para isso são, em parte, práticos. "Há o fator da visibilidade. É fácil identificar uma muçulmana vestida em trajes islâmicos. E também há o fato de que elas estão menos dispostas a revidar."

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As muçulmanas suportam o fardo dos ataques islamofóbicos. Foto de Zoa Photo, via Stocksy.

Fatima,* 24, se mudou para os Estados Unidos quando era adolescente e, atualmente, mora em Washington DC. Ela nem sempre usa a hijab, mas percebeu que, quando a usa, as pessoas, "mantêm certos limites. O que não é necessariamente ruim, mas elas definitivamente tratam as hijabis de forma diferente". Ela presenciou o primeiro exemplo de abuso islamofóbico em um ônibus do transporte público ano passado, depois de mais de uma década vivendo nos EUA. "Sentei na frente de uma mulher que começou a ficar tensa e mudou de banco, indo sentar longe de mim. Percebi que ela trocava de assento, mas não pensei em nada até o momento em que me dei conta de que ela estava sendo abusiva. Ela começou a me xingar em voz alta, dizendo que 'nós' somos 'maus', 'filhos de Satanás', e coisas do tipo."

"Em uma ocasião, uma muçulmana grávida estava empurrado um carrinho de supermercado na Califórnia quando um homem empurrou o carrinho contra a barriga dela"

O abuso continuou por cerca de dez minutos, até que a mulher desceu em determinado ponto. "Quando ela passou por mim, sorri e desejei a ela uma boa noite, ao que ela respondeu 'Vá se foder', e desceu do ônibus." A primeira resposta de Fatima nesse caso foi rir da pessoa que a atacava. "Honestamente, achei ridículo, porque não consigo compreender como uma pessoa que não sabe absolutamente nada sobre mim tem a capacidade de me xingar. Mas se o abuso se tornasse físico e violento, obviamente, eu teria reagido de forma bem diferente. Sinto que as coisas estão piorando de maneira geral, o que me coloca em alerta, porque sei que, como sou hijabi, posso ser um alvo."

Na visão de Mughal, os ataques islamofóbicos contra mulheres evidenciam estruturas mais profundas na desigualdade de gênero de nossa sociedade. "Existe algo intrínseco no gênero delas que faz com que os homens queiram atacá-las. As mulheres são um ponto central na reprodução e manutenção das comunidades islâmicas. Em nossa experiência, o elemento fundamental da islamofobia é a violência e o abuso dos homens para com as mulheres."

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Chaudry concorda que as muçulmanas são mais vulneráveis. "Em uma ocasião, uma muçulmana grávida estava empurrado um carrinho de supermercado na Califórnia quando um homem empurrou o carrinho contra a barriga dela." O medo está se espalhando pelas comunidades de americanos muçulmanos. "Já tivemos o caso de pais me ligando e contando que pediram que suas filhas tirassem seus véus na escola porque receiam pela segurança delas."

Mesmo quando a discriminação não converge em violência, as muçulmanas ainda são tratadas de forma diferente. "As pessoas acham que só porque uso a hijab, eu não falo inglês", Chaudry acrescentou. "Elas falam comigo devagar, e quando eu respondo, elas dizem 'Uau, você fala um inglês perfeito!' tento trazer essas pessoas ao diálogo, para explicar que, só porque sou muçulmana e uso véu, não significa que não falo inglês. Não sou tão diferente deles, gosto de Star Wars e faço muito do que os americanos comuns fazem."

Jade Jackman é uma cineasta e ativista cujo filme mais recente, Exploiting It, explora os efeitos da islamofobia nas muçulmanas. Ele foi recentemente exibido no Instituto de Cinema Britânico. "Não é verdade que a islamofobia afeta somente as mulheres, porém, com as mulheres muçulmanas ele se manifesta de um modo peculiar. As pessoas praticamente fetichizam a hijab. Um aspecto que aparece no filme é como as muçulmanas com frequência ouvem perguntas inapropriadas sobre sua vida sexual, porque as pessoas têm a impressão de que elas não fazem sexo."

Atitudes islamofóbicas com as mulheres muitas vezes incluem um componente sexual. "Com frequência, vemos linguagem sexualizada direcionada às muçulmanas no assedio nas ruas", Mughal confirma. "Ela é usada para diminuí-las, porque são percebidas como muito religiosas. As muçulmanas também enfrentam a trollagem sexista na internet, particularmente quando são bastante ativas nas mídias sociais."

São homens que chegam em casa e dizem para suas esposas, 'Eu te amo, somos iguais', mas que nas ruas atacam as muçulmanas de forma oportunista.

Questionei Mughal a respeito do perfil do ofensor típico. "Branco, homem, idade entre 15 e 35. O mais interessante é que quando conversamos com esses criminosos, eles dizem que, em geral, não atacam as mulheres. Mas que eles sentem vontade em atacar as muçulmanas porque eles não as veem como mulheres. Eles as desumanizam tanto que não veem mais suas identidades de gênero. A única coisa que eles veem nelas é a religião."

Jackman concorda que a sociedade precisa ver como religião e identidade de gênero das muçulmanas estão interligados. "Precisamos falar sobre como ser muçulmana se tornou uma identidade racial, em particular para as mulheres de cor. As muçulmanas não são compostas de uma única identidade, e a islamofobia pode estar representada de tantas formas diferentes, independentemente de ser um aspecto de gênero ou religioso."

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A misoginia que sustenta muito da islamofobia contemporânea preocupa Mughal profundamente. "O que aprendi com meu trabalho no Tell MAMA é como a islamofobia não pode ser separada de questões de gênero mais abrangentes."

"Existe algo em nossa sociedade que afeta um grupo grande de homens. São homens que chegam em casa e dizem para suas esposas, 'Eu te amo, somos iguais', mas que nas ruas atacam as muçulmanas de forma oportunista. Ele [o agressor] se considera um cara do bem, mas basta olhar um pouco além da superfície para ver que ele não passa de um indivíduo machista que acha ok atacar as muçulmanas. E aí está o problema. Por mais que acreditemos estar em uma sociedade inclusiva, há uma tendência machista que dá suporte a isso tudo."

É deprimente constatar que a islamofobia está nas mãos do IE e outros grupos extremistas que buscam radicalizar muçulmanos moderados. "[A violência islamofóbica é] provocada pelo que está acontecendo internacionalmente, como os ataques em Paris, e também nacional e regionalmente", explica o Dr. Imran Awan, vice-diretor do Centro de Criminologia Aplicada na Universidade de Birmingham. "Se você observar o escândalo Rotherham [em que gangues de britânicos-paquistaneses criaram e traficaram garotas menores de idade para o sexo], vimos uma escalada de abuso local contra os muçulmanos."

Esses chamados acontecimentos gatilho também são explorados pela extrema direita. "É o que chamamos de extremismo cumulativo, quando um extremismo alimenta o outro. O aumento do Estado Islâmico é acompanhado pelo aumento da extrema direita — ambos utilizando medo e terror para avançar em suas próprias agendas."

Perguntei a Chaudry se ela acredita que a situação vá melhorar em 2016. "Queria poder dizer que sou otimista, mas o clima atual de hostilidade contra os muçulmanos é o pior que já vi na vida, incluindo a época logo após o 11 de setembro, e não vejo nenhuma melhora." Ela destaca que a islamofobia tende a se manifestar durante as eleições norte-americanas. "Temos vários meses até as eleições presidenciais que acontecerão em novembro, e sabemos como os candidatos do Partido Republicano têm uma tendência a sacrificar os muçulmanos para alavancar seu desempenho nas pesquisas."

Uma centelha atravessa o medo e da hostilidade. "Começamos a ver uma resistência mais acentuada da parte de nossos aliados entre as religiões. Cada vez mais pessoas nos dizem que a islamofobia não é aceitável. Com alguma sorte, essas vozes ganharão um microfone para afastar o discurso de intolerância. Para dizer que isso não é a América. Nós não somos assim. Devemos permanecer unidos."

*Não é seu nome verdadeiro.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri

Esta matéria foi originalmente publicada no Broadly.