A evolução do surf vista pela lente de seis fotógrafos brasileiros

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A evolução do surf vista pela lente de seis fotógrafos brasileiros

Trabalhos inéditos de Klaus Mitteldorf, Bruno Alves, Demian Jacob, Roberto B. Moura, Peu Mello e Rafael Uzai formam a exposição 'Superfície Líquida'. Parte da história do surf em imagens.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Brasil.

"Superfície Líquida", exposição colectiva que pode ser vista na Fauna Galeria, em São Paulo, coloca em perspectiva a evolução do surf como modalidade e estilo de vida desde os anos 1970. Para traçar este panorama, a curadora Paula Rocha escolheu trabalhos inéditos dos fotógrafos/realizadores brasileiros Klaus Mitteldorf, Bruno Alves, Demian Jacob e Roberto B. Moura, e de dois artistas visuais multiplataformas em cujo trabalho a fotografia está presente: Peu Mello e Rafael Uzai.

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Estes profissionais são donos de um consistente portfólio na cobertura de surf ao longo das últimas décadas. Por isso, convidámos três deles – Klaus, Bruno e Roberto – para comentarem algumas das suas fotos integrantes da exposição. Assim, foi possível compor uma linha do tempo a partir dessas memórias.

Foto de Klaus Mitteldorf, São Paulo, anos 1970. Uma das imagens da exposição colectiva Superfície Líquida

KLAUS MITTELDORF – 1970's

Klaus traz na bagagem cliques da velha guarda, do tempo em que estudava arquitectura, em 1974, e começou a registar os amigos surfistas. Logo no ano seguinte, lançou o primeiro filme brasileiro de surf, Terral, e continuou a documentar a cultura. Hoje, com os seus mais de 80 prémios mundiais, não é exagero dizer que se estabeleceu como um dos mais rimportantes nomes da fotografia de surf.

"1975, Praia Vermelha, em Ubatuba. O Ritual de todos os fins-de-semana. Antes de tudo, o surf era uma atitude! Contagiou toda uma geração, que se sentia excluída da sociedade comandada por uma ditadura".

"Pipeline, 1978… Jackie Dunn num dia de perfeição".

BRUNO ALVES – de 1970 a 2010

Bruno Alves não aparece aqui com menos gabarito. Fotógrafo de povos, natureza, cultura, desporto e aventura, fundou a revista Fluir, veículo de referência na disseminação do desporto no Brasil [mas também em Portugal]. São 40 anos de carreira, com passagens por mais de 50 países.

"Praia do Francês, 1978. Equipamentos limitados, principalmente dentro de água. Caixas estanques (para colocar a câmera) muito pesadas e sem recurso. A Nikonos II era uma opção pequena, mas limitada, pois não tinha fotómetro e o foco era calculado por campo focal, o que forçava o fotógrafo a ter de perceber de luminosidade e distâncias e do posicionamento correcto para a foto".

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"Alberto Alves Laranjeiras, Rio de Janeiro, 1982. Equipamentos e lentes rudimentares. A lente Century era uma alternativa, mas só alguns a tinham. A criatividade contava mais do que a técnica e o equipamento".

"Sergio Testinha, México, 1985. Tirada com uma lente grande angular 20mm Nikon, numa caixa mais compacta e mais leve que a dos anos 70. A fotografia de surf evoluiu muito com a chegada da revista Fluir. Os fotógrafos tornam-se profissionais de fotos de surf. Os equipamentos sofrem uma grande transição, as lentes passam da Century e Tokina para Nikon e Canon.

Dentro de água surgem caixas menores e com sistema pistol grip. Ainda estamos na época analógica e de foco manual. Eram rolos, não cartões. Poucos rolos por viagem e o resultado era visto muitos dias, ou meses, depois, o que obrigava o fotógrafo a ser perfeito, sem erros, senão 'apanhava' na redacção. Épocas difíceis, pois as fotos já não eram somente um hobby".

"Final dos anos 80, Serginho Azeitona. Os fotógrafos estão mais maduros e profissionais, porém os recursos não mudaram nada. Esta foto foi tirada dentro de água, com meia tele e foco manual. Além de estar a nadar em situação de risco, o fotógrafo precisava de pensar no enquadramento e no foco perfeito".

"Kelly Slater, 1991, Off The Wall, Havaí. Ainda se mantém a era analógica, o foco manual, porém a pressão aumenta e a concorrência fica mais forte para os fotógrafos. Um foco da acção bem de perto, quando o foco saia 'sharp' (perfeito), valia gritos do fotógrafo quando estava a verificar os negativos na mesa de luz".

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"Anos 2000. Australiano nas ilhas Mentawaii fotografado a partir de um pequeno barco, com auto focus e digital. Estamos na era digital e do auto focus. O fotógrafo começa a perder valor, o que o obriga a procurar ângulos mais alucinados, pois as facilidades da fotografia, com as novas tecnologias, tornam a foto de surf acessível a todos. Nas viagens a lugares remotos, surgem estruturas e comodidades que os antigos não tinham, como por exemplo os barcos velozes que se posicionam perto das ondas, sem que o fotógrafo tenha de nadar e, logo, com um aproveitamento muito maior, pois com as lentes zoom era possível captar várias cenas, mais próximas, ou mais distantes".

"Anos 2010. O surf e a tecnologia fotográfica chegam a níveis surreais. As manobras, juntamente com a qualidade das câmeras digitais, que passam a oferecer cada vez mais mega pixels e as próprias lentes, resultaram numa só coisa: as fotografias ficaram impressionantes. A Go Pro e os drones, bem como a ousadia dos novos fotógrafos, levaram a fotografia a um nível nunca imaginado nos anos 70".

Bruno Alves em Backdoor, Hawaii, 1991, a nadar com equipamento analógico e foco manual. E, nos anos 80, com uma lente Century de 1 metro (1000 mm) e foco manual, durante a cobertura do Hang Loose 87.

ROBERTO MOURA – 2010

No caso de Roberto Moura, sua relação com o surf vem da infância: ele cresceu num ambiente de intensa proximidade com o desporto e a fotografia por influência do pai, que foi produtor da série de programas de TV e filmes Surf Adventures. Em "Superfície Líquida", temos um vislumbre da sua trajectória, que começou aos 18 anos com uma câmera 35mm nas mãos.

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"Estas duas fotos foram tiradas na África do Sul em 2010. Fui convidado por Derek Hynd para ir a Jeffreys Bay com ele. Aquilo parecia um sonho. Lembro-me bem das primeiras vezes que vi o filme Litmus, de Andrew Kidman, quando ainda era criança. O filme foi feito nos anos 90, quando Derek ainda surfava com pranchas com quilhas, e o surf dele era muito diferente de qualquer coisa que eu já tinha visto. As linhas que ele desenhava nas paredes de Jeffreys ficaram na minha cabeça para sempre. As pranchas que ele usava na época - shape fish por Skip Frye - influenciaram muito o design das pranchas modernas. Mais pequenas, mais largas e com menos 'rocker', elas flutuam na água com muito mais facilidade do que as pranchas banana rocker dos anos 90.

Na foto de cima, ele está sentado no chão de sua casa em JBay, em frente a Supertubes, a ler um jornal com a notícia sobre a partida de ténis mais longa da história, em Wimbledon, em 2010. Ele é fã de desportos e competição em geral, e jogou ténis a vida inteira. Ao seu lado, uma das primeira pranchas finless que usou. Sempre um inovador, hoje em dia surfa exclusivamente sem quilhas e continua a influenciar toda a cultura do surf, algo que fica claro pela quantidade de shapers que fazem pranchas sem quilhas a partir das ideias dele. Na de baixo, estávamos em Durban, para ver o jogo Brasil x Portugal do Mundial, e o Derek estava a saltar para tocar na placa que anunciava Roti, comida indiana parecida com um burrito, muito comum na África do Sul. A animação dele por ir ver um Mundial parecia de criança".

Mais informações sobre a exposição Superfície Líquida aqui.


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