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O movimento pela legalização do Skate está a ganhar força nas ruas rabugentas de Montreal

Andar se skate em espaços públicos é um acto que coexiste numa espécie de limbo da legalidade, mas a permissão para andar de skate no Peace Park é uma grande vitória.

Stills via DAILY VICE.

Na maioria das cidades, andar de skate em espaços públicos é um acto que coexiste numa espécie de limbo da legalidade, um purgatório insonso onde a mesma acção pode ter uma série de consequências, desde multas a aplausos.

Escolher um spot na rua como uma escadaria ou um muro é um como jogar na lotaria - podes chamar a atenção de um grupo de curiosos surpreendidos pela tua perícia, ou podes atrair um polícia de aluguer com fome de poder que tenta sacar-te o skate, ou mesmo foder-te a meio de uma manobra.

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Tanto quanto sei, andar de skate em si, seja onde for, não é um crime (como estes autocolantes sugeriam), mas os polícias, se quiserem, podem acusar-te de destruição de propriedade pública, invasão de propriedade, ruído excessivo, ou perturbação da ordem pública por estares com o teu skate no sítio errado. Mas alguns dias consegues fazer aquela manobra que te faltava, publicá-la no instagram e depois vais comer na boa uma pizza com os amigos. É como se fosse uma caixa de pandora da tolerância ao skate.

Em Montreal, a maré parece estar a mudar a favor do skate. O movimento para legalizar o skate tem literalmente ocupado as ruas, e os skaters começam a vencer batalhas municipais cruciais de quarteirão em quarteirão. Uma das maiores vitórias foi a legalização completa do skate no Peace Park em St. Laurent Boulevard, a separação histórica e decadente entre os bairros do este e do oeste da cidade. O que era antes um paraíso encardido para pessoas sem-abrigo, venda de crack e assassinatos (que nunca assustaram os skaters que queriam desfrutar das suas utópicas extremidades de granito), é agora um próspero parque cheio de boas vibrações.

O skater e realizador David "Boots" Bouthillier, em meados dos anos 2000, realizou um documentário sobre o Peace Park, começou a preparar o plano para legalizar o skate nessa área e ainda organizou o primeiro 'Go Skateborading Day' do ano. Sentei-me com o 'Boots' para discutir o estado da legalização do skate em Montreal em 2015 e a transformação que ele viu acontecer no Peace Park.

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Sterling Downey, skater/vereador.

"Em 2001, depois de todos os Hells Angels terem sido presos, o parque transformou-se numa zona de guerra onde todos lutavam para controlar as vendas de crack no parque", disse Boots. "Armas automáticas sempre a disparar, pessoas a serem mortas ou esfaqueadas. Durante um tempo as coisas estavam bastante agitadas."

Mas com a chegada dos skaters ao parque, com a cidade a fechar os bares de alterne da área e com a vizinha Société des Arts Technologiques (SAT) a dar uma nova vida a este espaço com eventos de música e de cinema no verão o parque da paz parece ter virado a página.

"O crack já não existe, não há mais prostituas, e não há quase ninguém a beber pelo parque", disse Boots. "O skate realmente ajudou a trazer de volta uma vibração positiva."

Após uma estreia bem sucedida do seu documentário Peace Park em agosto de 2013, Boots, depois de uma tentativa fracassada em 2004, voltou a aproximar-se do SAT para tentar legalizar o skate no parque.

"O filme ajudou a chamar a atenção sobre alguns dos problemas do parque e a colocar o skate como uma boa solução para alguns desses problemas", disse Boots.

O presidente da câmara de Montreal, Denis Coderre, apoiou individualmente a ideia e assim o projecto-piloto acabou por ser lançado no Verão de 2014 com o skate a ser totalmente legal durante o dia. Naquele verão o poder andar de skate livremente no parque tinha uma aura de euforia, saber que ninguém te iria parar e que os skaters eram realmente bem-vindos era muito especial - como poder beber a primeira cerveja gelada depois de uma longa e solitária proibição. Um sinal oficial da cidade com um skate dentro de um círculo verde erguido com altivez sobre o parque da paz, aqui está uma coisa que nunca pensei ver um dia.

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Mas os skaters não foram imprudentes com seu récem-descoberto privilégio, e o amor e carinho que sentiam por este novo spot ajudou-o a brilhar. Com o parque visivelmente em melhor forma no final do projecto-piloto, não foi nenhuma surpresa quando andar de skate no parque tornou-se oficialmente legal na primavera deste ano.

"O skate foi legalizado no Peace Park no dia 14 de Abril às 20:44, eu publiquei um post nesse preciso momento," Boots riu-se ao mostrar-me a publicação feita no Instagram durante a reunião com o conselho municipal.

Do lado de fora do Parque da Paz, no entanto, andar de skate ainda está na terra da quase legalidade. Antes da legalização no Peace Park, Boots já tinha sido multado em mais de 7.000 dólares por ruído excessivo e "abuso do mobiliário urbano" que, no final dos anos 2000, subiu para 600 dólares por multa .

"Estás autorizado a andar de skate no passeio mas a maior parte das pessoas não o sabem, nem mesmo os polícias. Eu tenho recebido multas por andar de skate no passeio, mas procurei informar-me sobre as leis e fui a tribunal vencer a causa", disse Boots. "Também existe uma regra para skate imprudente, por andar 'de maneira que prejudique a circulação dos peões'. Por isso ainda podes ser multado por estar no passeio, mesmo sendo permitido - é como uma espécie de multa por condução imprudente."

As ciclovias da cidade são também um campo de batalha crucial para o skate - as bicicletas de aluguer, as scooters de mobilidade quitadas e outros meios de locomoção estão autorizados a circular enquanto os skates continuam proibidos. Mas o veterano skater, vereador, e ser humano radical e polivalente Sterling Downey está determinado a mudar isso; ele apresentou uma proposta ao Conselho Municipal no mês passado para conceder aos skaters liberdade nas ciclovias, que foi aprovado por unanimidade.

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"Os ciclistas podem circular na estrada, no passeio, e nas ciclovias, e porque não os skaters?" perguntou Downey durante uma recente entrevista dada no Peace Park. Ele explicou que convenceu o conselho a ver o skate como um modo de "transporte activo", e não apenas uma actividade recreativa.

A vereadora e mãe de um jovem skater, Justine McIntyre, também apresentou uma moção para permitir o skate nas ruas de Montreal que foi aprovado no conselho da cidade em outubro de 2014, embora esta proposta exigisse mudanças no Código de Segurança Rodoviária, que é uma lei provincial.

"O presidente da câmara concordou que o skate deveria ser legalizado nas ciclovias, mas ainda não foi a votação… É um processo bastante longo. O que quer dizer que a cidade diz: 'OK, nós podemos legalizar o skate', mas para isso vão ter de alterar todas as leis e fazer com que aconteça ", disse Boots. "Desde que a cidade começou a apoiar o skate nas ciclovias, dizem por aí que a polícia não te vai multar, mas não nos podemos esquecer que ainda podem."

Outra história inspiradora na tentativa de legalizar o skate, como a do Peace Park em Montreal, é a do Big O fullpipe no Estádio Olímpico, o túnel de cimento deixado pelos Jogos Olímpicos de 1976 que funciona como um full pipe para os skaters. Em 2011, depois de décadas a ser usado como um spot para a prática do skate, o Estádio Olímpico programou algumas reformas que exigiam a demolição do túnel. Os skaters profissionais Barry Walsh e Marc Tison, que escreveram um livro juntos sobre o Big O, em 2006, juntamente com a comunidade de skate lutaram para preservar o túnel, e finalmente o Joey Saputo, do Stade Saputo, fez com que isso acontecesse. A estrutura de skate improvisada de 175 toneladas foi fisicamente arrancada e transladada para um novo local em 2013, tornando-se legalmente num local onde o skate era permitido e num marco de extrema importância para os skaters. Chegou a ser destaque no site de turismo do Estádio Olímpico.

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"As estrelas realmente começaram a alinhar-se quando o Saputo salvou o Big O. Foi um grande passo para o skate", disse Boots. "Foi aí que as coisas começaram a mudar na cidade, o primeiro sinal de uma nova era para Montreal e para o skate. Quando estávamos a tentar legalizar o skate, pensámos, 'Bem, até o Saputo reconhece a importância do skate e da preservação dos locais históricos para a pratica da modalidade. ' Assim, os meus parabéns ao Saputo, ao Mark e ao Barry. Sim, esse foi o momento que a maré começou a mudar para o skate na cidade."

Então, até hoje nunca tinha existido uma época tão propícia para ser skater em Montreal. No dia 21 de junho, fui ao épico encontro de skaters nas ruas para celebrar o Go Skateboarding Day, totalmente legal pela primeira vez na cidade. Com o apoio da SAT, Boots conseguiu licenças para reservar sete quarteirões no centro da cidade para mais de 100 skaters de Montreal. Ele cortou a fita e o aplauso desenfreado com os skates a baterem continuamente no pavimento fez-se sentir, depois disso estava na hora de abrir as hostes.

Acontecimentos semelhantes ocorreram em Montreal com o nome de "Wild in the Streets", que se celebrou ilegalmente durante cinco anos antes de ser encerrado em 2011. Mas este ano, uma série de viaturas policiais abriram caminho e bloquearam o trânsito para os skates circularem com segurança - uma visão incrivelmente surreal e emocionante.

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O destino final do encontro era, naturalmente, o Peace Park, e os skaters sem pensarem duas vezes atacaram as rampas de granito e os manny pads. A chuva não apareceu durante todo o dia, e o resto das festividades do GSD foram repletas de skate, música ao vivo, e de uma competição de manobras com grandes momentos e boas vibrações para todos.

"Acho que o skate está finalmente a derrubar os estigmas existentes à sua volta. É agora mais aceite pelo público em geral e as pessoas estão a reconhecer que é algo positivo e que pode ser uma solução criativa para resolver alguns dos problemas urbanos da cidade", disse Boots.

Boots tem muitos conselhos importantes para skaters que andam a tentar legalizar o skate nas suas próprias comunidades, acrescentando com uma risada que para o conseguir apenas num quarteirão precisou de dez anos.

"A melhor coisa a fazer é ir às reuniões da câmara municipal. Montes de gente vai às reuniões para reclamar, mas não propõem nada, não apresentam um plano para que as coisas possam vir a acontecer", diz ele . "Claramente, os skaters precisam de assumir a responsabilidade e de se organizarem. Tens de querer e fazer acontecer, e pelo caminho tenta não chatear ninguém."

Graças aos esforços de skaters como Boots, Montreal é agora a pioneira dos direitos dos skaters, um desenvolvimento impensável e revolucionário para esta cidade da costa leste. E mesmo que ainda esteja muito trabalho pela frente, as perspectivas do skate nunca foram tão apetecíveis na cidade dos buracos e da poutine como agora.

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