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Música

Sarilhos, sedentarismo e soul brothers no Mexefest

No final, acabou tudo bem.

O Mexefest já merecia, por esta altura, ser um objecto de estudo entre os nutricionistas do país e os maiores fabricantes de sapatilhas. Aos primeiros pode ser útil um festival em que o público é convidado a transitar constantemente entre várias salas; aos segundos é capaz de interessar a oportunidade de conceber calçado optimizado para ver os Django Django, no Tivoli, sem perder tudo dos Voxels, no Cabaret Maxime, quando os dois concertos estão basicamente sobrepostos no horário do segundo dia.

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O Mexefest, tal como Lisboa, é um ícone de alta manutenção. Alguém que, como nós, passa, se for necessário, dois meses sem ir à cidade, desabitua-se dos seus ritmos e perde-se depois como um saloio, ou como aquele primo de Mypos, da série Perfect Strangers (Eternos Novatos, na bela tradução portuguesa). Apesar da menção, não vou, desta vez, permitir que a nostalgia me impeça de ir directo ao assunto: estou demasiado velho e agarrado à vida de província para me orientar no Mexe, sem dar umas quantas baldas e meter-me em merdas. Isto traduzido em absoluta sinceridade significa o seguinte: tivemos entradas de verdadeiros nabos em cada um dos dois dias do Mexe. Na sexta-feira, a prioridade era ir ver o Cody ChesnuTT à Estação do Rossio e, por alguma carga de água, ocorreu-nos que o concerto decorreria no Metro. Descemos até ao subsolo, procurámos por alguém com “cara de festival” e só encontrámos pessoas demasiado ocupadas com as suas vidas. Percebemos então que o único tipo de música que se escutaria naquele sítio seria o habitual desfile de péssimos êxitos (“Pa-pa-pa-paradise!”) ou qualquer parvalheira new age. Se os Coldplay fossem realmente boas pessoas e quisessem saber do mundo, faziam um hino “Pa-pa-pa-paraolímpicos”. A paciência entra em tilt, quando reparo que o elevador para a superfície está avariado. Foi nesse instante que me ocorreu a mesma asneira que sussurrei quando tinha quatro aninhos e faltou, repentinamente, a luz em casa. Ficámos a saber que o Metro do Rossio tem uma excelente acústica para fazer ressoar um sonoro “FODA-SE“. Uma velhinha jarreta (obrigado, Smiley Face) ficou impressionada e apontou o dedo na minha direcção, como quem quer fazer uma pergunta, mas não perdi qualquer tempo com ela, até porque também não me lembro de algum dia me ter ajudado nas despesas para ir ao LIDL. A todas as senhoras que tiveram essa cortesia, deixo uma dica: temos de ir lá comprar aqueles lombos de bacalhau da série Deluxe e ouvir Eazy-E no carro. Adoro-vos. Gosto muito menos de dar voltas desnecessárias dentro de um táxi, mas foi isso que aconteceu no segundo dia do festival. Armado em patrão, entrei no táxi de alguém que parecia o primo do Cristiano Ronaldo em quarto grau e disse-lhe: “Chefe, é para a porta do Ritz”. O gajo, naturalmente, começou a fazer o trajecto na direcção do Hotel Ritz e não do Ritz Clube, como era a nossa vontade. Achei estranho aquele sentido de orientação do primo do Ronaldo e, já estávamos perto da rotunda do Marquês, quando o nosso fotógrafo Mauro teve a ideia brilhante de esclarecer que era para o Ritz Clube e não para o hotel dos ricos. Explicámos depois que o Ritz Clube era aquela sala ao lado de uma casa de convívio cuja porta é, habitualmente, vigiada por senhoras muito preocupadas em angariar clientes. Formou-se uma lâmpada luminosa em cima cabeça do nosso motorista, que não demorou muito tempo a reconhecer o último lugar e a admitir que é um destino muito procurado nestas corridas nocturnas. Mesmo assim, não era o estabelecimento mais recomendável e, ao que parece, existem opções bem melhores naquela zona. Calculo que haja também quem percorra a Avenida acima e abaixo numa espécie de Mexepila. A despesa foi de cinco euros e pouco, mas o mais fixe de todos os taxistas merecia claramente uma gorjeta. Deixei-lhe seis euros e, antes de sair do carro, avisei-o que era melhor olhar para a frente, porque mostro sempre o rego do cu ao erguer-me de bancos baixos. Qualquer gorjeta não chegaria para atenuar um horror apenas comparável àquele filme do Lars Von Trier que mistura bricolage e tortura, numa só cabaninha de retiro para casal. Ficam mais ou menos despachados os “sarilhos” do título e passamos já de seguida ao “sedentarismo e soul brothers”. Gosto de ver os concertos do início ao fim e é por isso que, normalmente, escolho uma só sala para aproveitar o Mexefest. Sou muito calão também. A escolha de sexta recaiu sobre a Estação Ferroviária do Rossio (que acabámos por encontrar) para assistir à estreia nacional Cody ChesnuTT, depois da entrevista que nos deu há uns meses. Queria muito ouvir os clássicos de um dos meus soul brothers favoritos. A poucos minutos de subir ao palco, o simpático Cody dizia-nos que as hipóteses de tocar material do colossal disco de estreia, The Headphone Masterpiece, eram praticamente iguais a zero. Nem costumo ser o tipo de gajo que chateia alguém para tocar esta ou aquela das antigas (a menos que seja a "Macaco" de Pega Monstro), mas, naquela noite, tive mesmo de tentar pedir pelo menos uma do Masterpiece (houve pessoal mais ambicioso que chamou por “Bitch, I’m Broke”). Mas o Cody agora está noutra (espiritualizou-se) e eu até percebo que um homem rendido a Deus não se sinta muito à vontade para revisitar músicas de pimp, player e alguma carochice (dava no crack). "Bitch I'm broke", provavelmente, não faria sentido intercalada com uma nova canção (“Everybody’s Brother”), em que o gajo diz que já não volta à má vida e que agora até dá cataquese aos miúdos. O que me custa a entender é a exclusão de outras tantas malhas do Masterpiece que são apenas bem-dispostas e nada decadentes. Aposto que se Deus estivesse no Rossio, teria adorado escutar "Upstarts in a Blowout" ou “Look Good in Leather”. Mas o Cody ChesnuTT e o quarteto que trazia consigo tocaram só malhas do novo Landing on a Hundred, enquanto pediam ao público que abanasse os braços e cantasse bem alto. Foi porreiro, mas um bocado kumbaya. O Cody volta em Março para um concerto (mais longo) na Aula Magna e acredito que já esteja a tratar dos papéis para uma casa na Costa da Caparica. Antes dele, tocaram os Blues Brothers, que alguém se enganou ao anunciar como Cais Sodré Funk Connection (???). Parado num semáforo da Avenida, vi também as Anarchicks a rockarem dentro de um autocarro. A baterista é de um talento enorme. Na noite de sábado, optei por um estilo mais Philip Seymour Hoffmann e plantei-me junto ao bar do Ritz Clube (aka Risco Clube). Os primeiros artistas da noite eram uns tais de Shields (escudos na moeda antiga), que devem ser a banda do mês de Março para o NME (mau sinal), mas que ali estiveram uns quantos pontos acima de toda a vasta quantidade de macacos que parasitam os New Order. A voz do front-man era parecida com a do Sting, ainda que não acredite que o rapaz beba a sua própria urina de manhã.  A meio da noite, o Mauro pisgou-se para ir tirar uma foto ao James Iha (aquele chinês dos Smashing Pumpkins), na Casa do Alentejo, e esteve lá dois minutos até um segurança ter-lhe dado uma pancada nas costas e dito: “Isso (o período permitido para fotografias) já acabou! Aqui não é pandam”. Voltou a tempo de assistir à grande festa que os Escort deram, no Ritz, com um disco sound mais ou menos roubado aos clássicos de Donna Summer, Pointer Sisters e Earth, Wind and Fire. Pouco interessa esse lado mais derivativo, porque os Escort dão o litro e recriaram naquele palco as glórias que costumam apenas desfilar no ecrã da VH-1 ao sábado à noite. Foi muito bom estar dentro da VH-1 durante quase duas horas. A noite avançou depois com um DJ set perfumado do Moodymann, que apareceu disfarçado com uma máscara de renda e um hoodie dos Detroit Tigers. Parecia quase o Paulo Cecílio a passar “What is Love” (Haddaway) na Trem Azul. Traumático. Fotografia por Mauro Mota