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Relato

O hipotiroidismo mudou a minha vida e os médicos não ajudaram

As doenças da tiróide são tão ou mais comuns que a diabetes.
A autora

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

O meu nome é Mar Rey, sou de Barcelona, tenho 33 anos e há 9 anos diagnosticaram-me Tiroidite de Hashimoto. E esta? Soa bastante mal, certo? É natural que nunca tenhas ouvido falar desta doença. É triste, mas natural. Ainda que as doenças da tiróide sejam tão ou mais comuns que a diabetes.

Aqui tens uma pequena introdução: tiróide é uma glândula que controla o metabolismo do corpo, ou seja, a velocidade a que se "mexem" os teus órgãos, a maneira como geres a tua energia diária, os processos metabólicos de cada célula, a temperatura, etc… se a perdermos provoca sintomas como sonolência, esgotamentos, cansaço extremo, dores musculares, infecções recorrentes, obesidade ou perda de peso, frio ou calor constante, doenças cardiovasculares… Bem, uma pessoa não fica em muito bom estado. No meu caso, a tiroidite foi provocada porque o meu sistema imunitário ficou maluco e, em vez de atacar os potenciais agentes patogénicos, atacava a minha glândula, até então saudável.

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Antes de tudo isto eu era uma miúda normal, depois transformei-me numa doente crónica de merda. Desculpem lá o meu francês, mas estarás certamente de acordo em que, ter uma doença crónica aos 24 anos deixa qualquer pessoa furiosa. Tu não serias excepção. A minha vida estava agora dependente de um comprimido (palavras do meu médico de família, um comprimido, tudo controlado), um shot diário de uma hormona, a T4, que era uma das que o meu corpo tinha decidido deixar de produzir. Mas, o pior ainda estava por chegar. Se tivesse sido só isso nem teria sido assim tão mau.

Iniciei a medicação e, dois meses depois, comecei a sentir-me mal, mesmo muito mal. Tremores, tonturas, taquicardias, insónias, cansaço extremo e muita fome… Era tanta coisa junta que tive de deixar a universidade (estava no segundo ano de História, a minha segunda licenciatura), deixar o trabalho (estava nas bilheteiras de um cinema), deixar de sair com os meus amigos e com o meu namorado, deixar o ginásio… Em três simples palavras: deixar de viver. Cheguei a um ponto em que nem conseguia levantar-me da cama de tão cansada que estava. Pentear-me cada manhã era um verdadeiro desafio.

Então, o que é que estava a acontecer? Os médicos insistiam que não podia estar relacionado com a tiroidite, nem com a medicação. Até me mandaram a um psiquiatra! Após esta fase, e sem deixar de insistir, os médicos concordaram em repetir a análise passados seis meses. Surpresa! Qual foi o resultado? Hipertiroidismo induzido por excesso de medicação. Ou seja, os meus sintomas estavam longe de serem psicossomáticos.

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A partir desse momento, controlar as minhas hormonas com os shots da hormona sintética T4, (nome comercial Eutirox) foi um autêntico calvário de sintomas e desequilíbrios. A minha vida tinha-se convertido numa peregrinação entre médicos, porque nenhum ligava os meus sintomas à tiroidite nem aos shots de T4. Ainda por cima ninguém me explicou que a tiroidite estava associada a outros transtornos, como a anemia ferropriva, anemia por falta de B12, deficiência de ácido fólico, deficiência de vitamina D, de magnésio, de ferro e de numerosos eteceteras…

Fui descobrindo este tipo de coisas sozinha, pela quantidade de sintomas, mas, sobretudo pela procura exaustiva na Internet. Foi exactamente quando o Facebook começou a desenvolver-se que comecei a encontrar grupos de apoio dedicados à Tiroidite de Hashimoto e ao hipotiroidismo em geral, onde se reuniam, não centenas, mas milhares de pessoas afectadas pelo mesmo mal. O pior foi que a maior parte seguia o mesmo tratamento da hormona T4 e a coisa não melhorava. Meu Deus, eu não estava maluca! Não era possível que tanta gente estivesse louca. Ao descobrir estes grupos senti-me muito aliviada por não ter de justificar-me, por não ter de explicar vezes sem conta os meus sintomas, porque toda a gente tinha os mesmos! Tínhamos todos as mesmas sensações!

Estamos a falar de grupos super organizados (em Espanha, por exemplo, está o Hipotiroideos España ou o Amigos Hipotiroideos, também existem os ingleses, como Thyroid Change, Thyroid Sexy, Hipothyroid Mom, entre outros), por eles corre muita informação, dão-se conselhos médicos actualizados, conselhos entre pacientes e abrem-se outras alternativas à típica hormona T4 (como tomar em conjunto a T4 e a T3, a outra hormona que não produzimos ou uma hormona natural dissecada derivada do porco) e é aqui onde melhor se aprende a lidar com uma gama de vitaminas e minerais adequados à nossa condição. Ou seja, fazem o trabalho que os médicos não são capazes de oferecer.

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O melhor de tudo isto é saber que não estou sozinha. Existem dezenas de milhares de pessoas que estão a sofrer o mesmo que eu. Pode parecer um alívio, mas não é bem assim. Porque, quando estás doente, vais ao médico e acreditas realmente que está a receitar-te uma solução, que vai fazer-te sentir melhor, mas, no nosso caso, se os médicos não acreditam nos nossos sintomas, em quem podemos confiar? A sensação de impotência, posso garantir-vos, é brutal. Isto não é uma simples constipação.

Este é o meu caso, mas como o meu existem outros muito piores. Quase toda a gente que conheci dentro destes grupos conta histórias muito semelhantes de peregrinações de médico em médico, apatia, negligência e incompetência clínica. E muitos estiveram a ponto de morrer. Isto é muito grave. Já nem falamos de perder os empregos, de más experiências com familiares que não entendem a situação, discussões com a família ou com os amigos por não comparecerem aos eventos "obrigatórios" por culpa dos sintomas… É muito triste.

Mas, a questão é a seguinte: como é possível chegar a este ponto, onde médicos deixam de acreditar, ignoram e menosprezam os doentes que sofrem este tipo de patologias? O que se passa? Interesses farmacêuticos, apatia médica, incompetência, médicos sem vocação?

Para mim, existem vários factores contra nós:

1) Neste preciso momento no site change.org existe uma petição para que os níveis hormonais de TSH, a hormona estimulante da tiróide (que mede indirectamente os níveis sanguíneos de T4 e T3), que até agora eram considerados como "normais", sejam actualizados. Isto porque, em Espanha, ainda se fazem diagnósticos de patologias da tiróide através de valores hormonais desactualizados que a American Thyroid Association deu como ultrapassados em 2002. Para que tenham uma ideia, em Espanha considera-se normal uma TSH de 0,35 a 4,5, quando uma pessoa saudável tem valores de 0,35 a 2. Por isso, uma pessoa, tratada ou não, que tenha a TSH com valores desactualizados vai ser uma pessoa doente, com sintomas e muitos problemas para poder lidar com a sua vida quotidiana.

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2) Outro factor é que esta é uma das muitas doenças ditas invisíveis. Tens bom aspecto, mas estás de rastos e isso é bem difícil de superar, porque estás sempre debaixo da lupa daqueles que te rodeiam e te dizem: "Mas estás com bom aspecto!". É uma ignorância generalizada.

3) Mais grave ainda é o problema das baixas por doença. Garanto-vos que, quando uma pessoa tem um desequilíbrio hormonal não pode levar uma vida normal. É impossível. Não tem energia para fazer, fisicamente, seja o que for. A teoria que ilustra muito bem esta condição seria a teoria da colher. Nós queremos trabalhar, mas, como devem calcular, sentir cansaço crónico e dores nos ossos que são piores do que quando tens gripe, todo o santo dia, inviabiliza muito a coisa.

4) De acordo com as palavras da minha endocrinologista (só existem duas em toda a Catalunha): "O estudo da tiróide no curso de medicina é curto e 'rápido', porque é muito 'fácil de tratar'. E, mesmo que vás ao médico com a tua lista de sintomas, ele não vai fazer nada porque os resultados são 'normais' e está tudo na tua cabeça." O mais certo é que te receitem antidepressivos. Se alguém aparece com diabetes vais receitar-lhe antidepressivos, ou um tratamento com insulina?

5) Em Espanha, existe apenas um tipo de tratamento, a hormona sintética T4, mais conhecida comercialmente como "Levothroid", ou "Eutirox". Mas, em muitos outros países da União Europeia, para não dizer em quase todos, nos EUA, na América Latina, na Ásia e até mesmo em Andorra, também se receita a T3 (que, na verdade, é a hormona activa a nível celular), assim como a hormona natural dissecada da carne de porco. Supõe-se que a T4 decompõe-se na T3, mas a realidade é que muitas pessoas não a convertem bem e estão medicadas, mas não são bem tratadas.

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O pior é que, há poucos anos atrás, estes tratamentos ainda estavam disponíveis em Espanha. Mas, ao serem retirados do mercado, as pessoas que estavam a ser bem tratadas voltaram a sofrer os mesmo e indesejáveis sintomas da doença.

Para concluir, em primeiro lugar, quero reivindicar que somos pessoas normais com uma patologia que, se for bem tratada (felizmente, estamos a aprender que tem solução), é somente um pequeno problema. Mas, se for mal tratada, torna-se num agente limitador. Por outro lado, queremos denunciar a situação em que nos encontramos por culpa da comunidade médica e defender os nossos direitos como pacientes.

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