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año 2050

O sushi como o conhecemos já não vai existir em 2050

É muito provável que as alterações climáticas levem a que um bom sushi seja demasiado caro e que um sushi barato seja demasiado nojento.
ilustração sushi
Ilustração por Corey Brickley.

Este artigo faz parte de uma série dedicada aos possíveis efeitos das alterações climáticas e como será o Mundo em 2050 e foi originalmente publicado na VICE USA. Podes ler mais sobre o projecto aqui.

Devido às alterações climáticas, o mais provável é que, em 2050, sair com amigos para comer sushi será, em mais do que um sentido, uma péssima ideia. Dois motivos: ou será ridiculamente caro, em particular se gostas de atum, ou então vais comer peixes irreconhecíveis.

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A menos que sejas milionário, não deverás estar muito preocupado se a qualidade e a abundância da comida num restaurante de luxo vão ser afectadas. Mas, ainda que a temática do sushi possa não ser tão urgente como as inundações mortíferas que vão assolar Nova Iorque, também não deixa de ser verdade que vale a pena falar dela, porque o mundo do futuro não só será destruído por desastres naturais, como será horrível de muitas outras formas.

William Cheung, professor associado e investigador da Changing Ocean Research Unit, da Universidade da British Columbia, Canadá, analisou o número de peixes e o impacto das alterações climáticas para um relatório de 2010, que tentava fazer um prognóstico da situação até 2055. "Depois de compilar todos os dados, a primeira coisa que me chamou a atenção foi, precisamente, o facto de que, dentro de 20 anos, iremos ver espécies muito diferentes nos balcões de sushi", diz Cheung. E acrescenta: "Alguns dos peixes que, hoje em dia, podemos facilmente ver num restaurante mediano de sushi não vão ser fáceis de conseguir no futuro, pois passarão a ser considerados como produtos premium".


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O investigador está familiarizado com a forma como o abastecimento de peixe se altera ao longo do tempo. "Em Hong Kong, onde cresci, comíamos peixe todos os dias. Agora, no entanto, é algo já mais requintado, como a pescada-amarela, um peixe que antigamente era um dos mais abundantes e, hoje, é tão caro que se tornou muito difícil de encontrar, mesmo em restaurantes", conta.

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Cheung e os seus colegas do Nippon Foundation-Nereus Program criaram um guia para o mercado japonês de sushi que, essencialmente, permite saber quais são os peixes disponíveis e quais os que se podem comprar e vender. O vídeo está em japonês, mas é bastante claro. As lulas, o sável, o atum, as amêijoas, os camarões e o salmão estão em perigo E a maioria destes fazem parte dos menus de sushi actualmente.

De acordo com a EPA, a água mais quente e o seu nível de acidez mais elevado, são indicadores das alterações climáticas que tornarão a vida nos oceanos mais difícil, ou até impossível, para muitos dos animais que as pessoas gostam de comer com arroz e molho de soja. Mas, estas tendências também têm de ser vistas em conjunto com a pesca excessiva e a destruição dos habitats, o que fará com que estas criaturas se tornem ainda mais escassas.

O clima mais quente pode ser a face mais visível das alterações climáticas, mas o efeito do carbono na atmosfera tem especial impacto nos oceanos, que actuam como escoadores desse mesmo carbono. "Agora, a maior parte da emissões é absorvida pelos oceanos, que as mantêm temporariamente, o que faz com que a água seja mais ácida", explica Prosanta Chakrabarty, um ictiólogo da Universidade Estatal do Louisiana.

O aumento da acidez dos oceanos está a causar estragos em todo o mar e até nos recifes de coral. "À medida que este processo ocorre, os corais ficam brancos e morrem, porque não conseguem manter a relação simbiótica com os invertebrados", salienta Chakrabarty. Provavelmente já ouviste isto: os corais estão a morrer tão depressa que muito em breve podem mesmo desaparecer. A menos que sejas uma das poucas pessoas que visitam os recifes de coral. esta é uma daquelas consequências invisíveis das alterações climáticas. Mas, um destes dias, vais dar conta do problema quando fores comer sushi.

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"Os oceanos ácidos podem ter um impacto mais directo na reprodução dos peixes utilizados no sushi".

Hoje em dia, os fãs de sushi comem, principalmente, peixes de maior dimensão, como o atum e certos tipos de cavala. Segundo Chakrabarty, estas são espécies em perigo. "Por estarem na parte superior da cadeia alimentar, dependem muito dos recifes de coral", justifica.

Quando falei com Daniel Pauly, investigador principal da Sea Around Us, uma organização de investigação da Universidade da British Columbia, no entanto, colocou algumas dúvidas sobre a escassez do atum vir a ser um problema para os consumidores em 2050, já que, aponta, "é um peixe muito oportunista". Para além disso, como tem uma procura elevada, o responsável imagina que os pescadores os poderão encontrar nos locais onde desovam.

Ainda assim, uma descoberta recente mostrou que os oceanos ácidos podem ter um impacto mais directo na reprodução dos peixes utilizados no sushi. O bacalhau, que, todavia, não é muito comum no sushi [mas é, como bem sabemos, parte integrante da gastronomia e dos hábitos de consumo portugueses] e que se pensa que poderá estar em perigo por causa da pesca excessiva, registou no ano passado uma diminuição muito relevante por causa do nível de acidez das águas, alerta Pauly.

O prognóstico de Pauly para o marisco utilizado no sushi é também pouco promissor. As amêijoas e as vieiras, diz, têm dificuldades em criar o carbonato de cálcio de que necessitam para que as suas conchas se possam formar e desenvolver. As quintas aquíferas do Noroeste do Pacífico, desenhadas para produzir amêijoa em grandes quantidades, estão a enfrentar o problema do subdesenvolvimento da espécie e isso é um sinal de que os jovens crustáceos em todos os oceanos estão a ter dificuldades para desenvolver as suas conchas. Tudo isto tem uma consequência lógica num futuro próximo: os preços podem disparar. Se há alguma esperança para o futuro do sushi, pode ser algo que dependa da criatividade. "podem ser inventados novas formas de sushi, com peixes que estejam disponíveis", sugere Cheung.

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Para enfrentar a escassez do peixe mais popular, alguns chefs de sushi, como Bun Lai, do restaurante Miya, em New Haven, Connecticut (vê acima o vídeo da nossa plataforma Munchies), estão já a descartar espécies sem sustentabilidade, como o salmão e o atum e procuram, de uma forma mais consciente, outras opções nos ecossistemas que os rodeiam. No caso de Lai, essas opções incluem caranguejos locais, carpas asiáticas, insectos e plantas autóctones para pratos vegans.

"De acordo com o prognóstico de Cheung, outras opções para manter vivas os futuros restaurantes de sushi, passam por algo chamado 'surimi'".

Os chefs de sushi que não sigam os passos de Lai vão enfrentar surpresas desagradáveis, garante Chakrabarti. O investigador diz que nos mercados de sushi que habitualmente visita para o seu trabalho, estas tendências não são bem vistas. O atum está a atingir preços exorbitantes - ainda há pouco tempo um exemplar foi vendido por mais de 600 mil dólares, por exemplo. Por outro lado, os pescadores estão a procurar em profundidades maiores por espécies que costumavam ser abundantes em níveis mais próximos da superfície. No processo, explica Chakrabarti, acabam por capturar maiores quantidades de peixes de águas profundas, que não são tão populares. "Esse é, sem dúvida, o futuro da pesca de mar alto", considera.

De acordo com o prognóstico de Cheung, outras opções para manter vivas os futuros restaurantes de sushi, passam por algo chamado "surimi" e, no seu relatório, incita os chefs a que o usem tanto quanto possível, pois deriva de um peixe chamado pollock, que é o que o especialista apelida de "um produto de sushi muito barato". Já comeste surimi, de certeza. É aquela coisa a que chamam "caranguejo artificial", ou "krab" e, basicamente, é a versão marisco de um cachorro-quente. No futuro, Cheung diz que os comerciantes de sushi terão de ser mais criativos que nunca, na forma como vão vender o seu surimi.

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Citando uma piada de um dos seus colegas de trabalho, Chakrabarti deu-me um prognóstico a longo prazo: "Os yuppies do futuro vão comer medusas, porque não vão ter peixes suficientes".


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