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Tecnologia

Os Sem-Teto de ‘SimCity’ São Uma Falha Técnica ou Algo Planejado?

Os jogadores de SimCity já pensaram em uma série de estratégias criativas para tirar os sem-teto virtuais de suas cidades.

Os jogadores de SimCity já pensaram em uma série de estratégias criativas para tirar os sem-teto virtuais de suas cidades. Algumas das sugestões são: esperar que tornados e outros desastres naturais acabem com eles, destruir os parques onde eles se reúnem, ou criar uma cidade com uma infraestrutura tão miserável levem os sem-teto a abandoná-la de bom grado.

É possível ler todas essas propostas em Como Se Livrar dos Sem-Teto, "um tratado épico de 600 páginas e dois volumes escrito por Matteo Bittanti, e que documenta o chamado 'escândalo dos sem-teto' que atingiu o universo do SimCity de 2013".

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"Eu comecei a achar a discussão sobre os sem-teto de SimCity muito mais interessante do que o jogo em si por causa da forma como as pessoas estavam falando sobre o problema —de uma forma não exatamente racista ou classista, mas de um jeito definitivamente peculiar", disse Bittanti, um professor convidado da Universidade IULM em Milão que passou sete anos lecionando em São Francisco.

Bittanti juntou, selecionou e transcreveu milhares de mensagens trocadas entre jogadores no fórum oficial da Electronic Arts, no Reddit e no maior fórum de SimCity, o Simtropolis: todos eles sofriam com esse problema e tentaram "erradicar" o fenômeno que "atormenta" o SimCity.

Os sem-teto de SimCity são representados por figuras amarelas, bidimensionais e sem gênero carregando sacolas. Sua presença incomoda os habitantes de SimCity, e reduz o valor dos terrenos. Como muitos outros jogadores, Bittanti descobriu as discussões sobre o assunto enquanto procurava uma forma de lidar com esse problema.

No início, muitos jogadores se perguntaram se seus problemas com os sem-teto eram causados por uma falha do jogo. Como muitos jogos de alto orçamento lançados no ano passado com diferentes níveis de erros e falhas técnicas, SimCity só funcionava se os jogadores se conectassem aos servidores da EA, que caíam constantemente por causa do número excessivo de jogadores. Uma das teorias era que os sem-teto de SimCity fizessem parte de uma falha técnica.

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"Alguém já descobriu um jeito fácil de lidar com os sem-teto que estragam os lindos parques que gastamos tanto dinheiro para construir?" pergunta um jogador no site da EA. "Crie empregos aumentando a quantidade de estradas perto do setor industrial, isso me ajudou bastante", sugere outro jogador.

Nesse guia rápido no YouTube, um jogador sugere eliminar os dois fatores essenciais para a proliferação dos sem-teto: prédios abandonados e lixo, "que é do que eles se alimentam."

No qual um robô sem emoções lê o índice do livro.

Removendo os marcadores visuais dos fóruns online — a assinatura dos autores, os banners laterais, as imagens de perfil e assim por diante — o livro de Bittanti recontextualiza a discussão e revela o que os jogadores e o jogo têm a dizer sobre os sem-teto.

"Eu tenho uma faculdade e uma universidade, muitos policiais, e mesmo assim eu tenho sem-teto EM TODOS OS CANTOS….. então qual é a solução? ou será que eu não preciso me preocupar?" pergunta um jogador no Simtropolis.

Para Bittanti, é impossível não ver a ligação entre o problem dos sem-teto na baía de São Francisco e o que acontece em SimCity.

"A questão é: nós podemos resolver esse problema em SimCity, ou por não termos solucionado isso na vida real, não temos nenhuma esperança?" pergunta Bittanti. "Seria SimCity um reflexo do que está acontecendo na vida real, o que tornaria esse um problema realista, ou seria tudo culpa de um erro de programação?"

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Bittanti diz que é impossível diferenciar a realidade americana dos jogos, da mesma forma que Jean Baudrillard afirmava que é impossível distinguir entre a Disneyland e os Estados Unidos. O livro, nas suas palavras, é sobre esse mundo virtual e seus problemas, e a inesperada convergência e sobreposição entre a realidade e essa simulação.

"Para mim os jogos são a tal 'América real'", disse. "Os verdadeiros Estados Unidos funcionam segundo a lógica dos jogos. Essa lógica é o neoliberalismo, e isso se manifesta em São Francisco, que para mim é o epicentro da desigualdade. Em São Francisco ou você tem um Tesla e bebe capuccinos de sete dólares ou você é um mendigo vivendo nas ruas."

Em Um Novo Sonho Americano, Bittanti retrata os mendigos de São Francisco a partir de imagens do Google Street View.

A série de jogos SimCity, em particular o SimCity 4, são a série e o jogo favorito de Bittanti. Ele foi o editor de uma coletânea de ensaios sobre o jogo, que inclui um texto do Neil Gaiman. Caso você goste de um bom mito de criação, o cofundador da Maxis, Will Wright, teve a ideia que originou SimCity em 1989, enquanto na criação de Raid on Bungeling Bay. Quando ele descobriu que as ferramentas que ele utilizava para construir as fases do jogo eram mais divertidos do que o jogo em si, ele criou o SimCity, e o desejo incrivelmente ambicioso de representar a realidade através de um simulador foi posto em prática desde então.

Quando Maxis começou a falar sobre recriar a franquia como uma série de jogos online e deixá-la mais bonita e simples, fãs como Bittanti se preocuparam. "Eles trivializaram e simplificaram o jogo para essa geração Facebook, para as pessoas que não tem paciência para passar horas e horas construindo uma cidade. Eles tinham um plano e algumas ideias boas, mas tudo deu errado."

Bittanti acredita que SimCity é importante exatamente por ser um fiasco, e que o jogo nos ensina como devemos (ou não) inserir problemas reais em nossas simulações. Tudo é divertido enquanto os desenvolvedores estão imitando o Michael Bay e outros filmes de ação de Hollywood; mas quando eles resolvem mexer com problemas reais, as ferramentas de programação e os princípios de design que os ajudaram no passado não são o suficiente.

"Problemas como os sem-teto requerem uma abordagem que vai além dos algoritmos. Além das razões tecnológicas. Eles exigem conhecimentos de psicologia, antropologia e filosofia. Isso realmente revela os limite dos videogames."

Uma tiragem de apenas 99 cópias de How to get Rid of Homeless está disponível para venda na Concrete Press de Bittanti, via Amazon. O Volume I custa US$150, e oVolume II, US$70.

Tradução: Ananda Pieratti