O fotógrafo nipo-americano que capturou a elegância do Harlem nos anos 90

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Fotografia

O fotógrafo nipo-americano que capturou a elegância do Harlem nos anos 90

Uma amostra do novo livro de Katsu Naito, 'Once in Harlem'.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

O fotógrafo nipo-americano Katsu Naito encarna o espírito, o charme e a determinação exigidos de todo fotógrafo de rua ambicioso. Depois de se mudar do Japão rural para Manhattan quando era adolescente nos anos 80, Naito pegou uma SLR 35mm e rapidamente começou a fotografar tudo em seu novo ambiente. Pouco tempo depois, Naito visitou o bairro predominante negro do Harlem pela primeira vez. Ele foi imediatamente impactado pelo céu aberto e a inescapável energia do lugar. Depois da primeira visita, Naito sentiu um impulso de documentar tudo que via, mas esperou até se mudar para o bairro alguns anos depois, percebendo que não conseguiria fotografar o Harlem honestamente sem realmente morar lá. Apesar das barreiras da linguagem e da cultura, Naito usou a fotografia como um meio para entrar na comunidade. Ele morou em Uptown por décadas, produzindo um trabalho profundamente pessoal similar ao de fotógrafos de rua que o precederam, como Jamel Shabazz e Diane Arbus.

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Once in Harlem, o novo livro de Katsu, mostra um Harlem que contrasta fortemente com o bairro que é hoje: ruas desoladas, prédios abandonados, e a moda do começo dos anos 90 enchem as páginas. O livro oferece um olhar íntimo do lugar por meio dos olhos de alguém que vai lentamente se tornando parte do bairro. Onde muitos fotógrafos caem de paraquedas para capturar uma comunidade fora da deles, Naito traz um nível de cuidado e respeito em seus retratos, permitindo que o trabalho transmita um amor genuíno pelas pessoas e ruas que ele fotografou.

Antes do lançamento do seu livro, me encontrei com Katsu para almoçar no Harlem e discutir suas primeiras impressões da vizinhança, fotografar estranhos e revisitar esse corpo de trabalho 20 anos depois.

VICE: Bom, você se mudou do Japão para Nova York quando era adolescente nos anos 80, para trabalhar num restaurante. Qual foi sua experiência quando você chegou aqui?
Katsu Naito: É uma história muito engraçada. Minha mãe achou um anúncio num jornal para uma vaga de chef em Nova York. Aí ela me disse "Garotos como você precisam de um lugar assim para aprender disciplina. Por que você não liga e marca uma entrevista?" Minha mãe e eu fomos para a entrevista e, por sorte, ninguém mais apareceu, então fui automaticamente aceito. Assim, em dois meses, me mudei para cá. Isso foi em 1983. Meu contrato era de três anos, mas fui demitido depois de dois quando pedi meu green card. Aí comecei a tentar encontrar coisas para preencher meu tempo pessoal.

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Foi isso que te levou a começar a fotografar quando você saiu do emprego?
Eu tinha uma câmera básica quando morava no Japão, presente da minha mãe. Aquela câmera estava sempre ao meu alcance, então tirei muitas fotos dos meus amigos, mas nunca pensei seriamente nisso. Um dos chefs, que tinha 20 e poucos anos, tinha uma LEICA M6 e me mostrou como as fotos que ela fazia podiam ser incríveis. Acho que ele me influenciou muito e acabei comprando uma Canon AE-1, então meu interesse se voltou para a fotografia por volta dessa época.

Depois que fui demitido em 1985, comecei a simplesmente andar pelas ruas. Meu inglês não era muito bom, e quando você não fala muito, você acha outras coisas para se envolver — ouvir música, ou fazer algo espontaneamente. Eu ficava mais com o pessoal das baladas nos anos 80. Eu conhecia alguém e conversava, mas não conseguíamos realmente nos comunicar. Então decidi pegar minha câmera e começar a fotografar nas ruas. Ou pedia para fotografar meus amigos. Foi assim que comecei a tirar fotos.

Aí juntei um portfólio e comecei a fazer trabalhos para revistas. Trabalhei num estúdio fotografando modelos por um tempo, mas meio que percebi que esse tipo de trabalho não era para mim — era só trabalho mesmo. Percebi que queria tirar fotos com o coração. Então saí do estúdio, e me vi mais uma vez tirando fotos nas ruas de Nova York.

Qual foi sua primeira impressão do Harlem?
A primeira vez que visitei o Harlem foi muito desafiadora, porque eu morava em Upper West Side na época, onde segurança não era a principal preocupação. Lembro de sentir arrepios só por estar numa rua cercada de prédios abandonados. Ao mesmo tempo, senti um conforto porque dava para ver mais o céu, já que os prédios não eram tão altos quanto em outras partes da cidade. Tentei agir o mais normalmente possível — não ficar olhando em volta como um turista e andar como se eu morasse lá… Pelo menos tentei. A câmera estava na minha mochila. Eu não gostava do movimento de pegar a câmera e guardar depois de tirar uma foto, mas consegui fotografar alguns rolos com minha câmera 35mm. Alguma coisa realmente me atraiu no Harlem, então eu quis morar lá só para tirar fotos. Eu sentia que não poderia fotografar se não morasse lá. Ser um visitante não era justo com as pessoas para quem eu pedia para fotografar. Então eu soube que moraria no Harlem depois da minha primeira visita ao bairro.

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Como você começou a se sentir mais confortável tirando fotos no Harlem?
Só tentei ser simpático. Não ser aceito era uma coisa que eu já esperava — ser de outra nação e morar no Harlem. Eu esperava que eles me rejeitassem. Quanto mais era rejeitado, mais eu tentava ser simpático. Acredito que se você tenta muitas, muitas vezes, você acaba revelando seus sentimentos verdadeiros e sinceros, e as pessoas vão se abrir para você porque você está se abrindo para elas.

Tinha essa banca de jornal na 119th com a 5th Avenue onde eu ficava todo dia. Gente mais velha e mais jovem também ficava por ali. Eu queria me juntar a eles, então ia pra lá todo dia, mas da primeira vez que fui, eles me rejeitaram. Me apresentei ao balconista e ele agiu como se eu fosse invisível. E eu disse "Obrigado pelo seu tempo. Volto amanhã". Voltei no dia seguinte e comecei a falar com ele, e ele disse algo do tipo "Sai daqui. Isso não é pra você". Aí voltei no dia seguinte, e no outro, e eventualmente eles me aceitaram. Muitas das fotos do livro tirei ao redor daquela área — especialmente as fotos contra aquele fundo.

Eu ficava por ali todo dia por um longo tempo. O dono da banca, o Bob, costumava se preocupar muito comigo. Ele dizia "Você não é negro, e tem essa câmera", e ele me segurava pelos ombros e dizia "Tenha cuidado". E eu respondia "Não se preocupe, Bob. Eu moro aqui".

No livro você conta que suspeitaram que você era um policial quando se mudou para lá.
Tentei mostrar meu rosto no bairro no começo. Mas acho que a pequena câmera que eu usava pendurada no pescoço dava a ideia errada. Mais tarde descobri que eu morava no meio da base de uma gangue, e que muitos dos garotos estavam vendendo drogas e munição. Dei um passo errado no lugar errado. Na verdade, da minha janela eu via os garotos atirando contra os prédios abandonados e para cima duas ou três vezes por semana. Sem brincadeira… vi um cara fugindo pela rua de outro cara com uma arma, aí o cara caiu e sangue começou a se espalhar pela rua. Ele levou um tiro na nuca, e depois que ele caiu outro homem foi tirar a arma dele. Vi muita atividade assim da minha janela. O mais assustador é que você aprende a não reagir a barulho de tiros e coisas assim. Você fica dessensibilizado.

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Você tinha algum relacionamento com as pessoas que fotografou para esse livro?
Algumas delas moravam no meu prédio, mas a maioria era de estranhos. Eu via muitos deles todo dia nas ruas e trocávamos algumas palavras. A maioria não gostava que tirassem fotos dele se você fosse um estranho. Mas se te conheciam, eles aprovavam ser fotografados.

Tenho memórias de várias pessoas. Lembro desse cara mais velho, Ned, andando com sua bengala. Ele morava um andar acima no meu prédio, e costumava sentar na frente do prédio e passar o dia inteiro bebendo. Muitas vezes, no final do dia, a calça dele estava molhada porque ele acabava se mijando. Eu o encontrava e dizia "Ned, você se mijou de novo. Me deixa te levar para o seu apartamento", e eu o ajudava a chegar até a porta. Lembro de fotografar garotos que vinham até o meu apartamento. Por volta daquela época, eu tinha um computador IBM e ensinava a garotada a digitar.

Qual o período de tempo em que você tirou as fotos do livro? Você viu o Harlem mudar durante aquele período?
A maioria das imagens foram feitas entre 1990 e 1995. Quando me mudei para o Harlem, o prefeito era Ed Koch. Foi o prefeito Dinkins que facilitou a vida dos moradores do Harlem. Depois veio Giuliani, foi depois de ele ser eleito que o Harlem começou a mudar. Com as operações dele, muitos membros de gangues foram presos e o Harlem se tornou mais seguro para os moradores e visitante. Mas de certa maneira, por causa das gangues a área era bem protegida contra pessoas de fora antes de Giuliani.

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Quanto tempo levou para publicar esse trabalho?
Eu queria transformar essas fotos num livro bem depois, então guardei as fotos e os negativos por um longo tempo. Quando senti que era hora de revelar as fotos, comecei a fazer alguns testes. Primeiro, eu tinha que achar uma direção sólida para as revelações — como eu gostaria que fosse o visual das fotos impressas. Isso levou um longo tempo — quase três anos ou mais porque o papel fotográfico que usei na época tinha saído de circulação. Eles tiveram que experimentar com outro tipo de papel, mas quando tudo estava prestes a ser finalizado, o outro papel também foi descontinuado. Eu não achava um tipo de papel que gostasse. Não tive escolha a não ser misturar meus próprios químicos para obter as imagens que eu tinha em mente. Quando terminei as revelações, mostrei para algumas pessoas que me recomendaram editoras. Escolhi a TBW Books e aí as coisas começaram a se desenrolar. Adorei como eles viram as fotos e as colocaram no livro como uma narrativa.

O que você sente vendo essas fotos agora?
É quase como ver minha família, porque as vi muitas vezes na câmara escura. Também não consigo deixar de sentir o poder da fotografia. Por alguma razão, parece que fotos são como bons vinhos. O tempo acrescenta outra dimensão de qualidade emocional — algo que você não pode ver mas sente.

Once in Harlem de Katsu Naito está disponível online e nas livrarias.

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