Foto por Bob Thomas/Getty Images
Uma das citações mais famosas atribuídas a James Dean é: “viva intensamente, morra jovem e deixe um cadáver bonito”. Quem disse isso, na verdade, foi o personagem Nick Romano, interpretado por John Derek no filme “O Crime Não Compensa”, de 1949. Mas a citação passou a ser associada a Dean e serviu de slogan extraoficial para todas as charmosas gerações hedonistas dos anos 50 em diante. Mesmo no futebol, a filosofia se aplica; não há seleção mais conectada com ela do que um grupo improvável de garotos que debutou na Copa do México, em 1986. Nesse ano, a Dinamarca encarnou a máxima de Romano no futebol.A seleção estava em ascensão desde 1979, quando o visionário técnico alemão Sepp Piontek arrancou a Dinamarca da morosidade amadora e a impulsionou a uma era profissional. Com uma geração de jogadores de ouro, cuja maioria estava no ápice da carreira, entre os 28 e 32 anos, parecia que tinha chegado a hora da Dinamarca. Era uma oportunidade única, quase palpável. Os Roligans — torcida do país, famosa pela descontração polida — cruzaram o oceano em larga escala. Em casa, na Dinamarca, a música oficial da Copa, intitulada Re-Sepp-Ten , virou o maior hit de vendas de todos os tempos, e do outro lado do mundo, no torneio, a seleção revelou ao mundo uma das camisas mais icônicas do futebol.A Hummel, designer do uniforme dinamarquês, vinha pensando fora da caixa havia dois anos. O uniforme da seleção francesa de 1984 quebrou os paradigmas ao incorporar mangas brancas com bordados vermelhos. No mesmo ano, durante as Olimpíadas de Los Angeles, o trabalho da Hummel para a equipe dinamarquesa de handball também deu o que falar. Com as listras diagonais em cores de confeitos nas blusas e shortinhos ousados, a equipe ganhou a alcunha de bolsjedrengene (os garotos-bombom). Nos anos que antecederam a Copa do México, a equipe de design da Hummel chegou a viajar o mundo em busca de novas referências, enquanto os padrões com blocos de cor se tornavam a moda do momento. Os resultados, apresentados no lançamento do uniforme dinamarquês para a Copa do Mundo, em Copenhagen, em fevereiro de 1986, foram reveladores.A camisa se dividia em dois painéis distintos, listrados: uma metade com listras finas brancas e vermelhas, e outra, com listras em tons mais escuros de vermelho. As mangas e o short seguiam a mesma identidade visual, com uma linha azul de costura de contorno para reforçar o contraste das cores. O material era leve e aerodinâmico, uma camisa propositadamente fininha para dar conta do calor brutal do México. O diretor de marketing da Hummel, que ostentou um cardigã com a mesma estampa no lançamento, prospectou que as vendas da camisa chegariam a dez milhões de coroas dinamarquesas (um milhão de libras). Quanto aos jogadores, depois de uma disputa de embaixadinha com os colegas Per Frimann e Frank Arnesen para alegrar as câmeras, Morten Olsen elogiou o estilo inovador do uniforme. “É… diferente”, disse o capitão da Dinamarca, que costumava mesmo ser cauteloso. “Novos ares.”O uniforme dividiu a opinião pública antes mesmo da Dinamarca partir para a atmosfera rarefeita do México. O jornalista Per Høyer Hansen alegou que era um insulto aos jogadores. “Teve gente que aproveitou os farrapos para remendar a cortina da cozinha”, brincou. O uniforme logo ficou conhecido como “O Traje de Carnaval” e virou alvo de chacota nos jornais. A opinião pública não mudou muito desde então. “Era horrível, mesmo em retrospecto”, refletiu Klaus Berggreen, um dos meios-de-campo da época, que depois chegou a trabalhar na indústria da moda. “De qualquer forma, foi uma jogada de marketing fantástica.”Ele não estava errado. Por fim, a camisa foi aprovada pela FIFA — contanto que os shorts retomassem o vermelho monocromático —, deixando de lado o receio das listras interferirem nas transmissões televisivas. As opiniões foram controversas na Dinamarca, mas o projeto inovador logo conquistou jovens dos quatro cantos do mundo. Em oposição às inúmeras camisas básicas e tradicionais usadas pelas demais seleções do torneio, parecia mais ter saído de um quadrinho de ficção científica. Entre os fãs de nostalgia, a camisa e a seleção que a vestiu viraram lendas.“De certa forma, é uma camisa revolucionária”, disse Doug Bierton, cofundador do site Classic Football Shirts. “Acho que a Adidas e as outras grandes marcas do futebol aprimoraram os uniformes depois dela. Foi o início da grande era de camisas de futebol, do design gráfico dos anos 80 e 90.” Bierton lista a camisa de 86 da Dinamarca entre as três mais icônicas de todos os tempos, ao lado da camisa da Holanda de 88, e a camisa da Alemanha Ocidental de 88-91, que ganhou fama com a vitória na Copa da Itália, em 90. Ambas foram produzidas pela Adidas em resposta imediata ao novo patamar de uniformes.A última vez que uma camisa da Dinamarca de 86 foi colocada à venda, arremataram a compra em cinco dias, por 300 libras. Com cada vez menos camisas originais em circulação, a expectativa é que o valor continue subindo. O camisa de visitante, com listras brancas predominantes, em vez de vermelhas, é ainda mais rara, e não aparece em estoque no Classic Football Shirts há mais de ano. Apesar dos pesares, com seu tom chamativo de vermelho, o uniforme de mandante hipnotizou toda uma geração. Em 2017, numa pesquisa realizada pela revista FourFourTwo, a blusa ficou no topo da lista das 50 Camisas Favoritas do Futebol.Depois da Copa do México, o design foi cooptado por clubes. Na Inglaterra, o Southampton, o Aston Villa e o Coventry fizeram versões nas próprias cores, ao passo que o Feyenoord, o Pisa, o Sporting Clube de Portugal e o Vitória de Guimarães seguiram a moda na Europa continental. Em 2015, o Club Atlético Huracan, da Argentina, usou uma versão-pastiche na Copa Libertadores. Diferente da citação atribuída a James Dean, as imitações da camisa não recebem o mesmo carinho da torcida. Independente dos clubes todos que usaram o design nos anos seguintes, ela nunca foi associada a um time em particular. Mas o que define uma camisa icônica? “Costumo dizer que são três fatores”, explicou Bierton. “O design, os momentos e as estrelas do time.”A Dinamarca não só fez jus ao uniforme na Copa do Mundo de 86, como desestabilizou seus adversários. Muitos torcedores se preparavam para o pior, visto que tinham caído no Grupo E, com a Alemanha Oriental, o Uruguai e a Escócia — o treinador do Uruguai, Omar Borrás, chegou a comentar que era o grupo da morte. Contudo, os dinamarqueses simplesmente saíram driblando e venceram todas as partidas de grupo. O futebol que jogaram foi de tirar o fôlego, especialmente na partida seminal de 6 a 1 em que arrasaram o Uruguai. Michael Laudrup, o gênio precoce da equipe, rendeu à camisa seu momento mais reproduzido na televisão, ao fintar toda a defesa do gigante sul-americano e marcar o gol.Nenhuma outra seleção usou a imaginação na fase de grupos como fez a Dinamarca; era a epítome do estilo escandinavo, impecável, descontraído e, acima de tudo, divertido. E então, tão arrebatador quanto o apaixonamento, veio o coração partido. Quando a seleção se deparou com a Espanha nas oitavas, a filosofia ofensiva da equipe não deu muito certo. Conforme se esgueirava pelo campo em busca de gols, a seleção espanhola contra-atacava, e acabou que a Dinamarca foi arrebatada por um placar de 5 a 1. Foi uma conclusão brutal para uma seleção que, por um momento, pareceu capaz de vencer o campeonato. A recusa da seleção dinamarquesa em se comprometer com princípios disciplinados custou um lugar legítimo no panteão de melhores seleções a jamais vencerem uma Copa.O grupo de jogadores gradualmente se afastou da seleção nos anos seguintes, e a camisa nunca mais foi vista em um campeonato internacional. Por conta disso, virou um grande símbolo de infância para toda uma geração, tão ligado àquele verão mexicano quanto a munhequeira do alemão Gary Lineker, ou a sombra em forma de aranha sobre o Estádio Azteca, ou tudo que Maradona fez. De quando em quando, uma seleção capta o espírito de uma nação; em 1986, a camisa da Dinamarca captou o espírito de uma seleção. “Não é que os jogadores tenham colaborado com o design”, disse Birgit Leitner, que trabalhou na camisa para a Hummel, “mas era um bando de garotos divertidos e exuberantes. Estar com eles revigorava os ânimos”.Revigorava mesmo, de todo mundo. O sonho de vencer a Copa do Mundo pode ter morrido cedo para a Dinamarca, mas qual outro time brilhou tanto na estica?Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.
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