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Uma carta de amor ao Fotolog

Se você não chegou a apagar a sua conta, ainda dá para acessá-la.
Todas as fotos da autora

Dizem que o Fotolog foi a primeira grande rede social, mas essas pessoas se esquecem do MSN. Dizem que o Fotolog foi fechado definitivamente em janeiro de 2016, mas quem diz isso nunca tentou googlar "Fotolog-e-seu-nome-de-usuário-na-época". Estão todos errados, acredite: aquela rede dos anos 2000 que fez com que a gente começasse a intuir que o nosso eu analógico teria que passar a conviver com um eu digital ainda pode ser visitada.

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Sim. Se você não apagou a sua conta do Fotolog — e caso tenha apagado você cometeu um grande erro, porque a vergonha de ontem é a risada de hoje —, ainda dá para acessá-la.

No dia 30 de setembro de 2014, o Orkut rodou e com ele rodaram também as suas lembranças do colégio. Os scraps, os depoimentos que asseguravam que você era D+, e comunidades maravilhosas como “Eu abro a geladeira pra pensar”, “Só observo” e “Sou legal, ñ tô te dando mole”. Se você não aproveitou o prazo dado pelo Orkut até 2016 para baixar suas fotos, o Fotolog é a sua última chance de recuperar as imagens — granuladas, bem granuladas — dessa etapa da sua vida.

A melhor rede de todas ainda abriga registros dos seus primeiros porres, daquela época em que La Gasolina ainda não fazia sucesso porque o reggaeton não era reconhecido como um gênero. Daqueles anos em que faltava muito pouco para a moda dos óculos de acrílico colorido, em que todos nós éramos um pouco emos e um pouco bregas. De quando nossos iPods alternavam músicas do Charlie Brown Jr. e Raimundos com Blink 182 e Is This It de The Strokes, e a reboque alguma canção do My Chemical Romance.

Tudo isso nos tempos do Fotolog.

Pode ser que esta expressão, "nos tempos do Fotolog", seja para a nossa geração o equivalente ao "tudo isso era mato" dos nossos avós ou o "agora é tudo mais fácil" dos nossos pais. "Nos tempos do Fotolog" a gente não ia dormir vendo pedacinhos da vida dos outros no celular e consequentemente abrindo mão de pedacinhos da nossa própria vida.

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Nos tempos do Fotolog, a gente não dava likes nem retweets enquanto cagava: para cagar, a gente lia o suplemento de domingo de algum jornal ou a parte de trás do xampu ou, quando muito, checava os SMS e refletia se tinha sido uma boa ideia ou não terminá-los com "S2 e vc?".

Mas o mais importante do Fotolog, a magia de tudo aquilo, era que o open bar da interação social ainda não havia chegado às nossas vidas. A não ser que você se inscrevesse na opção Premium, coisa pouco provável considerando a sua mesada de 10 ou 15 mangos, o Fotolog só te permitia subir uma foto por dia.

Faltava ainda alguns anos para a chegada do WhatsApp e você pagava por cada SMS que enviava. Se queria conversar pelo MSN, tinha que combinar com seus irmãos as horas que cada um poderia usar o computador da casa. Ou você se via obrigado até a negociar com seus pais para que não usassem o telefone durante um período, porque sim: houve um tempo em que o telefone fixo era usado e em que não se podia usar o telefone fixo e a internet ao mesmo tempo porque eles funcionavam por meio do mesmo cabo.

Não havia tarifa fixa de dados no celular, não existia a possibilidade de encher o saco do(a) seu(sua) namorado(a) ou dos seus amigos com as coisas que você pensava ou fazia. Você não podia se comunicar com eles incondicionalmente, sempre que desse vontade, e com uma dezena de ferramentas à disposição.

Mas aí chegou o Orkut e tudo mudou. As redes passaram a ser mais usadas para os depoimentos pessoais do que para a criatividade, sites feitos simplesmente para deixar registrado o que a gente faz, páginas para expor as 20 fotos da noite anterior, com enquadramento ou não, só para as pessoas verem onde e com quem a gente andou.

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Digamos que o Orkut era os stories de hoje, um totum revolutum sem pé nem cabeça, e muitas vezes desinteressante, que a gente só usava para que o resto das pessoas soubessem o quanto éramos legais. O Fotolog, por sua vez, era o feed do Instagram, mas numa versão inocente e criativa. Uma versão muito mais inocente e criativa do que o feed do Instagram.

Porque no Fotolog ainda primava a criatividade. A qualidade antes da quantidade. A gente ainda acreditava — pequenos querubins — que o que importava era a nossa capacidade inventiva, a qualidade da nossa escrita ou os macetes que tínhamos aprendido, como autodidatas, no Picasa.

Como só se podia fazer uma publicação por dia, a gente punha o máximo de cuidado em cada uma delas. O máximo, é claro, que uma câmera à pilha de 8 megapixels, uma webcam externa, um Nokia N95 ou Siemens C65 podia oferecer.

A gente editava as fotos com o que tinha à mão. O Paint, o Picasa ou até o scanner do computador da casa e umas canetinhas. Os mais geeks baixavam o Photoshop com o eMule ou o Ares, e os mais profissas se viravam com as poucas opções que a interface oferecia: título da capa, lugar de nascimento (uma penca de gente que não sabia nem onde ficava a Etiópia colocava que tinha nascido em Adis Abeba, e outros vários, entre os quais me incluo, dizia no Fotolog que era das Virgin Islands).

Outro ponto-chave do Fotolog, outro motivo pelo qual a gente deveria voltar a ele, é que não existiam likes. A plataforma não contemplava a aprovação alheia e talvez por isso éramos mais livres. Para arrasar, você não precisava ter um monte de likes, porque não existiam likes. Para arrasar você só precisava arrasar.

Arrasar sem GIFs, nem memes, nem emojis. Arrasar escrevendo e arrasar editando as fotos com o Paint depois do almoço, que era quando ninguém usava o único computador da casa. Arrasar sem ter as ferramentas para isso e sem sequer saber que estava arrasando.

Se a gente tivesse continuado usando o Fotolog, o mundo seria um lugar melhor. Um lugar sem likes, um mundo sem stories, um contexto em que não sentiríamos a necessidade contínua de validar a nossa existência duas vezes: vivendo e contando.

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