Por dentro do fenômeno dos reacts de rap no YouTube

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Por dentro do fenômeno dos reacts de rap no YouTube

Conversamos com os responsáveis por vários canais de reações/análises para entender a onda que surgiu há alguns meses na internet.

De uns tempos pra cá, se você vai ouvir um rap no YouTube e deixar o autoplay do próximo vídeo ativado, é bem provável que rapidinho você acabe escutando não o mais novo clipe do Migos, mas sim um react. O react, no geral, é uma pessoa na frente de uma câmera mostrando suas reações ao ouvir um determinado som — e, na maioria das vezes, ainda rola uma análise de brinde. Vale lembrar que esse formato de vídeo não é algo novo, apesar do sucesso atual. Gente sendo filmada e fazendo caras e bocas enquanto assistem a um vídeo é algo que existe na internet desde a época do saudoso 2girls1cup . Mas por que recentemente, no circuito do rap, surgiram tantos canais desse tipo? Por que tem vídeos de react com mais visualizações que o vídeo original do som?

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O primeiro a fazer um vídeo de react de rap, de acordo com ele mesmo, foi o Guilherme Treeze, responsável pelo canal FalaTuzetre. "Eu vi reação sobre algum outro vídeo e falei "mano, eu posso fazer isso no rap". Eu já tinha feito o Disco Dixavado, em que eu falava de cada elemento da faixa do Pirâmide Perdida Vol. 7, lá do Rio de Janeiro e aí eu pensei 'ah, eu posso fazer esse Disco Dixavado da música que eu quiser, então vou fazer uma análise falando tal do instrumental, do audiovisual, do verso destaque, da rima destaque, da técnica e do geral'", lembra o Treeze, que rejeita o rótulo de youtuber. A partir do primeiro react, a galera gostou e a coisa começou a fluir.

Com o crescimento do FalaTuzetre, o próprio público de outros canais começou a pedir para que outras figuras da cena gravassem esse tipo de vídeo, como aconteceu com a Lívia Cruz. "Eu comecei a fazer vídeos comentando assuntos com temas de rap e os seguidores pediam muito pra fazer react, aí comecei fazendo a "react da react", zoando um colega que tinha feito react de um som meu", conta a MC, que sacou que isso poderia ser de alguma utilidade. "Entendi que eu poderia dar mais visibilidade a coisas que eu gosto também, ao invés de focar no som da moda pra ter mais views e seguidores".

Ideia parecida teve o Mascarenhas, que depois de ter parado de fazer reacts em seu canal, que existe desde 2010 com conteúdo variado, voltou com outra URL só para atender os fãs. "Quando eu vi o FalaTuzetre fazendo os reacts, eu achei bacana, mas sentia falta de ver uns reacts de grupos e artistas solos que são muito bons, mas não tem visibilidade. Pensei em fazer o canal pra falar de quem tá no topo e de quem é bom mas não tem visibilidade".

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O caso do Eduardo Duzz, mente por trás do canal Dukrl, é um pouco diferente. Ele tentou subir naquela leva de criador de conteúdo de entretenimento, mas acabou ficando de saco cheio de produzir algo que não era muito sua cara. "Eu já tava estressado, enjoado, cansado. O YouTube também dando alguns problemas, resolvi tacar o foda-se e fazer só coisas envolvendo rap porque queria viver isso. Vi os reacts, me interessei e acho que tô me saindo bem", comenta.

Por incrível que pareça, não há um canal gringo de inspiração para eles. Enquanto o Mascarenhas diz que as ideias dele são da própria cabeça — e a Lívia Cruz também — o Treeze até assume que bebe em outras fontes para fazer os vídeos e que pega umas gírias de uns trutas, como aquele clássico final em que ele fala "então tamo junto rapaziada e é nóis". "Eu vejo muito youtuber que não tem nada a ver com rap: o Cauê Moura, o PC Siqueira, o Cocielo, Whindersson Nunes, o Fred + 10 dos Desimpedidos, às vezes eu acabo vendo muito e pego umas gírias", diz.

A essa altura do campeonato, o próprio Treeze serviu de inspiração pra outro canal, o Sem Stress TV, criado pelo Natanael Santos, que teve a ideia de unir duas paixões. "Sempre ouvi rap e quando vi algumas pessoas na ideia de fazer react, pensei: 'por que não juntar duas coisas que gosto: fazer vídeos e ouvir rap?'", lembra. O Rai Faustino também tentou entrar nessa de fazer react, mas não curtiu muito o formato da parada. "Entendo o valor do formato e o porquê das pessoas assistirem, mas não sou consumidor assíduo e nem me identifiquei com o formato quando tentei trazer pro meu canal. Mas respeito todos que fazem e consomem", conta.

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Por se tratar de um formato novo, muita gente ainda se questiona: pra que serve esse tipo de vídeo? O Rai Faustino acha que é pra se entreter. "A principal função de um react é entretenimento. É como se as pessoas estivessem assistindo o vídeo com um amigo e vendo as reações dele. Elimina aquela frustração que às vezes a gente tem de mostrar algo engraçado pessoalmente pra alguém, ficar olhando pra cara da pessoa e esperar ela rir, e nada… (risos)". A palavra amigo citada por ele revela uma questão que esbarra no comportamento contemporâneo dos jovens: a das amizades virtuais e da perda de contato, e isso para a Lívia Cruz tem relação com o fenômenos dos reacts. "Acho que a molecadinha gosta do react porque sente ali que tá sendo orientado por um cara do rap ou mesmo uma coisa menos elaborada que isso, porque sente que tá vendo pela primeira vez uma música nova na companhia de um amigo. Acho que tem um pouco de solidão nessa geração da internet e acho que esse é o público que mais assiste", reflete a pernambucana, que prossegue. "Também acho que tem um lance de interação, de interagir com o próprio youtuber, interagir com os outros inscritos que estão ali comentando e desses comentários surgem discussões e tal, eu acho que é um comportamento social contemporâneo. Você se relaciona por ali e acho que o público é muito jovem e não teria mesmo como fazer isso de outras formas, colar em festas, ir em shows, então a forma de conhecer as músicas, os artistas e interagir com as pessoas que gostam desse universo fica sendo facilitada por essa ferramenta."

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O Mascarenhas pensa parecido. "Hoje em dia não existe mais contato físico, os contatos sentimentais são transmitidos através de um PC, celular e etc… Então a maioria desses jovens busca um amigo, alguém pra poder conversar, assistir, alguma forma de esquecer os problemas. A maioria procura na internet o que não acha em casa, já que a vida de um pai e uma mãe brasileira é muito corrida e na maioria das vezes só sobra tempo pra dormir".

O Guilherme Treeze usa o react como uma forma de expressar sua opinião sobre os sons e passar questões técnicas relacionadas às músicas dos reacts/análises que faz. "Eu procuro passar algumas visões referentes a questões técnicas da música, falo da técnica que a pessoa usou, qual foi a metáfora, o trocadilho, a antítese, a analogia, a punchline, a multi silábica… Tento faer com que a pessoa se sinta informada em relação ao ritmo e poesia, porque a arte de fazer rap não é sair falando em cima de uma base e pagar de maloqueiro, é saber falar aquilo que você quer falar de uma forma técnica", explica.

Ao passar suas visões e sempre ter opiniões formadas sobre os sons que são analisados, surge uma possível falta de senso crítico das pessoas, já que em muitos casos, o público de um determinado canal fica esperando a opinião de alguém para formar a sua própria opinião. "Eu não sei se deveria ser só assim, às vezes a pessoa deveria tomar um norte de mim e falar 'vou ver essa referência, mas vou seguir a minha opinião também'", afirma Treeze.

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Pro Rai Faustino, esse é o ponto negativo dos reacts. "Em alguns casos as pessoas deixam de formar sua própria opinião, esperando alguém fazer react pra dizer se o som presta ou não… Isso não é culpa da gente que faz vídeo, mas de qualquer maneira é um efeito colateral que precisa ser combatido. Senso crítico é importante", diz. A Lívia Cruz concorda com ele, apesar de dizer que não tem tanta conexão com a molecada e de não entender como funciona a formação de opinião para eles. "Eu tenho a minha memória de quando era adolescente mas não existia nada disso. Então não sei como hoje em dia se forma opinião e isso é muito louco, né? Você basear a sua opinião cegamente em um comentário de outro que é tão raso né, a maioria dos reacts/análises é muito raso."

O hip hop nunca esteve presente nas mídias mais tradicionais. Quem cresceu entre a década de 90 e o começo dos anos 2000, lembra-se talvez do Yo!, lendário programa apresentado pelo KL Jay e o Espaço Rap, responsável pela iniciação de muitos no gênero. Justamente por isso, os canais do YouTube surgem como uma forma de mídia alternativa. Mas quem produz o conteúdo acha que essa é uma nova forma de fazer jornalismo cultural? Há divergências. A Lívia Cruz, por exemplo, acha que não. "Se a maioria fizesse com mais seriedade poderia se aproximar de como eram feitas críticas musicais antigamente – antigamente, olha que pessoa velha (risos) – ou talvez eu esteja vendo os reacts errados, ou talvez eu não veja reacts — verdade seja dita", brinca. O Natanael acha que está no caminho, mas que ainda falta algo. "Não chegamos nesse nível ainda, vai demorar mais um tempo. O pessoal não entendeu ainda que os reacts podem alcançar essa proporção, que podemos inovar", pondera. Já o Rai Faustino acha que não vai substituir, mas que é uma forma de somar, sempre incentivando o senso crítico. "Acho que veio pra agregar, uma nova mídia para divulgar artistas e difundir conhecimento sobre rimas, musicalidade, etc", afirma. E pro Treeze essa é uma alternativa. "O canal acaba virando uma mídia alternativa, muita gente quer lançar seu videoclipe aqui no meu canal, ou então, "ou, eu quero que você faça uma react", e isso vira até uma forma de ganhar a vida também, por que não?".

Se quando o assunto é o jornalismo cultural/musical existe uma pequena divergência entre o pensamento dos entrevistados, quando perguntados sobre a importância dos reacts e análises para o rap brasileiro, a resposta é quase que uníssona. "Eu acho que é a melhor mídia de divulgação que a gente tem no momento fora o canal do RapBox, que foi pioneiro de ser um canal que produz conteúdo de rap, fora o RapBox, como plataforma, como jeito do artista se apresentar ali numa faixa exclusiva e lançamentos de videoclipes e tudo mais, o react é uma das mídias mais importantes pra divulgação dos artistas hoje", afirma Lívia Cruz, com quem Mascarenhas concorda. "Ajuda muito na parte de divulgação, se não fosse o FalaTuzetre a música "Ponta de Lança" do Rincon não teria alcançado 1 milhão de visualizações. E muitos outros que todos nós divulgamos. E isso é triste, Amiri, Rincon e muitos outros não tinham que ganhar reconhecimento do público por causa de divulgação em react/análise", diz o youtuber, que enxerga nas produções até uma forma de elevar o nível do rap game. "O react mudou a forma que as pessoas enxergavam as músicas".

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