Os ricos e poderosos querem um Ministério Público deitado às suas ordens. (Filme "Pretty Woman", com Richard Gere, 1990. Foto cortesia Touchstone Pictures)
O ano vai ficar indelevelmente marcado pela nomeação do próximo Procurador Geral da República. Até meados de Outubro, saberemos se o Governo e o Presidente da República estão de acordo quanto à escolha e se isso origina a saída de Joana Marques Vidal.Era mau que assim fosse. A impunidade do "peixe graúdo" não pode voltar aos tempos de Pinto Monteiro e outros "belos adormecidos" da Justiça portuguesa.Portugal podia e devia ser o melhor local da Europa para viver. Às belas paisagens naturais junta-se a riquíssima gastronomia, um povo acolhedor, uma nação que está fora dos alvos prioritários de terroristas e um custo de vida razoável - muito melhor se contabilizarmos as alternativas a Lisboa e Porto.O futebol continua a ser a maior bandeira lá fora e, nos entretantos, o País vai marcando golos noutras áreas - ciência, turismo, novas tecnologias ou a luta contra a toxicodependência. Depois, há o lado obscuro relacionado com estranhos expedientes e excesso de manganões. Por mais que haja pessoas (a começar por pivôs televisivos) que arregalam os olhos quando se fala do grau de falcatruas em Angola e Brasil, nada diz que por cá seja assim tão diferente.No início deste ano, um relatório apresentado pela organização não governamental Transparency International, deduz que a terra de Camões é mais corrupta do que a média europeia. Indo de encontro a essa conclusão, sem surpresa vemos um elevado número de sectores do Estado e do Privado a serem escrutinados e investigados. Um trabalho que se tem evidenciado desde Outubro de 2012, altura em que Marques Vidal tomou conta da pasta. Tendo em conta uma cultura nacional que participa (ou é conivente) na pequena corrupção (a chamada liga dos "jeitinhos"), nada disto é anormal. Quanto mais se sobe na escada social, mais o descaramento parece maior.A alegada corrupção de colarinho branco ou aquelas supostas intrujices feitas por gente que se julga intocável, sentiu o abalo judicial e judiciário nos últimos seis anos. Ao serem citados nomes importantes do espectro político (José Sócrates-PS/Operação Marquês; Miguel Macedo-PSD/Vistos Gold; Bloco Central/Tutti-Frutti), sem esquecer processos que vão do universo militar à banca (Zeus e BES), do futebol à justiça (Benfica envolto em vários/Sporting e o Cashball; Rui Rangel e o Lex), e do universo empresarial à inclusão de figuras internacionais (caso EDP e Manuel Vicente/ex-vice presidente de Angola na Operação Fizz), há uma convicção geral de que algo mudou. Neste contexto, jamais se deve regressar aos dias em que fortes indícios e suspeições, envolvendo poderes instalados, ficam a apanhar pó nas gavetas. Ninguém deve estar acima da lei. Pelo menos, num Estado de Direito que se quer dar ao respeito…No limite, a actual Procuradora permanece no cargo se nenhum dos nomes propostos pelo Executivo for aprovado por Marcelo. Os críticos, que estão em pulgas para ver o seu afastamento, apontam pedras antes e durante a corrente função. O facto de ter sido maleável nas adopções da IURD, quando esteve no Tribunal de Menores, na década de 90; os vídeos sobre os interrogatórios a suspeitos que serviram de isco para audiências na TV; o resultado do inquérito ao caso Tecnoforma que não deu em nada, quando posteriormente foi censurado por instâncias europeias; e o arquivamento com insinuações lamentáveis de um despacho onde estava implicado Dias Loureiro. Em relação às fugas ao segredo de justiça, o sistema foi sempre um queijo suíço muito antes dela. Na primeira década deste Milénio, isso foi notório diversas vezes. Lembras-te da Casa Pia?Entre o deve e o haver, Joana Marques Vidal deixa uma esplêndida herança onde, por exemplo, torna os portugueses contudentes e menos cegos com os prevaricadores de topo. Recorrendo ao sarcástico e contraditório Black Skin, no saudoso "Vai Tudo Abaixo" (da SIC Radical), apetecia dizer "acabou-se a mama toda!". Infelizmente, ainda há muita…Desde que o futuro da Procuradoria começou a ser tema em alguns fóruns, os socialistas vão transparecendo o seu desconforto com o andar da carruagem judicial (já agora, durante a usual rentrée, após fretar um comboio para ir de Pinhal Novo a Caminha, o PS aceitou - ou ordenou? - que a CP atrasasse os horários de outros. É com cada uma…). A propósito do edifício "Mono do Rato", o chefe de gabinete de Mário Centeno, André Caldas, escreveu que o "Ministério Público tem mostrado com regularidade não compreender os limites à sua actuação" e, em consequência, é a "democracia quem sofre". Este recado deixado no Facebook é elucidativo do sentimento rosa sobre um dos assuntos do momento. Há um medo latente que a "dama de ferro" prolongue a sua estada.Ao contrário de Pedro Filipe Soares (líder parlamentar do BE) e Assunção Cristas (presidente do CDS), que apoiam a recondução de Marques Vidal, o primeiro-ministro e o principal dirigente do maior partido da oposição, Rui Rio (este em toada "nim"), já deram sinais de aprovarem a mudança no posto. Do lado dos comunistas, Jerónimo de Sousa reconhece "avanços significativos" neste mandato, mas prefere estar de fora do debate. Resta saber qual a opinião de Belém e, no fim de contas, se vem alguém para continuar o trabalho sério da antecessora ou, utilizando velhas tácticas, prefere ser uma marioneta para travar processos sensíveis. Que vença o primeiro aspecto sob o signo da isenção e independência.
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