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Opinião

PS e a Justiça. Vem aí um "Belo Adormecido"?

Os socialistas andam inquietos para afastar Joana Marques Vidal da Procuradoria Geral da República. Nomes relevantes da política, do futebol ou do mundo empresarial adorariam.
Os ricos e poderosos querem um Ministério Público deitado às suas ordens. (Filme "Pretty Woman", com Richard Gere, 1990. Foto cortesia Touchstone Pictures)

O ano vai ficar indelevelmente marcado pela nomeação do próximo Procurador Geral da República. Até meados de Outubro, saberemos se o Governo e o Presidente da República estão de acordo quanto à escolha e se isso origina a saída de Joana Marques Vidal.

Era mau que assim fosse. A impunidade do "peixe graúdo" não pode voltar aos tempos de Pinto Monteiro e outros "belos adormecidos" da Justiça portuguesa.

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Joana e a coragem de enfrentar os "trafulhas disto tudo"

Foste tu que pediste mulheres "com eles no sítio"? (A estreia da sexta e última temporada de "House of Cards", com Robin Wright, estreia em Novembro. Foto cortesia Netflix)

Portugal podia e devia ser o melhor local da Europa para viver. Às belas paisagens naturais junta-se a riquíssima gastronomia, um povo acolhedor, uma nação que está fora dos alvos prioritários de terroristas e um custo de vida razoável - muito melhor se contabilizarmos as alternativas a Lisboa e Porto.

O futebol continua a ser a maior bandeira lá fora e, nos entretantos, o País vai marcando golos noutras áreas - ciência, turismo, novas tecnologias ou a luta contra a toxicodependência. Depois, há o lado obscuro relacionado com estranhos expedientes e excesso de manganões. Por mais que haja pessoas (a começar por pivôs televisivos) que arregalam os olhos quando se fala do grau de falcatruas em Angola e Brasil, nada diz que por cá seja assim tão diferente.

No início deste ano, um relatório apresentado pela organização não governamental Transparency International, deduz que a terra de Camões é mais corrupta do que a média europeia. Indo de encontro a essa conclusão, sem surpresa vemos um elevado número de sectores do Estado e do Privado a serem escrutinados e investigados. Um trabalho que se tem evidenciado desde Outubro de 2012, altura em que Marques Vidal tomou conta da pasta. Tendo em conta uma cultura nacional que participa (ou é conivente) na pequena corrupção (a chamada liga dos "jeitinhos"), nada disto é anormal. Quanto mais se sobe na escada social, mais o descaramento parece maior.

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A alegada corrupção de colarinho branco ou aquelas supostas intrujices feitas por gente que se julga intocável, sentiu o abalo judicial e judiciário nos últimos seis anos. Ao serem citados nomes importantes do espectro político (José Sócrates-PS/Operação Marquês; Miguel Macedo-PSD/Vistos Gold; Bloco Central/Tutti-Frutti), sem esquecer processos que vão do universo militar à banca (Zeus e BES), do futebol à justiça (Benfica envolto em vários/Sporting e o Cashball; Rui Rangel e o Lex), e do universo empresarial à inclusão de figuras internacionais (caso EDP e Manuel Vicente/ex-vice presidente de Angola na Operação Fizz), há uma convicção geral de que algo mudou. Neste contexto, jamais se deve regressar aos dias em que fortes indícios e suspeições, envolvendo poderes instalados, ficam a apanhar pó nas gavetas. Ninguém deve estar acima da lei. Pelo menos, num Estado de Direito que se quer dar ao respeito…

No limite, a actual Procuradora permanece no cargo se nenhum dos nomes propostos pelo Executivo for aprovado por Marcelo. Os críticos, que estão em pulgas para ver o seu afastamento, apontam pedras antes e durante a corrente função. O facto de ter sido maleável nas adopções da IURD, quando esteve no Tribunal de Menores, na década de 90; os vídeos sobre os interrogatórios a suspeitos que serviram de isco para audiências na TV; o resultado do inquérito ao caso Tecnoforma que não deu em nada, quando posteriormente foi censurado por instâncias europeias; e o arquivamento com insinuações lamentáveis de um despacho onde estava implicado Dias Loureiro. Em relação às fugas ao segredo de justiça, o sistema foi sempre um queijo suíço muito antes dela. Na primeira década deste Milénio, isso foi notório diversas vezes. Lembras-te da Casa Pia?

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Entre o deve e o haver, Joana Marques Vidal deixa uma esplêndida herança onde, por exemplo, torna os portugueses contudentes e menos cegos com os prevaricadores de topo. Recorrendo ao sarcástico e contraditório Black Skin, no saudoso "Vai Tudo Abaixo" (da SIC Radical), apetecia dizer "acabou-se a mama toda!". Infelizmente, ainda há muita…

O que o PS quer é avisar (e proteger) a "sua malta"?

Não é preciso ser agente secreto para adivinhar o animado jogo de bastidores em redor do próximo PGR. (Filme "Red sparrow", com Jennifer Lawrence, 2018. Foto cortesia 20th Century Fox)

Desde que o futuro da Procuradoria começou a ser tema em alguns fóruns, os socialistas vão transparecendo o seu desconforto com o andar da carruagem judicial (já agora, durante a usual rentrée, após fretar um comboio para ir de Pinhal Novo a Caminha, o PS aceitou - ou ordenou? - que a CP atrasasse os horários de outros. É com cada uma…). A propósito do edifício "Mono do Rato", o chefe de gabinete de Mário Centeno, André Caldas, escreveu que o "Ministério Público tem mostrado com regularidade não compreender os limites à sua actuação" e, em consequência, é a "democracia quem sofre". Este recado deixado no Facebook é elucidativo do sentimento rosa sobre um dos assuntos do momento. Há um medo latente que a "dama de ferro" prolongue a sua estada.

Ao contrário de Pedro Filipe Soares (líder parlamentar do BE) e Assunção Cristas (presidente do CDS), que apoiam a recondução de Marques Vidal, o primeiro-ministro e o principal dirigente do maior partido da oposição, Rui Rio (este em toada "nim"), já deram sinais de aprovarem a mudança no posto. Do lado dos comunistas, Jerónimo de Sousa reconhece "avanços significativos" neste mandato, mas prefere estar de fora do debate. Resta saber qual a opinião de Belém e, no fim de contas, se vem alguém para continuar o trabalho sério da antecessora ou, utilizando velhas tácticas, prefere ser uma marioneta para travar processos sensíveis. Que vença o primeiro aspecto sob o signo da isenção e independência.


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