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Tonic

O trabalho deste cara é garantir que o público de festivais se drogue de forma segura

Em vez de fingir que ninguém se droga nos shows de música, Anton Gomes-Escobar ajuda e informa sem julgamentos.

Esta matéria foi originalmente publicada no Tonic.

Na edição desse ano do festival Tomorrowland, na Bélgica, não muito longe de uma tenda de segurança onde uma placa enorme proibia a entrada de drogas, Anton Gomez-Escolar Sanz ocupava uma pequena tenda onde se lia "INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS". Na mesa à frente, havia canudos para cheirar cocaína, um gráfico sobre a interação entre diferentes substâncias, panfletos que descreviam as drogas mais populares e uma fruteira cheia de laranjas — que, como explicava ele para os curiosos, são ricas em vitamina C, frutose e água, reduzindo os efeitos negativos das drogas.

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Gomez-Escolar Sanz mora em Madrid, na Espanha, e possui três mestrados, um deles em psicofarmacologia e abuso de drogas. Seus anos de estudo são postos em prática em seu trabalho como "técnico de baladas" da Energy Control Project, uma organização cujo objetivo é reduzir os danos relacionados a drogas em festivais e boates ao redor do mundo. Sua missão é selecionar os eventos que necessitam de serviços como conscientização e testagem de drogas, negociar com esses eventos o que sua equipe pode ou não falar, orientar os voluntários responsáveis pelas tendas e alertar o público ou os paramédicos em caso de perigo.

Embora Gomez-Escolar Sanz nunca incentive o uso de drogas, ele acredita que a conscientização é uma maneira mais eficaz de reduzir os possíveis efeitos nocivos dessas substâncias do que o alarmismo. Pesquisas mostram que a testagem de drogas já impediu que muitas pessoas consumissem substâncias perigosase que, como o trabalho de Gomez-Escolar Sanz comprova, a simples oportunidade de tirar dúvidas pode salvar vidas.

Ao longo da última noite do Tomorrowland, ele explicou a um homem que havia engolido um popper ele nunca deveria fazer isso, citou estatísticas criminais para explicar por que o álcool é responsável pela epidemia de violência sexual que aflige muitos festivais, explanou por que é melhor não misturar ácido com nenhuma outra droga caso você queira ter uma epifania e listou uma série de comidas e vitaminas que podem aliviar ressaca de MDMA.

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Um mês depois do fim do festival — um período de reflexão que julguei necessário — nos encontramos para que ele contasse as coisas mais loucas que ele já viu e os erros mais burros cometidos por frequentadores de festivais.

VICE: Sobre quais drogas você mais fala quando está trabalhando em um festival?
Gomez-Escolar Sanz: A maioria das pessoas tem dúvidas sobre o MDMA, a droga ilegal mais popular nesses eventos. Mas eu também respondo muitas perguntas sobre o álcool, que é, sem dúvidas, a droga mais consumida em festivais. As pessoas têm muitas impressões erradas sobre o álcool.

Quais, por exemplo?
A impressão de que o álcool não é perigoso ou de que ele não é uma droga. Isso pode ser visto em relação à mistura de substâncias. A maioria das pessoas me diz "não, eu não estou misturando drogas" ou "não, eu não estou usando nenhuma droga", mas isso não é verdade.

Quais outras ideias erradas você encontra no seu trabalho?
As pessoas pensam que o melhor jeito de tomar MDMA é colocando ele aos poucos na boca, mas é muito melhor dividir as doses em trouxinhas de papel ou em cápsulas, porque assim dá para saber quanto você está ingerindo. Se você vai tomar uma pílula de MDMA, é sempre bom dividir ela na metade ou em quatro partes. Nós já testamos pílulas com concentrações muito elevadas de MDMA — algumas com 250 mg e outras com até 280 mg — que podem ser muito perigosas caso você tome uma pílula inteira.

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Nós aconselhamos que se evite tomar mais de 1 a 1.5 miligramas por quilo do seu peso corporal. Outro equívoco comum é o tempo que as drogas demoram para fazer efeito. Muitas pessoas tomam uma droga e depois de vinte minutos dizem "isso não tá batendo, vou tomar mais". Isso é um erro, já que a maioria das drogas leva mais tempo para fazer efeito. Se você começar a tomar mais porque acha que a droga não vai bater, você pode acabar tendo uma overdose.

Qual foi a pergunta mais estranha que já te fizeram?
A mesma coisa já aconteceu em vários países: as pessoas perguntam quem somos e o que fazemos e, quando respondemos, elas riem e continuam andando… Aí em alguns segundos elas dão meia-volta e fazem algumas perguntas "privadas" sobre drogas. Outra pergunta muito comum é: "que droga você me recomenda?".

E qual é sua resposta?
Costumo dizer que se a ideia é usar drogas, o ideal é usar a substância mais segura que você possa encontrar dentro daquele contexto. E minha experiência me diz que, na maioria das vezes, a droga mais segura dentro desse contexto é aquela sobre a qual você tem mais informações.

Quais são os hábitos mais perigosos dos frequentadores de festivais?
Beber álcool demais, muitas vezes misturando álcool com doses excessivas de energético. Tanto a cafeína quanto o álcool são diuréticos, o que significa que eles te desidratam muito rápido. Misturar altas quantidades de álcool com MDMA é outro problema muito comum. O álcool te desidrata e faz você urinar bastante, o que não é bom quando se toma MDMA, que faz sua temperatura corporal subir.

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Você já salvou a vida de alguém?
Já vi algumas overdoses. Não oferecemos assistência médica, mas recebemos treinamento de primeiros socorros e tentamos ajudar as pessoas até a chegada dos paramédicos. Já ajudei pessoas que estavam tendo overdoses, talvez não fatais, mas daquelas que fazem você vomitar sem parar ou cair no chão.

E o que tende a causar essas situações?
O maior fator de risco é a falta de informação. A falta de informação é nosso maior inimigo. Ela se divide em dois tipos: o primeiro tipo é não saber exatamente o que você está ingerindo. Alguém te vende "cocaína" cheia de adulterantes, aí você acaba tendo uma overdose e uma série de reações a essa substância que não é cocaína.

O segundo tipo está relacionado à falta de preparo daqueles que usam drogas. Nosso trabalho é combater esses dois tipos de falta de informação. Para isso explicamos o que esperar de cada substância, quais são as doses seguras, quais são os maiores riscos, além de mostrar exatamente o que as pessoas estão prestes a usar. Você pode ser um especialista sobre a droga tal, mas isso não impede que você seja enganado.

A maior parte dos festivais não quer admitir que seus frequentadores usam drogas. Isso dificulta seu trabalho?
Quando entramos num festival sabemos o que a organização quer e o que ela não quer. Às vezes aquela é a primeira experiência da organização com programas de redução de danos, e o medo faz com que eles prefiram trabalhar mais com álcool, energéticos e substâncias mais leves do que com testagem de drogas. Mas na maioria das vezes eles acabam mudando o foco e entendendo que o que fazemos é extremamente útil em termos de segurança e de salvar vidas. No fim, eles acabam nos dando total liberdade.

Você já passou por alguma experiência bizarra trabalhando em festivais?
No começo do ano, a gente estava trabalhando em um festival de música no sul da Espanha quando um cara apareceu e começou a folhear nosso catálogo de drogas sintéticas, que mostrava todas as pílulas testadas nos últimos três meses. Ele parou em duas pílulas marcadas com um aviso de "Alerta" por causa de sua potência (cada uma tinha quase 250 mg de MDMA): uma rosa chamada "SoundCloud" e uma cinza conhecida como "Silver". Falamos para ele que aquelas pílulas eram muito fortes e que, caso ele estivesse planejando tomar alguma delas, ele deveria começar com um quarto de dose. Ele olhou para gente, apontou para a marca de agulha no braço e disse:"Eu queria ter conhecido vocês antes de tomar as duas ontem. Acabei passando muito mal e tive que ir para o hospital. Juro por Deus que nunca mais vou tomar nenhuma droga sem falar com vocês antes."

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