Guia Noisey para curtir um Steely Dan
Steely Dan. Foto do encarte do LP Greatest Hits.

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Guia Noisey para curtir um Steely Dan

A dupla nova-iorquina é uma lenda: entenda porque a dupla continuará foda por todo o sempre.

Meus parabéns se você nunca ouviu falar de Steely Dan. Talvez quando meus primeiros cigarros ainda rendessem dores de cabeça e o Dan me era apresentado por meio dos discos gastos emprestados pelo meu professor de música do ensino médio você ainda nem tivesse nascido ou sequer considerava existir. Te invejo, afinal, um mundo de descobertas musicais te aguarda ali na esquina.

Agora, se você se diz fã de música e manja a obra de Walter Becker e Donald Fagen, uma estonteante mistura de jazz-rock-funk bem tocada pra caralho e que serviu de trilha para todo um período no tempo e acha que aquilo ali não é pra você, rapaz, eu sinto é pena e com este artigo irei te explicar o porquê.

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O Dan define uma época em particular da música, e seu legado sônico deu um jeito de se embrenhar em meio a grandes momentos da música pop moderna, dos anos 80 até os dias hoje: suas canções fazem parte, de corpo e alma, da cena dos anos 70 e ainda assim com certa distância, com uma sofisticação inigualável em termos sonoros e líricos. Eles sabiam como ninguém como lidar com batidas, arranjos e ganchos, o que fez com que os caras fossem sampleados por gente grande, de Ice Cube a De La Soul, de Kanye a DJ Rashad.

Sua atenção aos detalhes é lendária no circuito musical, mas mesmo assim não há um pingo de sisudez no ar: escute qualquer uma de suas músicas sobre traficantes de cocaína falidos ou uns caras brancos velhos tentando pegar novinhas em bares e me diga se eles não são, além de tudo, mestres da zuera.
Abaixo, listo algumas razões pelas quais você deveria curtir um Steely Dan, bichão.

O NOME DA BANDA VEIO DE UM CONSOLO MOVIDO A VAPOR

É isso aí: um consolo à vapor gigante voador vindo de Almoço Nu, de William Burroughs, empresta seu nome à dupla. Donald Fagen falou bonito: "Só queríamos um pouco mais de potência em relação às demais bandas."

TEM STEELY DAN PRA TUDO QUANTO É LADO HOJE EM DIA

Acha que nunca ouviu nada deles? Se liga: Kanye West usou "Kid Charlemagne", do Steely Dan, lançada em 1976, como base de "Champion", faixa sua de 2007.

Aquele groove todo de "Eye Know" do De La Soul veio de "Peg", do Steely.

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E "We On 1" do DJ Rashad (descanse em paz) não teria bombado se não fosse o sample de "Aja" (pule para 0:41).

Se você já parou para assistir The Sopranos, já ouviu Tony cantarolando "Dirty Work" em meio às atividades de sua empresa de "gestão de resíduos".

Fato é, se você parou pra ouvir qualquer coisa feita na Costa Oeste desde 1972, lá está a influência dos caras, em toda parte.

ELES SÃO HILÁRIOS

Não é só a galera do hip hop que bebe nessa fonte. Se você busca uma introdução curta ao humor da dupla, saca só essa carta aberta escrita para Luke Wilson, após seu irmão Owen ter "emprestado" a narrativa de "Cousin Dupree", lançada pelo Steely Dan em 2000 para servir de enredo para seu filme de 2006, Dois É Bom, Três É Demais. Abaixo temos um trecho da carta, mas vale ler na íntegra, de verdade.

ELES ESCREVIAM COISAS ASSIM

"Hey Nineteen"

Uma de suas duas canções em seu disco de 1980 Gaucho, que versa sobre velhos escrotos tarados tentando transar com meninas jovens demais. Essa aqui serve como a trilha perfeita para um bar inacreditavelmente lacônico. Ouvintes mais atentos perceberão o bumbo e caixa certinhos, o que entregava a famigerada bateria eletrônica da banda, "Wendel" (falaremos mais disso depois. Enquanto isso, o trecho ao final da faixa — "The Cuervo Gold / The fine Columbian" — te faz pensar se o protagonista vai encerrar a noite enchendo a cara e cheirando umas carreirinhas acompanhado ou não.

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"Show Biz Kids"

Com uma temática que não pareceria deslocada em um disco do Frank Ocean ou do The Weeknd (o refrão diz "Show biz kids making movies of themselves / You know they don't give a fuck about anybody else"), essa faixa mostra os primórdios do Steely Dan, fazendo o que faziam de melhor em R&B. O gancho aqui também foi sampleado pelos pioneiros do pop psicodélico Super Furry Animals, servindo de base para seu clássico "The Man Don't Give a Fuck". Uma favorita entre as tocadas ao vivo, a versão do Super Furry Animals lançada em 2004 tem o recorde do maior número de "fucks" já usados em uma única faixa, mais uma informação inútil pra vocês, fãs de cultura pop.

OS CARAS INVENTARAM A BATERIA ELETRÔNICA

Ok, muita gente pode falar isso, mas quando se fala da primeira bateria eletrônica programável de ampla frequência, "Wendel" — a máquina criada pelo engenheiro-chefe da banda, Roger Nichols, ao custo de 150 mil dólares — leva o primeiro lugar. Detalhe: a grana toda saiu do orçamento da gravação de Gaucho. Até hoje esta é a única bateria eletrônica que ganhou um Grammy.

ENGENHEIROS DE SOM USAM AJA COMO FATOR DETERMINANTE PARA EQUILIBRAR A ACÚSTICA DE UM ESTÚDIO

Essa é uma informação boa pra jogar num primeiro encontro ou na mesa de bar: o sexto disco do Steely Dan, Aja, é um clássico entre engenheiros de som quando é hora de testar um PA. Junto do primeiro disco solo de Donald Fagen, The Nightfly, estes álbuns são o apogeu da fidelidade sônica do final dos anos 70 e começo dos 80 porque…

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SE HAVIAM CARAS OBCECADOS EM ESTÚDIO, ERAM ELES

Kanye deixando Rick Rubin doido durante a produção de Yeezus é grande coisa? Ou Björk e seus três anos criando as microbatidas de Medullah? Becker e Fagen são os loucos de estúdio originais.
Tendo seu início como uma banda ao vivo nos anos 70, a formação inicial do Steely Dan — cujos outros integrantes simplesmente não aguentaram a bronca — se dissolveu aos poucos por conta da doideira da dupla, contando com o auxílio dos mais caros músicos de estúdio que Los Angeles poderia lhes oferecer. Por sua vez, estes eram aterrorizados pela dupla inexpressiva em busca da melhor bateria, do melhor sopro ou mais perfeito backing vocal.

Assista a este trecho — retirado de um documentário sobre os clássicos da banda — a partir de 4m10s para um relato absurdo de como eles simplesmente dispensaram alguns dos melhores guitarristas de estúdio dos EUA enquanto procuravam alguém que fizesse o solo de "Peg", de 1977. Vale a pena continuar assistindo para ver os backing vocals de Michael "The Silver Walrus" McDonald para a mesma música serem simplesmente destruídos.

A fabricante de mesas de som Neve, talvez na inocência, permitiu que o Steely Dan usasse uma das primeiras mesas de mixagem automatizadas do mundo para que lançassem seu disco mais funkeado e coeso, Gaucho. Com a tecnologia em mãos para controlar cada mínimo detalhe, Fagen botou os engenheiros do estúdio para trabalharem em 250 versões diferentes da faixa "Babylon Sisters", até o momento em que os técnicos da Neve lhe deram um disquete platinado (pintado com esmalte de unha mesmo). Não foi o suficiente para Fagen, que só se viu satisfeito com a versão número 274. Ao menos até descartar a porra toda na semana seguinte.

Surtadão o bastante? Adicione um uso abusivo de cocaína de proporções épicas e fica fácil entender porque a vaca foi pro brejo após o lançamento de Gaucho em 1980 (especialmente para Becker, cuja namorada faleceu por conta de uma overdose no mesmo ano). Foram anos e anos até que a dupla se juntasse para tocar novamente.

Gabriel Stebbing faz música sob a alcunha de Night Works.