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Como os independentes promovem a sua música?

Guilherme Arantes, Rafael Ramos e outros ilustres da fonografia no Brasil discutem como a tecnologia mudou (pero no mucho) a veiculação musical.

Este conteúdo é um oferecimento de Natura Musical.

Na coluna Estudando a Cena , discutimos a atual cena musical do Brasil e como as drásticas mudanças na indústria fonográfica dos últimos anos reverberaram na base da pirâmide sócio-cultural do país.

Na época de ouro da indústria fonográfica brasileira, nos anos 1980-90, os grandes players, aqueles que investiam em tudo e concentravam tudo, até os canais de transmissão, eram as gravadoras. Não é difícil de entender de onde vinha tal modelo: elas apostavam nos artistas e faziam um contrato para alguns discos. Por isso, tinham que fazer bombar o artista de qualquer maneira, de modo que obtivessem retorno de todo o investimento mais a meta de lucro. O marketing era pesado.

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A chamada "verba de marketing" incluía muitas coisas. Grande parte dela ia pra pagar jabá na rádio. O plano de comunicação de um artista naquela época previa a projeção de uma carreira, logo, a gravadora não estava interessada num só hit ou disco. Ela queria consolidar marcas fortes pra continuar lucrando com elas, tanto que os contratos eram longos.

Com a abertura dos meios digitais entrou em ebulição o mercado de nichos, que atualmente se beneficia muito das redes sociais e do streaming. O rádio, absoluto no passado, ainda reina poderoso sobre públicos específicos, mas gigantescos. Enquanto alguns artistas promovem sua música no Spotify e congêneres, outros funcionam melhor nos canais regionais, como o Palco MP3 e o SuaMúsica.com.br, que estouram no nordeste, segundo confirma Juliano Polimeno, CEO da plataforma de inteligência musical Playax.

"Foi nesses sites que se fez o Safadão", exemplifica ele, e acrescenta: "com ajuda do CD promocional. Algo que no sertanejo fazia-se muito e ainda se faz. Mas agora, a história é dar música de graça no digital". Outro exemplo de singularidade promocional é o funk, que há muito tempo já usa o YouTube. De onde surgiram nomes como o KondZilla, donos de seus próprios canais, já saíram um monte de pequenas produtoras de vídeo que passaram a agenciar carreiras lucrativas.

Quer dizer, bastante coisa mudou no modo de promover a música nas últimas décadas. Na tentativa de compreender um pouco mais a respeito de onde viemos e pra onde vamos, enderecei questões a algumas fontes experientes nas quatro pontas do universo musical no Brasil. Veja o que cada uma falou:

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Fabiana Batistela. Foto: Caroline Sacco

Fabiana Batistela

Publicitária fundadora da Inker Agência Cultural, agência de comunicação e projetos focada em música e artes. A empresa surgiu em 2002.

Qual era a necessidade ou influência da assessoria de imprensa antes dos meios digitais?
A assessoria de imprensa era muito forte naquela época porque os veículos de imprensa ainda eram muito poderosos, a crítica musical importava muito. Pro público conhecer um artista novo, ele comprava a revista Bizz ou a Folha, e lá tinha as resenhas, as matérias. E o público era pautado por isso. Eram os únicos meios que existiam para buscar informação.

Quando a indústria se transformou?
Em 99, 2000, com o Napster, a indústria toda se transformou, as gravadoras perderam muito poder e dinheiro, então o formato de trabalho delas com os artistas mudou radicalmente. Elas passam a não mais investir a longo prazo nos artistas, a verba de marketing diminui consideravelmente e elas começam a fazer apostas menores. E aí surgem um monte de artistas mais sazonais também. Nessa época a internet começou a bombar, surgiram alguns blogs, o Google. A tecnologia permitiu os artistas começaram a conseguir produzir em casa ou muito mais barato num estúdio, e desse meio surgiu muito artista novo com o poder de fazer um disco sozinho. Um disco antes custava 300 mil. Hoje com 30 mil você faz um lindo disco.

Com a oportunidade gerada pelos independentes ou pequenos selos mais alternativos, ampliou-se a atuação das assessorias também?
Sim, porque as pessoas não sabiam como escoar nem divulgar essa produção sem contratar assessoria ou pagar jabá na rádio. Foi nessa época que eu vi uma oportunidade incrível no mercado, de abrir uma empresa pra trabalhar com artistas independentes, nacionais e internacionais de nicho. Artistas que não sabiam como se divulgar e não tinham verba pra isso. Começamos a entender que se o cara estava investindo do bolso, era melhor cobrar menos e fazer mais volume, porque assim você abre portas. E começou a funcionar muito bem.

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Onde o público busca as notícias de música?
Nas redes é que o artista vai se disseminar mesmo. A gente até brinca, que tem que sair na capa da Ilustrada pra poder botar no Facebook [risos]. Mas acaba sendo um veículo importante porque tem credibilidade, jornalistas bons escrevendo, então eles ainda são muito importantes num plano de imprensa. O fundamental hoje é trabalhar com todos os sites possíveis de música, que tenham gente que entenda, que pesquise e saiba o mínimo do assunto. Porque os próprios leitores de blogs são formadores de opinião, já que disseminam pra muito mais gente.

Uma boa crítica de jornal, revista ou portal ainda serve de publicidade pro artista?
Acho que a crítica vai continuar existindo, mas em novos lugares. A crítica musical hoje está usando todo o conhecimento que ela tem para outros projetos. Vemos críticos como curadores de mostras e festivais, e veículos de imprensa sendo patrocinados por marcas, criando conteúdo pra marca, o que é muito legal.

Guilherme Arantes

Cantor, pianista e compositor.

O que mudou no seu jeito de planejar a promoção dos seus álbuns ao longo do tempo?
Sou muito antiquado nesse aspecto, e confesso estar aprendendo ainda essa questão de estratégias no tempo das redes. Claro que tudo mudou, e que todo mundo também está aprendendo num ambiente extremamente movediço. Essa mobilidade é a única peça fixa — não se ter certeza de nada — numa época como esta, em que tudo fica obsoleto e os métodos se sucedem a cada momento… Sou bem mais antenado nos aspectos de produção musical — e nisso sou um aficionado, fuçador e consumidor ávido .

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Por mais que eu tente me atualizar, e viva um bom tempo no ambiente da rede, a promoção dos álbuns, pra mim, ainda obedece a parâmetros antigos. Pra mim, ainda existe a primazia da TV e do rádio — talvez seja coisa geracional, um conceito difícil de mudar. Mas tento me adaptar, ao ver, mesmo os da minha geração, mergulhando com tudo no streaming. Talvez esse seja o aspecto mais revolucionário de todos: abolir qualquer tipo de suporte, e a música virar uma commodity semelhante à água que corre nas torneiras.

Mesmo assim, vejo que a vida está nas redes, e tenho produzido especificamente pensando nelas — como no caso do meu vídeo-documentário, e os meus meios digitais não são nada antiquados, são bem completos. Tenho, sim, um profissional fixo e moderno trabalhando e administrando isso, e sei bem que a vida "real" agora flui por ali. Não fossem as redes, eu estaria fadado a ser uma lembrança vaga de um passado soterrado pelo tempo.

Você considera importante um artista ter uma repercussão positiva do seu trabalho na imprensa, quando o público não depende mais dos guias e resenhas para descobrir sons?
Acho importantíssimo, sim, e ainda mais no meu caso e no meu segmento específico. A imprensa também não é mais só no papel, muito pelo contrário. Existe hoje um sistema intrincado de formação de opinião, e é bom as pessoas não serem simplistas e relegarem a imprensa a um papel secundário. A ilusão de que com o digital delivery existe uma libertação generalizada de qualquer formação de opinião é um completo engodo.

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Justamente porque esse delivery digital, passando a despejar quantidades sem precedentes de artistas e produtos, faz com que o "destaque" seja crucial. Produzir e promover não são mais segredo para ninguém. Entretanto, a geração de diferenciais passa a ser uma questão de vida ou morte.

Quais são os canais onde a sua música é mais consumida ou difundida hoje?
Aí é um aspecto peculiar do meu caso. Sou um dos campeões do segmento "adulto contemporâneo" das FMs. Toco bastante, mas o repertório é mais focado em um número reduzido de faixas consagradas e especificamente aceitas naquela linguagem. Muito do meu público (em idade e em segmento social) está nos carros, no trânsito das grandes cidades, e o rádio ainda é a primeira escolha. Tenho muita gratidão a isso, pois não é pouca coisa. Muita gente daria tudo para estar no meu lugar, no nosso lugar, o dos meus contemporâneos consagrados nesse veículo. Existem também os medalhões, mais antigos do que nós, os gigantes tombados pelo patrimônio histórico. Mas nem todos eles estão ali, tocando no trânsito das grandes cidades. Então somos privilegiados de fazer essa ponte entre o tradicional e o moderno.

Porém, com um repertório tão vasto e de longa duração, já estou percebendo que eu tenho a tendência a crescer muito no streaming, também devido à comodidade. O público não tem tempo. Ninguém tem mais tempo para nada, a vida é uma correria desabalada. Esse passa a ser o fator de corte mais importante desta época: a falta de tempo. E o futuro da humanidade, literalmente, está "nas nuvens.

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Juliano Polimeno

CEO da Playax, plataforma que oferece recursos e ferramentas para o acompanhamento da circulação musical em diferentes meios. Foi diretor da ONErpm e fundador da Phonobase.

Quais foram as mais perceptíveis mudanças nas estratégias de promoção musical nos últimos tempos?
Mudou tudo e ao mesmo tempo não mudou. Ao mesmo tempo em que você ganhou uma série de novos veículos, desde transmissão da música, como serviços de streaming, pagos e gratuitos, às redes sociais, ainda existem os tradicionais canais de veiculação e divulgação de música: rádio e TV. A coisa ficou mais complicada e trabalhosa por conta disso. Antes, se você tivesse um bom planejamento, uma boa entrada, um bom dinheiro pra investir, basicamente estava tudo coberto. Hoje se ampliou e parece que a cada dia se amplia mais, um meio vai substituindo o outro, ou aparece um canal novo. Hoje em dia você tem Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat, YouTube, aí tem Spotify e Deezer, Tidal, iTunes Music… fora canais os locais, dos países específicos.

Quando surgiu o compartilhamento online, falava-se na falência do império das gravadoras. Mas elas até que conseguiram se adaptar ao novo ambiente, não?
As grandes gravadoras já se adaptaram e estão, inclusive, atuando como investidores do Spotify e todos os outros serviços de streaming, como acionistas, e estão muito ligados, já cooptaram aquela história de talentos que surgem na internet, já usam esses recursos como ferramentas de prospecção, A&R, de repertório pra ir atrás de artistas. Eles se adaptaram um pouco. Obviamente, do ponto de vista de nível de faturamento, caiu, mas depois estabilizou e agora voltou a crescer. Vão voltar a ganhar mais dinheiro ainda.

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Foi uma rápida adaptação?
Não foi tão rápido, se você for pensar, tem 15-20 anos já esse processo. Eles lutaram até o fim para tentar manter o copyright no modelo antigo pra conseguir sugar até a última gota de dinheiro. Mas no paralelo já estavam estudando novos modelos. A maior mudança na estrutura das grandes gravadoras é que antes elas dominavam toda a cadeia produtiva. Desde os estúdios, que só as majors tinham, até as fábricas, empresas de distribuição. E isso dava um poder que mudou de mãos: o poder de estabelecer o preço pela música. Hoje rola uma briga na negociação pra estabelecer o valor do stream, cada play.

Algo que todo mundo falava e realmente aconteceu foi a mudança da posse para o acesso.
Sim. Isso não é o futuro da música, é algo que já aconteceu. No dia a dia está aí o Spotify, bombando, e essas coisas de YouTube, do sertanejo, cujo plano de divulgação inclui muito a rádio. No olhar da Playax, como uma empresa que consegue coletar muitos dados e observar como as pessoas estão distribuindo e utilizando esses canais, o que se vê é que não existe uma regra única. Depende do segmento, do tamanho do artista. Se você tem muita grana, vai conseguir trabalhar em todos os canais, contratar desde divulgadores de rádio, e até botar gente na rua e post patrocinado no Facebook.

Não dá pra olhar só pra mídia digital e desprezar rádio, TV e imprensa. Óbvio que o espaço é menor, mas tem que se aproveitar disso, fazer um relacionamento e trabalhar. Igual faz o sertanejo, que tem um baita relacionamento com rádio e também com o digital. E eles são o verdadeiro pop brasileiro, hoje.

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Nesse lance de promoção, dá pra explorar positivamente algo relacionado a chat bots nos canais dos artistas?
Isso é uma nova oportunidade pra desenvolver relacionamento. Imagina se você consegue saber que a pessoa está compartilhando a sua música num chat e já vai lá se comunicar com esse fã. É um negócio bem louco, não sei se vai acontecer. Antes, na rádio ou na TV, você não via a cara nem o nome da sua audiência. Hoje você sabe quem é o público, então existe essa movimentação pra encurtar a comunicação.

Rafa Ramos no estúdio da Deckdisc. Foto: Matias Maxx/VICE

Rafael Ramos

Músico, produtor musical e diretor artístico da Deckdisc.

Como você planejava a promoção dos álbuns no começo do selo e como atua hoje em dia?
Realmente mudou muito. Antigamente (e nem faz tanto tempo assim) ficávamos dependentes dos prazos de produção na fábrica, tudo era planejado pensando na espera de pelo menos 25 dias para ter o produto em mãos e, aí sim, começar a parte pesada do trabalho de divulgação. Hoje, apenas com um link, você já adianta muita coisa. As plataformas digitais firmaram os lançamentos oficiais às sextas-feiras, concentrando a expectativa neste dia específico toda semana. A luta por espaços de destaque ficou ainda maior; antes pensava-se em redes de lojas, hoje você pensa nas plataformas, que ainda são poucas em uma época em que o número de lançamentos cresceu vertiginosamente. Então todo o planejamento ocorre de forma mais veloz e imediata, às vezes até lançando músicas de um dia pro outro, dependendo da forma e dos locais onde você disponibiliza esse conteúdo.

Vivemos de verdade uma época de ouro para quem quer divulgar sua música no esquema independente?
Com certeza. E já faz um tempo. A internet ajudou muito. Isso já é até um raciocínio antiquado, mas é a realidade. O espaço é democrático, e, se o projeto vem de encontro ao que o público procura, se aquilo viraliza, os resultados são impressionantes e de igual possibilidade tanto para um disco lançado por uma major como para discos lançados de forma totalmente independente. O artista que sabe se comunicar, que representa os pensamentos dessa geração que vive conectada, tem as mesmas chances de chegar a ótimos resultados estando ou não ligado a um grande esquema.

O destaque na mídia é algo a ser valorizado?
A imprensa sempre foi importante no trabalho de divulgação de um disco, e ainda é. Hoje você consegue fazer com que uma boa matéria ou resenha, seja de mídia impressa ou digital, seja repercutida muito na internet. Isso ajuda muito o público que não é tão informado, mas que volta e meia está à procura de ouvir algo novo. O sentimento da indicação, da sugestão, persiste. Mas a força de um disco ou música, descoberto pelo público na rede e compartilhado por esse mesmo público para pessoas de interesse similar, faz com que a voz do povo seja a verdadeira voz da razão. A imprensa tem seu papel, sim, mas já divide essa responsabilidade diretamente com o público consumidor.

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