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Lou Reed sabia que o rock'n'roll podia salvar vidas

Tim Jonze, editor de música do The Guardian, conta como seu amor pela música, seu casamento e seu sistema de valores se resumem a um único cara.
Eduardo Ribeiro
Traduzido por Eduardo Ribeiro

Lou Reed foi o maior herói que eu jamais terei, mas quando eu escutei pela primeira vez a notícia de sua morte, não dá pra dizer que me senti tão triste assim. Ao contrário, eu pensei em "Rock & Roll", uma música sobre rock'n'roll que é também uma das melhores canções já escritas na história do rock'n'roll. Conta a história de Jenny, uma garota cuja vida inteira parece sem sentido até o momento em que ela sintoniza uma estação de rádio de Nova York e a música escapa pelos falantes - uma corrente de energia que definiu o começo de sua existência. "Ela começou a se agitar ao som daquela música tão incrível", vocifera Lou, que sabia uma coisa ou outra sobre choques elétricos. "Você sabe que a vida dela foi salva pelo rock'n'roll." É uma música tão pessoal quanto "Heroin" ou "I'm Waiting For The Man" ou qualquer uma daquelas canções de estourar os miolos que Lou escreveu com o Velvet Underground. Era simples e honesta de um modo que, de tão simples e honesta, ninguém poderia se imaginar compondo até que Lou o fez. É claro, havia uma porrada de músicas que celebravam a glória do rock'n'roll, mas jamais da perspectiva de um rapaz solitário do subúrbio sentado esperando algo acontecer. Mais de uma década depois, Morrissey pavimentaria uma carreira cantando sobre o que significava ser um obsessivo, abnegado fã de música, mas não estou certo se ele alguma vez conseguiu alinhar o choque daquela inaugural introdução de Lou a um novo mundo na mesma medida. O que Lou jamais poderia adivinhar quando ele escreveu "Rock & Roll" era que essa música inspiraria a criação de incontáveis outras Jennys, jovens cujas vidas pareciam tão sem sentido antes que elas, também, fossem salvas pelo rock'n'roll. Eu fui uma dessas pessoas. Eu tinha 14 ou 15 anos quando escutei Velvet Underground pela primeira vez, embora ficasse completamente apaixonado por aquilo logo de cara. "The Velvet Underground" - poderia haver um nome de banda mais evocativo? Eles eram a banda perfeita mesmo antes você ouvir suas indefectíveis músicas ou ver suas perfeitas fotos ou ler sobre sua perfeita trajetória. Eles eram a banda que eu usava para julgar as pessoas. Eu sabia que teria que me casar com minha mulher no exato momento em que ela me disse que essa era a banda preferida dela também. Foi ideia dela tocar "I'll Be Your Mirror" - a música capaz de provar que o lascivo e viciado Lou tinha um coração mais puro do que o nosso - na cerimônia de nosso casamento na igreja. Ela entendia. E, para mim, todo o lance sobre o Velvet é que você sente que Lou também entendia. Estava lá em suas influências. Quando você lê Bukowski indo na direção de John Fante isso importa não só porque Fante é um escritor incrível, mas pela maneira como Bukowski o fez - ele estava mostrando que ele tinha "sacado". É o mesmo com Lou e a maneira como ele foi pra cima de, vamos dizer, Hubert Selby Jr ("Eu quero dizer, que Selby, que nada… É assim que eu penso."). Para Lou, as influências vinham das entranhas. Elas importavam. Ele as "sacou", e é por conta disso que as pessoas "sacaram" o Lou. Eu assisti diversos shows dele. Me lembro de tê-lo visto em Long Beach, em 2004, onde ele tocou versões mais compridas e funkeadas dos sons do Velvet que eram basicamente irreconhecíveis e muito apáticas, mas eu não me importei: ele era Lou Reed, ele tinha o direito de fazer o diabo que quisesse, eu acho. Assisti Lou no Birmingham Symphony Hall em 2000, onde ele apavorou o público e nós estávamos assustados demais para saber se deveríamos bater palmas ou não entre as músicas. Conheci um cara lá que ficou meia hora me falando insanamente sobre todos os shows do Lou Reed que ele planejava acompanhar - um depois do outro, e depois do outro. A gente estava de boa até que resolvi perguntar a ele que outras bandas ele curtia e o cara me olhou fixamente e começou a falar coisas do tipo: "Eu só assisto o Lou", e então se levantou e vazou. Agora aquele cara não tem mais ninguém para assistir e eu fico imaginando como ele deve estar se sentindo neste exato momento. Porque eu não senti aquela miséria emocional toda quando fiquei sabendo que ele tinha morrido - não como quando fiquei sabendo sobre Vonnegut ou Amy, que me fizeram querer sentar e chorar como um bebê. Tenho tentado entender por que isso rolou. De primeira, entrei numas de achar que eu devia ser um babaca a ponto de precisar ler aquela avalanche de obituários-tributo e listas de homenagens e pensei, "fodam-se, vocês não entendem", porque obviamente o melhor rock'n'roll faz você sentir que ninguém mais entende a parada tanto quanto você. Mas, na real, eu acho que é o seguinte: sempre que alguém me perguntar quem eu gostaria de ter entrevistado, mas que nunca consegui, a resposta será: "Lou Reed". Só que não é verdade. Eu nunca quis entrevistar o Lou Reed e nunca nem sequer tentei. Não porque eu tinha pavor de falar com ele - embora eu provavelmente tivesse. E não porque você nunca deve tentar conhecer seus heróis - embora você nunca devesse tentar. Mas porque ele escreveu aquela letra de "Rock & Roll". E isso significa tudo que Lou Reed poderia dizer para mim… bem, ele quase certamente já disse isso.

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