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Uma Entrevista com um Cara que não Consegue Dormir Porque Tem Medo de Morrer

Só de pensar em dormir o J. – que não quis dar seu nome completo – já entra em pânico, o que complicou nossa entrevista; toda vez que pensava sobre sua fobia, ele tinha que lutar contra um ataque de ansiedade.

Esse cara não é o J., é um motorista de ônibus de Bombaim. Foto por Pedro Elias via.

Dizem que junto com sexo e fazer cocô, dormir é um dos grandes prazeres da vida. Mas e se, do nada, o sono passasse de uma coisa incrível para um pesadelo do qual você não pode acordar?

J. – que não quis dar seu nome completo – sofre de somnifobia, ou seja, o medo de cair no sono. Só de pensar em dormir o J. já entra em pânico, o que complicou nossa entrevista; toda vez que pensava sobre sua fobia, ele tinha que lutar contra um ataque de ansiedade.

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VICE: Oi J., você pode me explicar o que é a somnifobia?
J.: A somnifobia é o medo de dormir. É uma das fobias mais específicas, sensíveis e difíceis de entender, já que ocorre em pouquíssimos casos, mas que afeta seriamente a saúde física e psicológica do paciente.

E como isso afeta você?
Afeta todas as áreas da minha vida. Tento evitar dormir por todos os meios possíveis porque tenho medo de morrer – seja por ataque cardíaco ou num acidente fatal. No dia seguinte, eu me sinto totalmente impotente e desesperado. Essa fadiga física e psicológica hedionda cobra um preço muito alto. Todo pequeno detalhe de sua vida é afetado, coisas que uma pessoa normal nunca poderia entender.

O que desencadeou isso no seu caso?
Tudo começou com um dano no verme cerebelar [uma doença cerebral que causa perda de equilíbrio e tontura]. Numa noite de agosto de 2010, enquanto eu jantava e via televisão, perdi a consciência de repente por alguns segundos. Eu caí do sofá. Logo que acordei, sozinho e sem ninguém para me ajudar, fui para o hospital.

O tratamento que recebi foi muito ruim e os médicos acharam que meu problema era uma "mania" ou alguma coisa "inventada". O psiquiatra e o clínico geral me diagnosticaram com "hipocondria e problemas psicossomáticos". Esse foi o começo da minha somnifobia.

O que você fez depois disso?
Fui a vários hospitais públicos e particulares, vários médicos que me fizeram passar por incontáveis testes. Recebi todo tipo de diagnóstico: disseram que eu tinha câncer, um tumor no cérebro, problemas no ouvido… diga o nome de uma doença e eu já ouvi o diagnóstico.

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Como já era de se esperar, todos esses diagnósticos conflitantes criaram o medo em mim de que algo pode acontecer a qualquer momento. Tenha em mente que esse processo difícil durou quase dois anos, nos quais sofri de tontura permanente, vertigem e dores de cabeça severas, além de problemas de sono. Gradualmente, meus medos foram crescendo. Comecei a ter medo de dormir e achava que sofria de uma doença grave.

Nenhum desses caras é o J. Foto por Bruno Bayley. 

Você explica que sua fobia é baseada no medo de não acordar, o medo da morte. Quais são suas crenças sobre isso?
Sou ateu, não acredito em deuses. Acredito que quando morremos, tudo acaba, e isso me apavora. Acho que ninguém me preparou para isso: minha família ou profissionais, ninguém.

Você disse que faz de tudo para não cair no sono. O que você faz geralmente?
Quando me preparo para dormir, sofro de um aumento gradual da ansiedade. Meu corpo desencadeia episódios de pânico e sufocamento, para evitar que eu caia no sono. É difícil explicar, você precisa sentir: meu pulso acelera, eu tremo, não sei o que fazer. Me sinto impotente. Seu subconsciente te domina.

Além disso, eu às vezes levanto conscientemente da cama e saio procurando ajuda desesperadamente. Já fui a vários centros de saúde metal, onde, em vez de me ajudar, eles agravaram minha condição com pílulas e drogas. Penso em acabar com tudo, mas vamos dizer que sou uma pessoa forte. Tenho uma força interna que me impede de fazer isso.

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Quando finalmente dorme, você descansa bem?
Quando durmo, é porque caí no sono. Ainda assim, minha mente me prega peças, reagindo como um mecanismo de autodefesa para impedir minha consciência de relaxar e desconectar da realidade para ter um sono reparador. Acho que o cérebro desconecta porque sabe que se você não dormir, você morre.

Quantas horas você dorme normalmente?
Entre três e cinco horas, dependendo do dia e da intensidade do pânico.

Agora que foi diagnosticado corretamente, você segue algum tratamento? Você toma alguma medicação?
Não há um tratamento farmacológico. Você precisa seguir um tratamento psicoterápico específico e concreto.

Há pouquíssimos centros que tratam esse tipo de doença e, em geral, eles são muito caros, inacessíveis para a maioria das pessoas. Eu simplesmente tento sair, me distrair – caminho ou penso sobre outras coisas para minimizar os efeitos da somnifobia.

Como você se sente quando acorda e percebe que nada de ruim aconteceu?
Acordo muito cansado, exausto. Não quero fazer nada e, obviamente, ainda estou com sono. Não há como superar fobias, você pode monitorá-las e viver com elas o melhor possível, mas é preciso ter em mente que elas não têm cura e quem diz outra coisa está mentindo.

Como a somnifobia afeta sua vida social?
Não tenho vida social. Meus relacionamentos com humanos se limitam à minha família… Sem comentários. Ninguém entende o que estou passando e as pessoas tendem a identificar isso com loucura. Também é impossível ter um desempenho bom no trabalho. Isso agrava meu isolamento, desconfiança e o surgimento de novas patologias.

Como você se sente quando as pessoas pensam que você é "louco"?
Bom, elas são mais loucas do que eu por não ter empatia.

O que mais você gostaria que as pessoas soubessem sobre a somnifobia?
O apoio é essencial, mas vivemos numa sociedade hipócrita na qual as pessoas com deficiências físicas e psicológicas são abandonadas e exploradas pela nossa sociedade capitalista. Você é tratado como um maluco e não tem o direito de incomodar os outros com seus problemas.

Essas fobias deveriam ser investigadas – o número de pessoas afetadas por elas é muito maior do que pensamos. No momento, a única solução está em clínicas particulares que o trabalhador comum não pode pagar.