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Qual a Realidade do Problema de Disfunção Erétil na China?

Segundo o pesquisador Everett Yuehong Zhang são várias razões para o problema: trauma pela fome e violência política e, claro, a bizarra cultura empresarial chinesa, que pode literalmente obrigar os homens a transarem na frente de seus chefes.

"Duro como um pepino" ou "mole como tofu" – essas são as duas principais opções para descrever uma ereção num estudo conhecido como "Livro Azul do Sexo Ideal da China", que se tornou viral no final do ano passado. Infelizmente para os entrevistados, quase 50% disseram estar mais para o tofu. A China, que cresce na maioria dos aspectos, parece estar encolhendo nesse. Os homens da nação trabalham demais e estão superestressados, diz o estudo.

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É um problema muito moderno que necessita de uma solução moderna. Ou seja, Viagra. Ou, pelo menos, é o que o Dr. Jiang Hui, um dos autores do estudo (apoiado pela Pfizer, a fabricante do Viagra), conclui. Para Jiang, os chineses apresentam uma mistura tóxica: a de serem muito relutantes para procurar ajudar e desinformados sobre problemas sexuais. Eles precisam de ajuda – em um plano ideal, trazida pela famosa pílula azul. Mas seria isso uma mera tentativa da Pfizer de impulsionar as vendas, ou os chineses estão realmente sofrendo com um grave revés sexual?

A preocupação com a impotência na China saiu do quarto nos anos 80, quando o nanke (medicina dos homens) surgiu como uma nova divisão da medicina chinesa, se especializando em impotência e outras questões. Era exatamente o que o médico tinha prescrito. Nas décadas seguintes, o país testemunhou um grande aumento no número de homens procurando tratamento para impotência. Clínicas de nanke brotaram por toda parte oferecendo tratamentos da medicina tradicional chinesa e remédios ocidentais – incluindo o Viagra, que estreou na China em 2000.

A indústria continuou a crescer. Novas drogas e empresas entram no mercado regularmente, como a Guangzhou Baiyunshan Pharmaceutical Company, que recentemente introduziu um produto à base de ervas chamado Tiema ("cavalo de ferro" em mandarim).

Everett Yuehong Zhang passou cerca de 15 anos pesquisando o que está acontecendo, ou melhor, o que não está acontecendo na China. Em 1999, Zhang se viu num estúdio de TV em Pequim durante um programa de uma hora sobre o "contágio", como a disfunção erétil era então chamada. O programa contava com três urologistas proeminentes respondendo perguntas feitas pelo público por telefone. As linhas ficaram congestionadas. Um dos operadores de câmera se voltou para Zhang e exclamou: "DE está se tornando uma epidemia".

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Esse comentário claramente influenciou Zhang, que publicou um livro em março chamado The Impotence Epidemic: Men's Medicine and Sexual Desire in Contemporary China. Para o livro, Zhang entrevistou 350 homens e suas parceiras de Pequim e Chengdu que tinham procurado tratamento para a impotência. As idades variavam de 18 a 81 anos. Zhang encontrou várias razões para o problema, algumas delas específicas da China: trauma pela fome e violência política, além da ansiedade social daqueles que perderam trabalhos estáveis como resultado das reformas econômicas. E, claro, a bizarra cultura empresarial chinesa, que pode literalmente obrigar os homens a transarem na frente de seus chefes.

Mas Zhang não acha que as estatísticas pintam uma imagem decisivamente pior que antes. Apesar do título do livro, ele não acredita que a China broxou. "Não sei se houve um aumento na incidência da impotência", afirma Zhang, "só que houve um aumento no relato disso, o que mostra uma mudança na visão do público sobre desejo sexual".

Para esse pesquisador, o que estamos testemunhando agora é, na verdade, "um fenômeno positivo". É parte de um movimento moderno na nação que se afasta do coletivo e se aproxima do individual. E esse indivíduo está cada vez mais ousado e busca prazeres. "Os chineses estão tomando ações para satisfazer seus desejos e lutam para ter uma boa vida", ele frisa. "A epidemia é uma mudança histórica na China nos últimos 30 anos."

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E a teoria de Zhang parece se confirmar. Pelo menos para a juventude chinesa, o sexo, hoje, serve tanto para recreação como procriação. Os códigos morais rígidos, que por séculos pintaram a luxúria como algo negativo, se dissolveram desde a morte de Mao, em 1976. Hoje, o sexo está por toda parte na China, de sex shops nas ruas a salões de massagem e bares de karaokê, que, por uma taxa extra, fornecem serviços extras.

Nas palavras de Viktor, um jovem que toca numa banda punk de Pequim chamada Bedstars ("porque soa safado"), "andando pela rua, todo mundo parece virgem, mas todos estão transando. Fiz uma pesquisa num site pornô e descobri muita gente de carreira fazendo coisas muito pervertidas". Viktor está montando uma empresa de venda de brinquedos eróticos pela internet para capitalizar em cima dos gostos cada vez mais ousados no país.

Mas não é apenas nos becos escuros que o sexo está no cardápio. Em 1989, a sexóloga Li Yinhe conduziu uma pesquisa que mostrou que apenas 15% da população chinesa tinha feito sexo antes do casamento. Hoje, de acordo com os números, isso subiu para 71%.

E os chineses estão falando tanto quanto estão fazendo. Apesar dos esforços do governo para controlar o vício, a blogosfera chinesa está inundada de sexo. Muzi Mei, uma jornalista que postou um vídeo de 25 minutos onde fazia amor, conseguiu superar Mao no posto de nomes mais buscados na internet chinesa por um tempo. Lady Cat, outra blogueira, escreve ensaios como "Um Orgasmo por Dia", uma crônica de sua descoberta da masturbação. Esses são apenas dois exemplos de uma longa lista lasciva.

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E não é coincidência que o aumento dos relatos de disfunção erétil esteja em sintonia com a liberação sexual feminina – as duas coisas são lados da mesma moeda. Por trás de todo homem forte, há uma mulher poderosa; ou melhor, por trás de todo homem impotente, há uma mulher o empurrando para uma clínica. Por essa razão, Zhang escreveu um capítulo sobre as mulheres. "Esse livro é sobre impotência masculina. Mas as mulheres têm um papel tão importante na experiência da impotência e na produção do desejo que esse livro também é sobre elas."

E com mais pessoas discutindo sobre sexo em suas várias manifestações, a vergonha associada à disfunção erétil tem reduzido. Os chineses já fazem piada sobre isso. "Hoje em dia, um homem conta com drogas para fazer a 'lição de casa' – ou seja, fazer sexo com a esposa – e com sentimentos e sensações para 'trabalhar fora' – ou seja, ter casos ou sair com prostitutas", falou um empresário a Zhang, que rotulou o compartilhamento dessas "piadas eróticas" uma "verdadeira moda" em seu livro.

Simplificando, os chineses estão se interessando mais por sexo bom, e nada quebra mais o clima do que um pênis flácido. "Há um aumento da preocupação do público com as funções sexuais masculinas", acrescenta Zhang. Mas a China tem um longo caminho pela frente antes de poder se considerar uma meca do sexo. O país continua profundamente conservador, com um certo grau de vergonha ainda relacionado a tópicos de natureza sexual – principalmente tópicos sensíveis como disfunção erétil.

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Isso pode explicar por que a China, um país que representa cerca de 20% da população mundial, registra menos de 8% de vendas de Viagra em escala mundial; apesar disso, Zhang destaca que esse dado pode ser resultado de outros fatores. "O entendimento chinês sobre impotência é diferente do de outras sociedades", ele explica. "Os chineses abordam o Viagra de maneira diferente." Ou seja, muitos homens ainda confiam na medicina tradicional chinesa (MTC), uma indústria bilionária fundada e sancionada oficialmente como parte do sistema médico estatal.

O Viagra ganhou uma grande parcela dos homens que antes usavam a MTC; com isso, o preço do pênis de foca (um dos remédios tradicionais para DE mais populares) despencou. Mas o medicamento não ganhou todo mundo. Uma visão de que remédios naturais são melhores (ou, pelo menos, mais acessíveis, como geralmente é o caso) continua. Acrescente aí vários escândalos de saúde e segurança atrelados a químicos e você entende por que o Viagra ainda não venceu a disputa.

De acordo com a visão tradicional chinesa, a saúde sexual exige curas de longo prazo, não soluções rápidas. Se for esse o caso, aqueles mais perto do tofu vão ter de esperar um pouco até se tornar pepinos. Pelo menos, agora eles podem falar sobre isso abertamente. Ou quase.

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Jemimah é a autora de Little Emperors and Material Girls: Sex and Youth in Modern China, publicado nos EUA no dia 28 de abril.

Tradução: Marina Schnoor