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Games

Visitei o Behold Studios

A Behold Studios, apesar de ser brasileira, conseguiu sucesso de público e crítica com o ótimo Knights of Pen and Paper. Fui até o escritório deles em Brasília para ver como funciona uma empresa pequena com grandes ideias.

O que é ser indie? Pergunte para qualquer nerd sério de música e se prepare para uma dissertação de 15 laudas cheia de referências, teorias de gênero (musical), citações históricas e nenhuma resposta conclusiva. De qualquer forma, em essência, o termo indie é uma abreviação de independente. Jogos alternativos ao mainstream das grandes empresas não são absolutamente uma novidade desse milênio, mas alguns fatores explícitos das duas últimas décadas ajudaram a estabelecer o que é, se não um jogo ou gênero de jogo, uma empresa que faz indie games. Em geral, um grupo de jovens nerds (no termo positivo do gênero) que tem o sonho de fazer o jogo que eles queriam que existisse mas ninguém fez ainda. Claro que nem sempre dá certo, e existe cada vez mais tranqueira e entulho no mercado de jogos, mas em termos gerais, um bom jogo será reconhecido internacionalmente somente por ser um bom jogo. Com o advento do crowdfunding e a possibilidade de lançar um jogo em plataformas digitais, muito do que era praticamente impossível com poucos recursos agora é bem mais prático e rápido de fazer. Se você tem habilidade, tempo e recursos técnicos necessários para fazer aquela sua ideia muito louca de um crossover de Metroid com Tetris e Farmville.

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Um video do Pre Alpha do Chroma Squad, o próximo jogo deles.

A Behold Studios é uma dessas empresas de indie game que, apesar de ser brasileira, conseguiu um sucesso imenso de público e crítica com seu ótimo Knights of Pen and Paper. No finalzinho do ano passado, eu tive a oportunidade de visitar o escritório deles em Brasília (Terra da Corrupção) para conhecer mais ou menos como funciona uma empresa pequena com grandes ideias e gana de conseguir realizar os jogos que, no final das contas, eles querem jogar. Conheci melhor o processo dos caras por meio de uma conversa descontraída com Saulo Camarotti, programador chefe e sócio-fundador da empresa e Guilherme Mazzaro, programador, diretor e sócio da Behold. Depois de algum tempo, mandei algumas perguntas por e-mail para os meninos e o Guilherme respondeu prontamente. Grande parte do trabalho dele nos últimos meses tem sido trabalhar em todas essas funções no aguardado próximo jogo da Behold, o Chroma Squad, um jogo de batalhas táticas no qual você controla um estúdio que faz episódios de super sentai, aqueles seriados japoneses tipo Changeman que você cresceu assistindo se teve uma infância saudável. Esse foi o primeiro jogo da Behold financiado através do crowdfunding e a comunidade internacional dos gamers indies está esperando com água na boca pelo lançamento dessa belezoca. Enfim, segue a entrevista:

Tirei umas selfies com a galera da Behold fazendo cosplay de Knights of Pen and Paper. No centro, Saulo Camarotti, e à direita, Guilherme Mazzaro, o do olho inchado e bigode ralo sou eu.

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VICE: Vocês esperavam o sucesso que o Knights of Pen and Paper teve? Como foi depois fazer a versão +1, aumentando consideravelmente o sucesso do jogo?
Guilherme Mazzaro: É o que eu costumo dizer para todo mundo. Todos os nossos amigos ao redor diziam "nossa, vocês têm uma máquina de fazer dinheiro nas mãos, lancem logo!". Ao mesmo tempo, preferíamos manter nossos pés no chão porque tivemos alguns projetos antes que não tiveram um revenue muito interessante. Mas, então, acreditávamos que era nossa chance de nos destacar, porém, tínhamos que manter a realidade: "trabalhamos sem ganhar nada e se não der certo, que venha o próximo jogo!", felizmente, teve MUITO sucesso e aceitação e MUITO mais do que poderíamos imaginar. A versão +1 do Knights de fato aumentou consideravelmente o sucesso do jogo por diversos motivos: 1) Nossa publisher, a Paradox, investiu muito dinheiro em marketing/publicidade; durante a GDC/13, ficaram num apartamento apresentando o jogo pra diversos jornalistas, fora uma quantidade incrível de sites que provavelmente nós mesmos não seríamos capazes de atingir; 2) O jogo atingiu um público completamente diferente, que é o gamer de pc, então, muita gente queria jogar, mas não tinha tablet ou smartphone, então, pediam pelo lançamento da versão de pc logo. E como na versão do +1 tiveram várias novas features, mais conteúdo e coisas que a própria comunidade já pedia há tempos, fez um sucesso extra também na versão mobile porque quem já tinha o jogo voltou a jogar pra completá-lo (eles receberam update de graça) e quem não tinha ficou com vontade de jogar (risos).

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Eu me recordo de uma gamer feminista fazer comentários criticando os personagens femininos da versão inicial do Knights of Pen and Paper. Vocês acham que hoje em dia os desenvolvedores têm que se preocupar cada vez mais com esse tipo de detalhe? Vocês enxergam isso como algo positivo?
Então, é verdade, isso aconteceu. Eu não lembro o nome dela, vou chamar de "blogueira" mas não entenda como no sentido pejorativo, porque de fato era um blog pessoal dela (risos), mas enfim, a blogueira ficou chateada porque não conseguia fechar um grupo de 5 personagens sendo todos femininos. E realmente, por esse motivo dou toda razão a ela, porque foi algo no qual não pensamos e que nem passou por nossas cabeças. Fomos pensando: "coloca o personagem tal, e o estereótipo x, e o personagem y, e etc." e foi enchendo de personagens masculinos sem querer. Acabou que tínhamos três personagens femininos e A et (sim, é uma et do sexo feminino, revelamos isso num post do facebook do dia das mães, em que a et aparecia na imagem) antes de a blogueira comentar a respeito. Acabou que ainda colocamos mais uma personagem feminina e bem mais forte, mas realmente erramos e nós aqui entendemos isso, havia um buraco/problema ali e precisava ser preenchido. Na minha opinião, os desenvolvedores precisam sim ser bem cautelosos nessa questão (exemplo: aquele texto seu sobre Rogue Legacy que menciona até numa screenshot que o personagem gay não tem treit extra porque é uma pessoa normal como as outras). Se a blogueira tivesse apontado apenas essa questão do ponto de vista feminino/feminista/*ista (vixe, risos) levaríamos na boa e de uma maneira muito positiva, porque ela realmente nos mostrou uma falha em algo que deveríamos ter cuidado (como todos os desenvolvedores na Behold são de sexo masculino, essas questões às vezes passam despercebidas, não necessariamente vivemos de fato o que o público feminino vive), só que ela nos acusou de racismo também quando fizemos piada com o Saci-Pererê e porque faltavam negros npc's (sendo que logo no começo do jogo tinham npc's negros, mas, ok, né) (risos).

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A turminha da Behold comemorando quando conseguiu financiar o Chroma Squad no Kickstarter.

Vocês podem falar um pouco sobre o mercado de indie games no Brasil? Imagino que a grande maioria dos compradores de seus jogos não seja brasileira e vocês têm alguns números de qual porcentagem dos compradores é brasileira?
É exatamente como você imagina, nós não temos os números/estatísticas do Steam, mas acredito que não seja muito diferente das lojas dos smartphones/tablets. A última vez que verificamos, para fazer uma apresentação, muitos meses atrás, o Brasil representava menos de 6% de todas as vendas do Knights, o que automaticamente responde à pergunta de todos os curiosos: "por que você não lançou o jogo em português?". O update em português veio em seguida e foi a primeira língua diferente do inglês a ser implementada no jogo. O grupo indie brasileiro está crescendo cada vez mais, é só olhar pelo Facebook a quantidade de empresas de jogos digitais crescendo e mostrando seus trabalhos, e eles estão sempre se comunicando entre si, trocando experiências e tudo mais. Por exemplo, eu já fui em dois sbgames e confesso que em nenhum dos dois eu fui por causa das palestras, mas sim, para trocar ideias com outros desenvolvedores, conversar e compartilhar experiências. Já o mercado mesmo, na minha opinião, também está crescendo e um exemplo disso é a quantidade de estúdios brasileiros que estão conseguindo suas vagas no meio dos grandes no Steam (por meio de greenlight ou publishers) ou mesmo projetos bem-sucedidos no Kickstarter, jogos em destaque nas lojas mobile e aí vai. As pessoas que são mais oldschool na área sempre falam: "nossa, X anos atrás era simplesmente horrível e hoje em dia tá tudo tão melhor" (risos).

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Muita gente (inclusive eu) está esperando ansiosamente pelo lançamento do Chroma Squad. O desenvolvimento desse jogo está sendo muito diferente do desenvolvimento do Knights of Pen and Paper?
Até eu estou esperando ansiosamente pelo lançamento do Chroma Squad, mal podemos esperar pelas férias! Estamos trabalhando muito, assim como trabalhamos no Knights, só que dessa vez está um pouco diferente porque no Knights éramos apenas cinco pessoas: quatro desenvolvendo e um public relations; agora, no Chroma Squad, somos quatro programadores, três artistas visuais, dois artistas de som e um game designer. Apesar de diversos acontecimentos e contando com o fato de que o game designer entrou já quando o projeto já tinha suas pernas e estava começando a caminhar, o processo ficou um pouco lento, sem contar que pra nós da Behold, é muito mais fácil e simples fazer um jogo com temática de fantasia, pelo que vivemos, do que super sentais que aprendemos MUITO nesses últimos meses, eu principalmente (não porque não sabia de nada, mas sim, porque como estou responsável pela história, fiz questão de assistir/ler/saber/entender muita coisa e todo dia eu reservo um tempo para entender ainda mais e procurar estar mais a par). Então, está diferente, mas devo dizer que hoje em dia está muito mais fluído e focado!

Dando um search no google do Knights of Pen and Paper, uma das primeiras recomendações de busca é "Knights of pen and paper apk", como vocês enxergam a pirataria de jogos que custam tão barato? Vocês acham que esse lance de pirataria vai melhorar nos próximos anos no Brasil?
Isso me lembra da primeira semana de vendas no Knights quando era somente no google play, eu achei um fórum chinês que tinha um link de download com estatísticas ao lado dizendo que aquele link (do apk do Knights) tinha sido baixado 9 mil vezes. Então ficamos ali, pensando na morte da bezerra e em como seria legal, afinal 9.000 * 1.99$ era uma quantia razoavelmente gigante perto do que esperávamos e para um estúdio que tinha acabado de se mudar para uma sala após oito longos meses sem salário e trabalhando nos sofás da Livraria Cultura (risos). Mas, enfim, opinião pessoal minha, recebemos muitos e-mails de pessoas falando que baixaram o jogo pirata e depois voltaram atrás e compraram de fato. Acredito que o buraco sempre foi muito mais embaixo do que "br só pirateia jogo hue hue", o brasileiro que pirateia faz isso mais com conteúdo de pc/console do que de mobile em si porque 1) é mais fácil e 2) mais acessível. Já o conteúdo mobile exige um pouco de conhecimento pra que você possa ou instalar/baixar jogos no celular ou até fazer um jailbreak em algum iDevice. Já li sobre pessoas que piratearam jogos de graça, o que chega a ser engraçado, mas hoje em dia é mais "costume", por consequência de muitos problemas, por exemplo: Como você aceita em pagar 200r$ (isso muito tempo antes de o dólar aumentar, [risos]) num cartão que vale 50$ para colocar crédito em sua playstation network? É inaceitável, então, isso se torna desmotivador para o consumidor e ele pode acabar optando pela pirataria. Agora, com o Steam vendendo os jogos por um valor muito mais razoável, acredito que só tende a melhorar, ao menos no pc. No Steam Dev Days, agora em janeiro, mencionaram que o Brasil e a Russia são novas ótimas oportunidades para o Steam e estão tentando adaptar ao máximo aos mercados para que os consumidores comprem num valor que valha a pena, afinal, quem nunca olhou o preço em $ e r$ e comparou e falou: "nossa, como tá vendendo mais barato? steam maluca!". Lembro que na palestra diziam ainda que procuravam saber quando era o valor de produtos básicos como pão, etc. para tentar dar os valores da loja. Muito interessante.

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Como está sendo a pesquisa para o Chroma Squad? Já deu para ficar louco com a subcultura dos seriados japoneses? Alguma história curiosa a respeito?
Deu sim, muita coisa. Já estão me chamando de otaku no sentido pejorativo e o pior é que tem umas coisas de que estou realmente gostando (risos). Felizmente ou infelizmente, eu gosto de conhecer coisas e causos bizarros por aí e quando acho algum, vou até a raiz do negócio. Com isso, eu com certeza vi a história mais bizarra de todas, mas acho que o mais divertido não vai ser eu contar a história e sim, apontar a história para você mesmo procurar e, quem sabe, se divertir com o que achar. Estava procurando sobre furries e de repente passei horas lendo sobre e vendo vídeos do: "Pamperchu", que é basicamente um maluco que mora numa casa de bonecas no quintal da casa do pai que vendia fraldas usadas na internet, para adultos, mas disse uma vez num fórum que ele mesmo achava as fraldas nos lixos, lavava em casa, esterilizava no forno da cozinha da própria casa e vendia na internet. É insano e quanto mais você procurar, mais insano fica; quanto mais você cava, mais coisa acha. Inclusive, aconselho, caso você se divirta com coisas extremamente bizarras, a procurar um vídeo do Pamperchu em que ele se veste de coelho e fica posando para o próprio pai. Mas não se preocupe, eu sei filtrar muito bem o que vai e o que não vai para o jogo (risos).

A Behold é, claramente, uma empresa que faz os jogos para o mercado internacional e não somente para brasileiros. Vocês acham que os desenvolvedores brasileiros têm algo que os distingue? Podem falar um pouco sobre as atuais empresas brasileiras?
Acho que ouvi isso até recentemente numa conversa/discussão a respeito, onde falavam que o brasileiro ainda não tem um estilo/jogo próprio, não lembro exatamente, mas a discussão era muito interessante. Inclusive, pessoas de fora diziam que o brasileiro ainda estava se descobrindo, etc. Pois bem, nesse caso, posso dizer apenas pela minha experiência e digo que o Brasil tem muitos jogos sensacionais e incríveis mas, obviamente, também tem inúmeros jogos horríveis, assim como em qualquer outro lugar. Empresas novas que estão em grande destaque para mim por causa de seus projetos e jogos recentes são a Otus (por sinal, conheci os caras no contest do Ouya, onde vi o jogo deles no site, fiquei super feliz por descobrir que eram brasileiros e entrei em contato) e a Pocket Trap, que foi até destaque, junto com a Otus no indie speed run desse ano, claro que não conheço toda e qualquer empresa, mas tem também a Fire Horse, que está com um projeto simplesmente incrível e que vai render muita grana se for bem executado (e eu fiz questão de falar isso para eles no último sbgames). Enfim, são apenas alguns exemplos de muitas empresas boas que temos aqui.

Vocês são uma empresa independente, mas que teve alguma experiência com a Paradox. Vocês acham possível trabalhar com eles ou outra publisher no futuro?
É totalmente possível sim, nós tivemos boas experiências e ruins também. Nosso contato foi muito bom e saudável, só que essa questão indie/publisher só bateu mesmo de frente quando nossas ideias são, claramente, espalhar nossos projetos, fazer com que as pessoas joguem e se divirtam não importa o que aconteça, enquanto a publisher já tem um objetivo diferente, que é ganhar dinheiro. Tivemos momentos em que essas questões bateram de frente e tivemos até que tirar a feature mais pedida do nosso jogo: o cloud saving.

Quando podemos esperar pela chegada do Chroma Squad?
Olha, para essa pergunta, nós temos uma resposta automática que é: em alguns meses! (risos). Inicialmente, nós anunciamos que a versão Beta do Chroma Squad sairia no final de dezembro, mas foi impossível, então, anunciamos que no final de janeiro provavelmente sairia, mas ainda não está 100% para começar um beta. A comunidade mesmo já disse: "antes lançar um jogo bom do que algo corrido e que não seja divertido", exatamente como nós pensamos. Não temos motivo para lançar coisas corridas e com problemas a ponto de ser ruim para o jogador, mesmo porque seria um tiro nos pés (risos). Então, acredito que nos próximos meses a gente lance o Beta e em seguida lançaremos para pc (windows/mac/linux).

Muitos planos para jogos futuros?
Nossos planos são infinitos, temos uma caixinha de ideias que é renovada sempre. Vira e mexe, temos vontade de fazer jogos/projetos diferentes e acabamos brincando com isso nos game jams. Mas ideias não faltam e logo depois do Chroma Squad, já devemos entrar na sessão de reuniões infinitas pra começar um projeto novo. :D

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