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Histórica Mágikas

Brian Butler Conjura o Demônio Bartzabel

Uma performance artística dos diabos.

Fotos por Luke Gilford

Tive o bom senso de chegar cedo e evitar a multidão. A fila do lado de fora do L&M Arts em Venice, Califórnia, se estendeu por dois quarteirões e não mostrava sinais de estar andando. Um murmúrio de vozes disparatadas podia ser ouvido, eram os presos do lado errado da porta da galeria, basicamente um clamor de “isso é loucura”. Loucura ou não, aqueles que estavam dentro do santuário foram pastoreados pela segurança até um pátio envolto numa grande nuvem de incenso e fumaça, vibrando com os graves de uma caixa de som.

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Uma aparição dividiu a névoa na forma de um figura usando uma túnica vermelha com capuz. Empunhando uma espada, ele solenemente atravessou o perímetro do palco negro decorado com círculos vermelho-sangue e um altar. Duas mulheres logo o seguiram, guiando uma pessoa vendada e amarrada até uma área triangular cercada de símbolos mistos. Tudo isso soa como parte de um capítulo não terminado de um livro de J. K. Huysmans, mas o evento estava sendo apresentado ao vivo em frente a uma plateia de quase mil pessoas — um amálgama curioso de artistas, ocultistas e subcelebridades que mostravam ao mesmo tempo uma variedade de antecipação, confusão e inveja.

O autor dessa cena é o artista de Los Angeles Brian Butler, um ícone de uma subcultura ocultista que desabrochou na última década. Suposto polímata — artista, cineasta, músico e escritor —, Butler tem construído sua persona em torno da dedicação aberta às artes negras e com o desejo de tornar públicos os rituais e dogmas de uma fé que tradicionalmente são mantidos em segredo. Isso, juntamente com seus laços com pessoas de reputação infame, notadamente Kenneth Anger, fez dele uma pessoa igualmente elogiada e injuriada.

A cena em questão, a última e mais grandiosa apresentação de Butler, foi uma performance de A Evocação de Bartzabel, de Aleister Crowley. Baseado nas técnicas de evocação encontradas nos grimórios medievais, o ritual foi escrito em 1910 e concebido pra manifestar Bartzabel, um espírito tradicional de Marte no ocultismo ocidental, através de pessoas encapuzadas dispostas num triângulo mágico. O público, que lotou o pátio da galeria, foi o maior já reunido pra testemunhar o rito crowleyano.

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VICE: Nos últimos anos, você tem apresentado evocações em grande escala e performances relacionadas em galerias e museus do mundo todo — Estados Unidos, México, França, Reino Unido, Portugal, Áustria, Itália, Dinamarca e China — e criou um corpo de trabalho no qual ritual e arte são inseparáveis. Como você vê a conexão entre essas duas coisas e qual é o apelo que essas evocações públicas têm pra você?
Brian Butler: Sempre considerei a magia como uma arte e meu estudo do oculto inspirou minha visão como artista. Também sinto que a imagem da magia cerimonial é visualmente impressionante e tem o potencial de impactar um público de maneira poderosa. A ideia da evocação pública me atrai em muitos níveis. Tecnicamente, arte é um trabalho de criação, mas, pra mim, isso frequentemente é mais uma manifestação de algo que já existe em outro plano de consciência, o que fornece outro cognato pra mim com a prática oculta. Uma performance pública ritualística me oferece um fórum aonde posso trazer manifestações espirituais pra um nível superficial que uma pessoa comum pode perceber.

Há precedentes pro que você está fazendo, ou você acredita que isso é único? O que você acha que a conexão com o ritual anuncia pro futuro da arte e da performance?
No contexto do mundo da arte, essa conexão é nova — ainda não havia realmente sido explorada. Certamente sempre tivemos artistas interessados no oculto e que permitiam que isso inspirasse seus trabalhos. Isso até se tornou um subgênero no começo do modernismo, mas estava geralmente escondido sob o conteúdo formal da obra, como no caso de Piet Mondrian, por exemplo. Mas a conexão aberta, com a performance do ritual de magia como arte, é algo novo. Acho que é um passo em direção a uma relação mais íntima entre artista e público. Lembro de uma coisa que Marina Abramovic elucidou pra mim sobre o oculto e o contexto de performance, que o futuro será um mundo não objetivo sem arte no sentido que temos agora. Ela prevê que vamos atingir um estado mental e um nível de consciência que vão nos permitir transmitir pensamentos pra outras pessoas. “Não existirão esculturas, ou pinturas, ou instalações”, ela me disse. “Só o artista de frente pro público, que será desenvolvido o suficiente pra receber a mensagem e a energia”. Acho que a fusão de arte e ritual é um passo na direção desse tipo de conectividade e de intimidade.

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O ocultismo muitas vezes é vítima da cultura kitsch, com o que era elevado se tornando muito baixo. Essa fusão de arte e ritual ajuda a elevar isso novamente?
Sim. Devido ao sensacionalismo da mídia, elementos do trabalho de Crowley foram cooptados e se tornaram parte de uma cultura pop muito baixa, tipo filmes de terror. E pra mim isso não tem nada a ver com a essência do que Crowley foi ou fez. A recontextualização dos rituais como arte ajuda a salvaguardá-los desse nível de cultura pop e permite um assentamento de sua própria estética sofisticada e valor cultural.

                                                                                                                                                     ***

Com o desenrolar do quadro, Butler aponta sua espada pro triângulo e pede proteção contra o mal. Reunindo seus poderes e atingindo um estado de exultação, ele se aproxima do triângulo e começa a entoar um cântico. Enquanto o espírito de Bartzabel é invocado, a figura vendada solta um grito de agonia — ele representa uma base material, o objeto onde o imaterial pode tomar forma. Seu corpo se contorce em rebelião contra a experiência sobrenatural pela qual está passando. Continuando, Butler interroga o espectro que habita o homem e faz com que isso jure obediência.

Muitos membros do público estavam envoltos em atenção reverente enquanto Butler solenemente supervisionava seu altar, mas outros estavam furtivos. Fundir arte e ritual numa configuração de galeria cria um casamento desconfortável pra quem não consegue compreender a solenidade de tais cerimônias e considera esses eventos como algo a ser assistido como espectador. Essas pessoas falham em reconhecer a natureza sutil e cheia de nuances dos rituais de Butler. Pra Evocação de Bartzabel, por exemplo, as figuras de túnica vermelha são colocadas contra um fundo negro, de onde tiram uma qualidade abstrata. Movendo-se, mas parecendo algo não tão humano, eles criam a sensação de espaço limiar. A luz e o cenário também são cuidadosamente planejados, criando padrões de sombra que reforçam os gestos de Butler. Essas amostras de luz e escuridão se congelam e se dissipam pra criar uma sensação de presença alternada e ambígua emanando de Butler, e consumindo aqueles que participam do ritual.

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Alguns podem não gostar de ver algo que antes era secreto se tornar não só público, mas presente como espetáculo. Outros, como o especialista em Crowley Rodney Orpheus, autor de The Grimoire of Aleister Crowley e chefe da O.T.O. (Ordo Templi Orientis) na Irlanda, elogiam os esforços de Butler pra tornar o oculto menos opaco.

VICE: O que Crowley teria achado desses espetáculos e como isso está de acordo com os métodos dele?
Rodney Orpheus: Acho que Crowley teria adorado. Estamos falando do cara que vendeu ingressos pra performance pública de “Os Ritos de Elêusis”, então isso está alinhado precisamente com o modus operandi do próprio Crowley. É a primeira vez que ouço falar disso sendo realizado publicamente. O trabalho original de Crowley não era público, mas privado.

Você acha que o Brian está ajudando a acender uma nova onda de interesse por Crowley em particular, e pelo ocultismo em geral? No final das contas ele teve uma multidão enorme, talvez mil pessoas, em sua evocação de Bartzabel.
Estou agradavelmente surpreso e impressionado de ouvir isso. Acho mesmo que muitas pessoas têm interesse por essas coisas e são capazes de (e estão ansiosos pra) compreender isso. Aplaudo a abordagem de Brian.

O perfil cada vez mais elevado dos rituais de Brian vem trazendo críticas a ele na forma dos ocultistas de poltrona, que ou não entendem sua intenção, ou falham em reconhecer a quantidade de estudo que entra em cada uma de suas performances. As sutilezas de tais rituais são muito difíceis pra que o público não familiarizado com isso consiga entender?
Como dizem por aí, “haters gonna hate”. Sempre haverá pessoas criticando essas coisas, de um lado ou de outro. Geralmente essas críticas são justificadas. A maioria das tentativas de realizar esses rituais de magia pro público dão com a cara no chão, principalmente porque os artistas não são capazes de realizá-los; ou porque são ótimos ocultistas e péssimos showmen, ou o contrário. São poucas as pessoas que têm habilidade nas duas disciplinas.

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Brian Butler é uma dessas pessoas, aparentemente. Parte de sua genialidade como showman é o cuidado diligente com que ele seleciona os rituais apropriados — aqueles que vão não só atrair especialistas em ocultismo, mas também o público geral, e que tenham um aspecto específico pro local escolhido. A Evocação de Bartzabel é um exemplo perfeito. O discurso em si tem um grande apelo, sendo uma tentativa de Crowley de conceber um ritual que fosse poético e inspirador. Além disso, o ritual se encaixou perfeitamente no espaço, já que Butler estava conjurando um símbolo marcial e o prédio que abriga a L&M Arts já foi a casa de Ray Bradbury, o autor de Crônicas Marcianas.

O céu noturno nublado se abriu sobre o pátio da galeria enquanto Butler se aproximava do clímax. Agora, sob o brilho de uma lua profunda, Bartzabel teve licença pra partir. A sombra de Butler se une à das mulheres atrás dele e suas silhuetas escurecidas caem como um grupo sobre o homem vendado, triangulando pra fora e expressando a liberação da entidade. No momento do auge, Butler soca triunfantemente seu punho no chão e declara: “ABRAHADABRA!”. O portal está fechado, as mulheres levam embora o homem do triângulo, mancando e exausto; e o público, alguns já iniciados, outros perplexos, é liberado na noite escura.

Butler vai apresentar A Evocação de Bartzabel em Berlim no fim do mês num local ainda a ser anunciado. Acesse o site brianbutler.com pra mais detalhes.

Confira as datas das próximas exposições coletivas de Butler:

Ma Prochaine Vie  
ForYourArt
6020 Wilshire Blvd
Los Angeles, CA 90036
Abertura dia 22 de janeiro

Blended
Seeline Gallery
8687 Melrose Avenue
Suite B274
West Hollywood, CA 90069
De 17 de janeiro a 8 de março

Sanctified: Spirituality in Contemporary Art
Vincent Price Museum
East Los Angeles College
1301 Avenida Cesar Chavez
Monterey Park, CA 91754-6099
De 9 de fevereiro a 26 de abril