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Desastre em Mariana

Investigado por corrupção, prefeito de Mariana cogita demitir 400 dos seus funcionários

Duarte Júnior (PPS), cujos bens foram bloqueados pela Justiça, diz que o corte na folha acontecerá caso Vale a Samarco não paguem dívida com o município.
Prefeito Duarte Júnior. Foto: Flavio Freire

Se o "tsunami de lama" passou longe do centro de Mariana (o distrito Bento Rodrigues está a 30 km da sede da cidade), o impacto financeiro depois do crime ambiental tem sido sentido por moradores, comerciantes e pelo governo municipal. É o que conta à VICE o prefeito Duarte Júnior (PPS), cujos bens foram bloqueados nesta quinta (3) durante a quarta fase da operação que investiga crimes de corrupção no município — Duarte foi reeleito na cidade com 74% de votos um mês antes do aniversário do que ele classificou como "o maior derramamento de lama do mundo".

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O prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS), é acusado de improbidade administrativa, fraude e compra de votos. Foto: Flavio Freire

A crise financeira pela qual passa o país desde 2014 já vinha afetando a mineração, fonte de 89% do PIB e da arrecadação de impostos de Mariana. Para se ter noção da queda da arrecadação, o CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) foi de R$ 4,5 milhões/mês em média em 2014, para R$ 800 mil mensais na primeira metade de 2016 — isso somando os valores pagos ao governo municipal pela Vale e Samarco (esta também controlada pela Vale, em parceria com a anglo-australiana BHP Billiton).

"Alguns acontecimentos nos ajudaram a gerir a cidade. Nós recebemos, no início de 2016, R$ 29 milhões, da Samarco e da Vale relativo a dívidas que eles tinham, relativo a transporte e CFEM, e que seriam para investimentos em água, saneamento básico, reformas de escolas, mas [o dinheiro] foi usado para compensar a queda na arrecadação, senão estaríamos quebrados", conta Duarte.

O prefeito cita ainda que Samarco e Vale teriam dívidas a pagar com Município, Estado e a União e, mesmo em negociação, os valores em questão não foram pagos ainda. "Apesar de termos feito todo o necessário para ajustar as contas, teremos que demitir mais ou menos 400 pessoas da prefeitura [11% dos 3500 de funcionários da prefeitura], ainda no mês de novembro, se não entrar esta verba", informa Duarte.

Em resumo, o que vem mantendo a cidade de Mariana, "casa" da Samarco, desde a suspensão das atividades da mineradora são tributos atrasados e não pagos pela segunda maior mineradora do mundo, a Vale, e sua joint venture com a maior mineradora do mundo, a BHP. "Este ano vamos fechar as contas sem dever nem um real. Mas para 2017 é uma nova realidade e estes quase R$ 30 milhões não existem mais. O município está arrecadando uma média de R$ 18 milhões e tem gasto até R$ 22 milhões". E a situação poderia se agravar em 2017, segundo ele.

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A receita [da prefeitura] que hoje é de R$ 11 milhões, no fim do ano que vem cairá para 5, 6 milhões. — Duarte Júnior

"Nosso principal tributo além do CFEM é o ICMS, que é retroativo. Nós só deixaremos de receber o ICMS pós-tragédia, com sua queda dois anos depois do rompimento. Então esta receita que hoje é de R$ 11 milhões, no fim do ano que vem cairá para 5, 6 milhões. É uma queda extremamente preocupante e nós sabemos que a solução é buscar indenizações a que o governo tem direito".

Segundo dados da prefeitura, o desemprego na cidade era de duas mil pessoas no primeiro semestre de 2015, meses antes da tragédia. Hoje, este número está em 13 mil, dos quais, segundo uma pesquisa do Banco Nacional de Empregos, citada ainda pelo prefeito, 70% estariam ligados direta ou indiretamente à parada das atividades de mineração da Samarco.

Enquanto a reportagem ouvia Duarte Júnior, uma empresária fixava diante da sua loja, do outro lado a rua, uma faixa com os dizeres "GCL Artesanato apoia a retomada da Samarco". Carla Lamarca, 49, responsável pela mensagem, explica sua opinião: "Nós, e o comércio em geral em Mariana, tivemos um uma queda de 85% no movimento — muitos prestadores de serviço para a Samarco. Se formos esperar a Samarco cumprir tudo que exigem para retomar as atividades, Mariana acaba!", conta, e completa que "claro que foi um erro e tem que compensar os prejuízos, mas ela [a mineradora] deveria voltar já, e depois que sejam acertados os acordos".

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Comerciantes de Mariana contam que as vendas diminuíram cerca de 85% desde a tragédia. Foto: Flavio Freire

O prefeito pondera. "Pra mim é extremamente importante a volta da empresa. Já me posicionei sobre isso desde o início da tragédia, mas não abro mão de que uma vírgula do que foi tratado seja cumprido. Mas há de se dizer que não há futuro em Mariana sem a volta da Samarco para a geração de empregos", comenta.

Nesta quinta-feira (3), o promotor público de Mariana, Guilheme Meneghin apresentou a decisão judicial que bloqueia os bens do prefeito Duarte Júnior e da sua esposa, Regiane Gonçalves, responsável pela secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania. O casal e o secretário adjunto, João Paulo Paranhos, são acusados de improbidade administrativa, fraude e compra de votos. Regiane e Paranhos ainda estão proibidos de exercer cargo público e de manter contato com as testemunhas do caso — funcionários públicos de Mariana e cidadãos da cidade.

Print da decisão do promotor de Mariana, Guilheme Meneghin.

Segundo a denúncia do MP, que faz parte da 4ª etapa da operação Primaz de Minas, Regiane e Paranhos, por meio da Secretaria, desviaram cerca de R$ 32 mil em material de construção entre agosto do ano passado e março de 2016. O material foi descoberto após decisão da justiça eleitoral em 19 residências, o que segundo a juíza, levanta "fortes indícios" de compras de voto em benefício do agora reeleito Duarte Júnior. Para tentar esconder o desvio, a secretária e o adjunto forjaram, entre agosto e setembro deste ano, o cadastro destes 19 beneficiários, só que com a data de março de 2016.

A denúncia do MP também acusa Regiane e Paranhos de fraude em um processo seletivo da Secretaria. Segundo o relato, ambos teriam "descartado os gabaritos" de um exame para cargos provisórios na pasta, "substituindo-os por outros, para que fossem aprovados os candidatos que lhes interessavam". Um candidato consultado afirmou que o gabarito apresentado pela Prefeitura não era igual ao que ele preencheu e nem sequer reconheceu a assinatura.

A reportagem tentou contato novamente com a prefeitura de Mariana e sua assessoria informou que não iria comentar o caso por não ter sido informada sobre a investigação.

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