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Fui Preso nos Protestos do 7 de Setembro no RJ

Mas agora tá tudo bem. Quer dizer, na verdade não tá. Cadê o Amarildo?

Nesta temporada outono-inverno, a máscara do Guy Fawkes desfilou pelas ruas do Brasil mais do que qualquer outra tendência prevista para a estação. Ainda no início dessa movimentação, enquanto políticos e intelectuais tentavam desvendar quais seriam as "forças ocultas" por trás de tudo, um grande protesto foi convocado para o 7 de setembro sob o nome de "O maior protesto da história do Brasil". No Rio de Janeiro, a insurgência foi se fragmentando no decorrer dos meses e, em vez de grandes protestos com a presença de vários setores da esquerda tradicional e coxinhas de cara-pintada, começamos a ver uma média de dois a três pequenos e médios protestos por semana, convocados por diversos grupos apartidários, como anarquistas, feministas, índios e, é claro, os adesistas da tática Black Bloc.

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Vimos, desde então, uma constante oscilação na reação da mídia, autoridades e opinião pública frente ao Black Bloc, que ia ficando cada vez mais animado à medida que o 7 de setembro se aproximava, deixando as autoridades visivelmente preocupadas. O contra-ataque veio na semana do protesto, na madrugada da quarta-feira dia 4. Seis administradores da página de Facebook do Black Bloc RJ, dois deles menores, receberam a visita da Polícia Civil e foram presos por formação de quadrilha armada e incitação à violência. Você já se perguntou quais armamentos são esses? Pois é, foram encontrados na casa de alguns "jacarés", artefato feito com pregos ou vergalhões soldados usados para perfurar pneus de viaturas policiais durante os protestos. Os maiores foram conduzidos ao Complexo Penitenciário de Bangu. No dia seguinte, mais um golpe: enquanto uma proposta de lei que proíbe mascarados em manifestações transita na ALERJ, o secretário de segurança aprovou uma portaria que obriga manifestantes mascarados a se identificarem aos policiais, podendo ser conduzidos a uma delegacia para averiguação.

A esquerda tradicional, composta pelos partidos mais radicais, sindicatos e movimentos sociais já realiza há anos o "Grito dos Excluídos", uma marcha que acontece após o desfile militar de 7 de setembro, e que este ano foi marcado para as 14h. O Black Bloc resolveu se adiantar e marcou a concentração de seu protesto para as 7h, duas horas antes do início da parada militar. Em reação, as forças armadas reduziram em 40% o efetivo do desfile, para tentar torná-lo mais rápido, excluiu do roteiro os batalhões da Choque e de Operações Especiais (o famigerado BOPE) e os colocaram na rua, reforçando a PM num contingente de dois mil policiais, fora mais mil policiais do exército.

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Cheguei na manifestação por volta das 8h, junto de dois colegas da VICE. As revistas já rolavam desde a catraca do metrô. O Black Bloc marcou sua concentração para a esquina da Av. Passos com a Presidente Vargas. Quando chegamos, devia ter cerca de 200 pessoas e a PM já tinha montado dois cordões de isolamento entre a galera e o desfile.

Já tinha rolado algumas prisões, cacetadas e tasers. Além da acusação de sempre, a trinca desacato, resistência e agressão que todo maloqueiro do mundo já conhece, havia uma novidade: a recusa em se identificar. Esse cara aí em cima tomou um taser e, mais tarde, fui saber que quando eles disparam o dardo do taser, ele só pode ser removido com uma microcirurgia, uma vez que o armamento é projetado de maneira que se você tentar arrancá-lo, ele vai abrir uma buceta em sua pele, e é uma buceta "naqueles dias".

Tinha muita gente máscarada e, às vezes, os PMs alfanuméricos escolhiam algum, pediam a identificação e faziam uma revista. Como sempre, isso acaba gerando tumulto e "justificando" prisões e uso indiscriminado de tasers e cacetadas.

Então, o Black Bloc montou seu próprio cordão de isolamento, cercando todo o grupo e impedindo a entrada dos PMs que não paravam de chegar. Um grupo de PMs começou a montar uma barreira por atrás, visando cercar os manifestantes.

Surpreendendo como sempre, o Black Bloc engatou a marcha-ré e desceu a Av. Passos, rumo à Praça Tiradentes, afastando-se da parada de sete de setembro. Os PMs mantiveram sua barreira sem seguir os manifestantes. Helicópteros dos telejornais acompanhavam tudo lá de cima, transmitindo ao vivo. Imagino que helicópteros da polícia e forças armadas também, mas, pelo visto, ainda assim eles não conseguiram se ligar no plano mais do que óbvio da galera.

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A linha de frente do BB trazia fotos de mortos da ditadura militar. Infelizmente, a brutalidade da polícia não começou naquela época e parece que não vai terminar com o desaparecimento do Amarildo.

Então, ao chegar na Praça Tiradentes, a galera entrou na Rua da Carioca, caminhando rumo ao Campo de Santana, de onde voltou para o desfile na Av. Presidente Vargas.

Ao passar em frente ao 13BPM, um dos porões da ditadura militar, a galera começou a vaiar e esse cara vestido de Batman que acompanhava a manifestação tentou fazer uma contenção. Não demorou para começarem a atirar bombas de gás lá de dentro. Dessa vez, os BBs não reagiram, mantendo sua corrida rumo ao Campo de Santana, afinal, a prioridade da missão era avacalhar a parada de 7 de setembro.

De volta ao Campo de Santana, a galera formou uma linha e saiu em disparada rumo à Avenida Presidente Vargas. Nesse ponto, a barreira da PM era de apenas uns dez PMs que não deram conta das centenas de BBs enfurecidos. Por mais óbvio e previsível que o plano de contornar a barreira policial parecesse, ele funcionou.

A galera ocupou uma das pistas da Presidente Vargas entre as arquibancadas em que famílias assistiam ao evento cívico e a parada propriamente dita. Acabamos saindo em frente ao Panteão de Caxias, onde estava montado um palanque, sobre o qual os oficiais do Comando Maior do Leste assistiam ao evento, e alto-falantes anunciavam os pelotões que desfilavam. Mesmo após o confronto e corre-corre generalizados que se sucederam, a narração continuava, como se nada tivesse acontecendo. No final do dia, a assessoria de imprensa dos milicos ainda teve a cara de pau de divulgar uma nota dizendo que tudo havia transcorrido conforme planejado.

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Uns manifestantes se sentaram ou deitaram na pista, enquanto outros se mantinham de pé, gritando palavras de ordem na direção do palanque dos milicos. Rapidinho, a tropa de choque chegou passando o rodo, nem aí para o fato de a galera estar ali sentada.

Obviamente, várias bombas atingiram a arquibancada, promovendo um corre-corre e uma choradeira generalizada. Grupos de BBs e pessoas que assistiam ao desfile derrubaram as grades e correram para a pista principal rumo ao desfile, justificando a ação repressora da Polícia do Exército. Outros tentaram entrar no metrô, que fechava os portões às pressas.

A maior parte do Black Bloc correu de volta ao centro e foi caçado pela Choque. Uma porrada de gente ficou machucada.

Depois de várias pequenas reagrupações pelo centro, o Black Bloc voltou à Rua Uruguaiana, de onde o "Grito dos Excluídos" começava sair, e à primeira vista dos escudos da galera de preto, a Tropa de Choque começou a atirar.

O confronto foi rápido e a galera se espalhou. Quando o gás deu uma baixada, eu resolvi comprar a primeira cerveja do dia, pois acredito que o "pão líquido" ajuda a suportar os efeitos do gás lacrimogênio. Foi quando eles prenderam um cara e começaram e socá-lo para dentro de uma viatura com bastante violência, mesmo com a imprensa e alguns BBs cercando a viatura e tentando impedir a prisão. Aí eu tive a "brilhante" ideia de derramar a cerveja em cima do para-brisas do carro, para impedir a visão do motorista.

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Eu não tinha percebido os alfanuméricos ao meu lado e logo fui cercado, derrubado e eletrocutado com tasers, mas continuei filmando e até sorri para essa foto foda aí acima. Me tagueram milhões de vezes no Facebook, mas eu nao sabia de quem era. Depois descobri que é do Marcio Isensee. Depois de um tempo no chão, eles me levantaram e me conduziram para uma viatura, um monte de gente cercou a polícia e filmou minha prisão, me chamando pelo nome, o que acredito ter ajudado muito para que me levassem sem mais truculência.

No final das contas, os dois PMs que acabaram me conduzindo e passando as três horas seguintes comigo na delegacia foram bem cordiais. Mal cheguei na 17a DP e um advogado da OAB me auxiliou; 11 pessoas já tinham sido levadas para lá e a maioria tinha sido liberada bem rápido. Eu acabei demorando mais porque meu caso acabou gerando uma grande discussão sobre se eu tinha cometido algum crime ou não e qual seria ele. As hipóteses foram de "fato atípico" à "depredação de patrimônio público" um crime inafiançável. No final das contas, acabei saindo com "conduta indevida", que me lembrou das advertências que eu recebia na caderneta da escola.

Eu me reencontrei com os outros colegas da VICE e fomos para o Largo do Machado, onde uma galera se reuniu com outra que veio a pé desde a Lapa, para uma marcha marcada para as 17h rumo ao Palácio Guanabara. A essa altura, a cidade já estava sitiada, com vários ônibus conduzindo os policiais para lá, além de viaturas e motos patrulhando os bairros. Logo de cara, um sujeito que batucou num ônibus da polícia foi preso, não sem antes levar várias cacetadas. Como ele não tinha uma câmera no pescoço e sua pele era mais escura do que a minha, seu tratamento foi bem mais brutal. Será que ele saiu como "conduta indevida" também?

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Uma galera ficou para trás, batendo boca com a PM, enquanto outra foi correndo até o Palácio Guanabara, mas não conseguiram chegar nem perto, pois a barreira policial estava bem longe do Palácio e a Choque começou a atirar mal a galera chegou. Então, rolou uma dispersão. Enquanto a galera se reagrupava. Depois de dar uma carteirada de imprensa e me submeter à revista, consegui entrar no bloqueio e fazer essa foto aí.

Rolou uma reagrupação na esquina da Rua das Laranjeiras com a Pinheiro Machado e a PM cercou geral. Músicos colaram tirando um som e vários moradores desceram para reclamar da truculência da polícia, afinal, quando essas merdas acontecem, a fumaça sempre vai para dentro das casas dos moradores.

Começou a anoitecer e mesmo que o clima estivesse bem relax, os policiais não paravam de chegar.

Se for verdade, admiro pacas o peito dessa mina. E sem trocadilho, por favor.

Aí a galera resolveu contornar o bloqueio e subir rumo ao Cosme Velho. Mesmo que esse não seja o caminho do palácio, a Choque reagiu, num dos ataques com bombas mais brutais que já vi desde o início das manifestações. Não consegui fotografar, mas fiz um vídeo impressionante que vocês vão ver depois.

Então, a maior parte da galera se reagrupou no Largo do Machado, que não tinha nenhum policial, e barricadas começaram a ser montadas.

Quando a PM chegou, a galera recuou para a Rua Bento Lisboa. Pararam o trânsito e usaram esse ônibus como escudo.

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Uma galera ficou de frente trocando bombas e pedras com os policiais. Enquanto outros recuavam montando mais barricadas.

A perseguição durou até a Lapa, deixando um caminho de barricadas.

Quando conseguiam, a Choque rendia, revistava geral e levava alguém preso por algum motivo idiota.

Eu não sei o que é mais escroto, os caras da Choque com a máscara de Storm Tropper, ou quando eles tiravam a máscara e ficavam rindo sadicamente.

Na Lapa, houve mais confrontos e ouvi dizer que jogaram até uma privada na polícia. A galera foi se dissipando e logo começou uma vigília em frente a 9a DP, onde já tinha um monte de gente presa. Eu já tinha tido minhas doses de ação e delegacia pelo dia e resolvi voltar. Pedi ao taxista para fazer o caminho de volta da manifestação e pude ver as barricadas ainda em brasa, e muitas viaturas e motos patrulhando não só os bairros onde houve confronto, como vários bairros adjacentes. No final, foram 77 detidos nesse dia, mas todos acabaram respondendo em liberdade.

E Amarildo que é bom, nada!

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