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Entretenimento

A Internet Surtou por Causa de um Esmalte de Unha que Detecta o “Boa Noite, Cinderela”

Estupradores sempre existirão. Qual é o problema com uma invenção que existe para te proteger?

Foto cortesia de Bertie Brandes. 

Muita gente na internet é idiota. Isso eu posso te garantir. Mas é só cavar pra além das hordas de trolls genéricos que você encontra um tipo mais ponderado de babaca. Esse pessoal não quer reviver a carreira de algum jornalista fracassado propagando suas asneiras sexistas ilegíveis. Essas pessoas se veem como defensoras da justiça social. Esses justiceiros da internet querem limpar o mundo de qualquer coisa remotamente ofensiva para qualquer pessoa em qualquer lugar. Eles fazem quadrinhos tipo este. Eles são o equivalente humano à caneta esferográfica vermelha.

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Estou falando isso agora por causa de um esmalte de unha. Mais especificamente, um esmalte que estudantes norte-americanos estão desenvolvendo que vai permitir às pessoas mergulhar os dedos numa bebida e descobrir se o drinque foi batizado com Rohypnol ou algo do gênero. É uma ideia legal – se você não tem nojo de mexer seu drinque com o dedo. E não devia ter mesmo, porque logo esse dedo vai estar enfiado na sua garganta, tentando trazer de volta as oito doses de tequila que não foram uma boa ideia para uma noite de quarta-feira. Infelizmente, a invenção foi atacada na internet com muita fúria – e eu não entendi ainda muito bem o porquê.

Não é uma ideia tão inacreditável assim. Ninguém está sugerindo instalar microchips em imigrantes que explodem quando o visto expira ou tornar anéis do humor obrigatórios para quem tem transtorno bipolar. Claro, há várias questões em jogo, particularmente que o produto pode reforçar a ideia de que a mulher que não estiver usando isso está “se colocando” em perigo. Mas essa consciência da mentalidade sexista, que culpa a vítima em casos assim, não deveria interferir na pesquisa de coisas que vão te deixar mais segura numa situação em que, de outra forma, você se sentiria vulnerável ou preocupada.

Eu acho que a ideia é: a) legal; b) nem perto de ser tão problemática quanto este cartaz de conscientização de estupro do sistema de saúde inglês, que mostra uma mulher com “pouca roupa” e rímel escorrendo pelo rosto.

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Foto via Flickr

Mas como alguém que escreve, tuíta e se identifica como feminista, parece que perdi o bonde. A BBC relatou na semana passada que um monte de gente está ultrajada com a invenção, e não porque a cartela de cores do tal esmalte é muito limitada. A rede de notícias também apontou, o que foi até engraçado, que “a reação da internet veio de onde não se esperava – de pessoas contrárias ao estupro”. Acho que eles estavam esperando lidar com defensores do estupro, gente furiosa porque as pessoas teriam um novo jeito de impedir ataques a mulheres. Até vejo o time da internet da BBC revirando os olhos em antecipação: “Espera só até os estupradores ouvirem essa história, a coisa vai ficar feia no Twitter!”

Mas não, até agora o pessoal pró-estupro não se manifestou. Em vez disso, temos um monte de gente que se interessa por políticas de gênero e feminismo denunciando essa invenção. Por quê? Bom, por muitas razões que são absolutamente verdade, mas que não têm nada a ver com essa história ou são vagamente praticáveis. As respostas mais irritantes seguem a linha: “Ei, em vez de fazer as mulheres usarem esse esmalte, que tal NÃO ESTUPRÁ-LAS?”. Ah, se essas ativistas de sofá pudessem usar seu poder para formar grupos de estudo para estupradores no mundo todo, classes com homens sendo educados com os textos do Jezebel. Já imagino os alunos pasmos, pensando como puderam ser tão nojentos e sem consideração.

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Não quero desvalorizar o trabalho de ativistas antiestupro, claro, mas quando alguém responde à notícia de um produto que pode ajudar a garantir a segurança de uma pessoa vulnerável com “QUE TAL PEDIR PROS ESTUPRADORES USAREM ESMALTE ANTIESTUPRO?”, é difícil não fazer uma careta. Sim, claro, num mundo ideal os estupradores seriam presos antes de estuprar e ninguém seria estuprado nunca. Mas, infelizmente, não vivemos num mundo ideal. Ainda não.

Rape prevention nail polish sounds like a great idea but I’m not sure how you’re going to get men to wear it

— Andrea Grimes (@andreagrimes) August 26, 2014

Esmalte de unha parece uma ótima ideia, mas como vamos fazer os homens usarem isso? 

Argumentar com absolutismos simplistas te faz parecer uma criança de cinco anos tentando entender o conceito de crime. Equipar as pessoas com ferramentas para se proteger não é a mesma coisa que culpar a vítima ou alertá-las para tomar “medidas preventivas”. O triste é que essa e outras medidas de segurança – como alarmes de estupro e spray de pimenta – só são voltados para o público feminino. Talvez se falássemos honestamente sobre como os homens também correm risco de sofrer violência física e sexual, não pareceria tanto que as mulheres estão sendo culpadas simplesmente por serem mulheres.

Finalmente, é importante lembrar que esse esmalte não afirma prevenir estupro, simplesmente detectar a presença de uma droga. E isso pode ser muito útil. Um estudo sobre universitários norte-americanos coloca a taxa de ataques contra pessoas que tiveram suas bebidas batizadas em 5,3%.

E ainda assim, apesar dessa porcentagem relativamente baixa de estupros reais, incidentes com bebidas batizadas parecem acontecer com frequência. Parece-me que muitos babacas estão dispostos a tentar a sorte. Tenho pelo menos duas amigas que tiveram que ser carregadas até o táxi depois de apagarem do nada em bares legais, com forno de pizza à lenha, cervejas importadas e tudo mais. Elas descreveram os episódios como incrivelmente embaraçosos, porque todo mundo simplesmente assumiu que elas tinham enchido a cara quando disseram que iam ao banheiro. Quanto mais rápido você puder identificar que sua bebida foi batizada, mais cedo você pode procurar a ajuda séria de que vai precisar. E se isso significa enfiar o dedo no seu drinque para ver de que cor fica, que seja.

Uma vez, alguém me aconselhou a andar no meio da rua quando estivesse voltando para casa à noite, porque assim você pode ver imediatamente se alguém está se aproximando. E isso funciona. Talvez isso tire meu direito sagrado de andar pela calçada, mas não parece um grande sacrifício para se estar segura. Claro, num mundo ideal, esse tipo de babaca que tenta se aproximar de mulheres em ruas escuras teria sido aconselhado a pular na frente de um ônibus, mas, até que eu veja um psicopata esmagado pelas rodas de um busão, vou continuar fazendo o que for preciso para me sentir segura – e você também deveria.

@bertiebrandes

Tradução: Marina Schnoor