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O Guia VICE Pra Fazer 2014 Melhor que 2013

Como Fazer um Ateísmo Menos Escroto em 2014

Novos modelos para quem quer se envolver no ativismo ateu.

Foto por Chloe Orefice, arte gráfica por Sam Taylor.

O ateísmo nunca foi muito importante para mim quando eu era mais novo. A primeira vez que usei a palavra foi quando preenchi um formulário da escola, pensando no que eu deveria colocar, já que não acreditava realmente em Deus. Minha mãe, que não queria me empurrar para nenhuma direção em particular, explicou que “ateu” era a opção que significava não acreditar em um deus. Então, numa canetada, eu me tornei um desses, e não pensei muito no assunto por pelo menos uma década.

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Aí aconteceu o 11 de Setembro, no começo do meu segundo ano de faculdade. O horror desencadeou uma onda de condenações à religião, levando ao surgimento do “Novo Ateísmo”. Tanto quanto fenômeno de publicação como movimento político, os anos seguintes contariam com best-sellers de alto escalão de pessoas como Richard Dawkins, Sam Harris, Christopher Hitchens e Daniel Dennett, entre outros (apesar de esses quatro terem ficado conhecidos como os Quatro Cavaleiros do Não Apocalipse). Com uma mudança de longo prazo da demografia para longe da religião e a repulsa do público pelo extremismo baseado na fé que leva ao terrorismo, parecia que tínhamos atingido um ponto de guinada na batalha sem fim pela sanidade.

No entanto, inevitavelmente, as coisas começaram a descarrilhar. Harris tropeçou em controvérsia com seu aparente apoio às perfilagens raciais, Hitchens morreu e Dawkins entrou no Twitter, começando um ciclo infinito e irritante de controvérsia e perplexidade. Hordas de fãs do Novo Ateísmo começaram a pipocar na internet e muitos deles eram babacas enfurecidos. Diferentes frentes e facções emergiram, cada uma com sua própria ideia do que seria Ateísmo com “A” maiúsculo. O Novo Ateísmo amadureceu, o que, para alguns, significou aprender a odiar os outros de maneiras criativas.

No início de 2014, há quatro grandes — e sobrepostas — cismas no ateísmo, que podem ser resumidas como: Babacas versus Covardes, Islamofóbicos versus Mais Covardes, Misóginos versus Feministas e Norte-americanos versus Europeus. Também podemos acrescentar à lista O Perfil do Richard Dawkins no Twitter versus A Sanidade Coletiva da Internet, mas isso cai em “todas as anteriores”.

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A Guerra aos babacas já vem de alguns bons anos, mas as coisas ficaram mais intensas depois de palestras de Rebecca Watson e Phil Plait em 2010 e 2011, as duas intituladas “Não Seja um Babaca”, que discutiam o ponto controverso de que as pessoas, no geral, não deveriam ser babacas. Como Plait colocou, quantas pessoas mudaram sua crença “porque alguém gritou 'você é um idiota retardado' na cara delas?”.

Isso causou ultraje na comunidade babaca, que se identifica com ceticismo e ateísmo precisamente porque isso permite ser babaca com as pessoas; baseados na lógica popular de que é aceitável ser escroto desde que se esteja certo. Babacas proeminentes retaliaram, apontando os não babacas como covardes, gente sem bravura suficiente para deixar comentários raivosos num post obscuro de um blog criacionista qualquer.

Babacas famosos foram rapidamente arrastados para a briga, com Dawkins no foco da atenção. “Recebo mensagens diárias, aparentemente de pessoas diferentes, mas todas usando a mesma ortografia analfabeta: 'Your a dick'. Campanha coordenada?”, perguntou ele em fevereiro passado, começando sua 47ª explosão de raiva do ano no Twitter. Entrando em 2014, Dawkins continua protestando contra a ideia de que ele é um chato, provando que os comentários de Suzanne Moore sobre “rabugice sisuda” entre ateístas estão errados, com comentários sarcásticos sobre as habilidades de escrita dela no Twitter.

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Mas há argumentos mais sutis e discordâncias sobre o tom. Uma questão é sobre as diferenças fundamentais entre ateísmo na Inglaterra e nos Estados Unidos, um país com o hábito de caçar seus ateístas com a ajuda de luzes brilhantes, grandes brigas e a possibilidade tênue de realmente ganhar dinheiro escrevendo.

Na Grã-Bretanha, as instituições religiosas simplesmente não importam tanto. Claro, há irritações — bispos na Casa dos Lordes, pregadores nas escolas, aquele cara que tem um gancho no lugar da mão — mas eles têm influência limitada e cada vez menor. Hinos e piratas sinistros convertem pouca gente. A Igreja da Inglaterra, da mesma maneira como a monarquia a que ela se apega, sobrevive dócil, inofensiva e não incomodando muito as pessoas. Pedidos por sua abolição encontram uma simpatia meio desconcertada. “Aqueles velhinhos? Com os padres gays? Ah, sério? Deixe esse pessoal em paz, eles vão sumir mais cedo ou mais tarde.”

Formas mais militantes de ateísmo fazem mais sentido em várias partes do mundo onde os fundamentalistas têm conseguido influenciar a legislação, e — dependendo do lugar — se “assumir” como ateu é algo relativamente corajoso. No Reino Unido, comparando vigários bebedores de chá que nem sempre “fazem a coisa de Deus”, a moralidade pseudocristã dos conservadores sociais é uma ameaça bem maior aos valores esclarecidos, e os racionalistas tendem a se focar mais na mídia e em classes políticas por causa disso.

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Claro, essa atitude pode levar à complacência, uma acusação levantada a muitos ateístas de esquerda por Nick Cohen, Richard Dawkins e outros, especialmente quando se trata do Islã.

Imagem por Surian Soosay via Creative Commons.

Os islâmicos nunca tiveram um papel grande na emergência do Novo Ateísmo para começo de conversa. Depois do 11 de Setembro, muçulmanos se tornaram o novo demônio popular, e uma onda de racismo e xenofobia foi direcionada a eles. Grupos de extrema-direita e jornais conservadores começaram a tendência, e logo ficou difícil encontrar espaço entre a retórica do BNP (o Partido Nacional Britânico) e a visão dos colunistas do Daily Mail.

Então, inevitavelmente, veio a reação contra a reação, com a esquerda inglesa cada vez mais desconfortável com o tratamento dado à minoria muçulmana britânica. O termo “islamofobia”, cunhado nos anos 1990, tornou-se cada vez mais usado para descrever insinuações meio racistas e os meios de comunicação que parecem determinados a pintar todos os muçulmanos como extremistas psicóticos, prontos para explodirem a si mesmos ao menor sinal de um cartoon ofensivo. Ao mesmo tempo, ateístas de tendência esquerdista ficaram desconfortáveis com algumas das retóricas vindas de líderes ateístas — do aparente apoio de Dawkins a figuras de extrema-direita como Geert Wilders e Pat Condell, até os comentários equivocados de Sam Harris sobre perfilagem racial.

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O risco aqui, no entanto, como Cohen argumentou, é que a reação da reação ignora a “ação” original. Que pessoas vulneráveis, que sofrem nas mãos de uma religião intolerante, homofóbica e sexista (ou apenas “religião”, já que todas elas preenchem esses critérios num nível institucional), correm o risco de terem suas vozes ignoradas na corrida do politicamente correto: “Um dia”, disse Cohen, “milhares de pessoas que sofreram mutilação genital, ameaças religiosas ou casamento forçado vão se voltar para os estabelecimentos políticos e intelectuais dos nossos dias e perguntar por que não os protegemos. A resposta patética e vergonhosa só poderá ser: 'Estávamos muito ocupados com Richard Dawkins para oferecer qualquer apoio a vocês'.”

Então, como podemos avançar essas questões em 2014? Cohen está certo, há um mal-estar em questionar o Islã, mesmo estando enganado sobre a causa. Não é covardia ou medo que impede as pessoas, é simpatia. A religião não é tão grande no Reino Unido para reunir qualquer interesse fora da paranoia da extrema-direita. Como resultado, isso é sempre atacado pela direita. E, como consequência, talvez as pessoas não prestem atenção suficiente em coisas como casamento forçado e mutilação genital feminina. Isso é um problema, e é algo que precisamos mudar, mas retórica boba e preguiçosa como a de Dawkins, Harris e outros antiteístas linha-dura vêm impedindo esse progresso.

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O ano de 2014 será aquele no qual os misóginos vão continuar reclamando sobre suas vidas miseráveis e sem sexo, os babacas vão continuar agindo como bebês raivosos, a discussão sobre a resposta correta ao Islã vai continuar a apodrecer e o Dawkins vai continuar dizendo coisas idiotas no Twitter. Mas mesmo com todo o barulho e a fúria ao redor desses debates e divisões, as pessoas envolvidas representam uma pequena porcentagem dos ateus do mundo.

O progresso real está acontecendo silenciosamente. A Igreja da Inglaterra, um pouco mais que um anacronismo singular na cabeça de muitos eleitores, continua a diminuir. Nos Estados Unidos, o progresso é lento, mas razoavelmente estável. No Ocidente, o número de pessoas que acreditam em um deus continua a diminuir. Mesmo o ativismo parece ter entrado numa fase mais madura — reconhecendo, talvez, que aquela campanha de cartazes e trolls velhos não deu muito resultado. A conferência The Women in Secularism tem ajudado a criar laços mais fortes entre feminismo e ateísmo — para o terror dos babacas que têm medo de mulher. A Rationalist Association relançou a New Humanist, a revista de 128 anos, com uma linha editorial evoluída e uma escalação excelente de escritores, enquanto o Apostasy Project — longe das multidões ensandecidas do Twitter — está discretamente construindo ligações nas comunidades islâmicas e fornecendo apoio prático para aqueles que deixam a religião.

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Mais do que isso, identidades ateístas parecem estar evoluindo, substituídas por outros rótulos mais positivos. Ateísmo é uma identidade que nunca me pareceu muito confortável, porque, no final das contas, é um nome para algo que não sou. Não é uma “coisa”, mas a ausência de uma coisa. Eu não sou um vegetariano, por exemplo. Parece estranho ser definido contra um padrão cultural que rejeito. Por outro lado, posso me identificar positivamente como humanista, secularista ou liberal. Sempre serei ateu, mas os rótulos que escolho significam mais para mim do que aqueles que me deram.

Conforme seguimos rumo ao fim da era do Novo Ateísmo, o “ateísmo” está se tornando mais um meio do que um fim. Uma nova geração de ateus — pessoas como Alom Shaha, Dan Trilling, Melody Hensley, Tom Chivers e Rebecca Watson — são definidos mais por seu humanismo, secularismo ou feminismo positivos do que por sua falta de deus negativa. O foco deles é construir novos sistemas e avançar novas filosofias em vez de destruir as antigas; e eles lideram por meio do exemplo, não com evangelismo ou bate-cabeça.

Vai haver espaço para múltiplas abordagens — não acho que eu seria capaz de escrever aqui sem ser pelo menos *um pouco* babaca — mas, para aqueles envolvidos em ativismo ateu em 2014, há modelos muito melhores que um bando de velhos ranzinzas falando de mel no Twitter.

Siga o Martin no Twitter: @mjrobbins

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