A treta entre os torcedores de Palmeiras e Corinthians foi uma tragédia ocasional anunciada

FYI.

This story is over 5 years old.

VICE Sports

A treta entre os torcedores de Palmeiras e Corinthians foi uma tragédia ocasional anunciada

Aconteceu o esperado: conflitos de membros dos Gaviões da Fiel e da Mancha Alvi Verde resultaram em dezenas de detenções e na morte de um inocente.

Foto: Divulgação

O último domingo (3) foi marcado por confrontos entre torcedores corintianos e palmeirenses em vários pontos da capital e da grande São Paulo. O primeiro deles, na estação São Miguel Paulista Paulista da CPTM, no extremo leste da capital, teve três pessoas detidas e uma morte por arma de fogo — a de um idoso que nada tinha a ver com as organizadas. Houve ainda uma treta dentro do metrô Brás, região central, um conflito na Avenida Tiradentes com uma pessoa gravemente ferida e uma briga em Guarulhos. No total foram 24 prisões efetuadas, 18 dos Gaviões da Fiel e seis da Mancha Alvi Verde. Depois da partida, mais 29 torcedores dos Gaviões foram presos por agressões próximas ao metrô Clínicas, na região do estádio do Pacaembu. Mas, para não entender tais conflitos como um ato isolado e cair no sensacionalismo típico da imprensa esportiva, é preciso contextualizar e levantar algumas questões importantes que provavelmente contribuíram para o ocorrido. Estratégia falha antes do jogo
Antes de cada partida, e principalmente em clássicos, há uma reunião preventiva que reúne diretores das organizadas com o 2º Batalhão do Choque, especializado em jogos de futebol, CET, metrô, entre outras instituições. O encontro se faz necessário para evitar os conflitos entre as torcidas. Elas são obrigadas a avisar com antecedência a quantidade de membros que levará às partidas, o número de faixas e bandeiras e até o número de instrumentos da banda. Tudo é documentado e permitido, ou não, pela Polícia Militar. Os horários das organizadas também são controlados e o trajeto monitorado. Dito tudo isto, é possível questionar: como que duas torcidas que estão sendo monitoradas se encontram em estações de metrô e trem em dia de partida?

Publicidade

Foto: Divulgação

Notícias incendiárias à véspera do clássico
Na sexta-feira (1º), o torcedor do Palmeiras, e membro da Mancha Alvi Verde, Deivison Correa, de 26 anos, foi detido por tráfico de drogas em sua casa na zona norte de São Paulo. Menor, como é conhecido, é um dos suspeitos da agressão de Rodrigo Fonseca, o Diguinho, presidente dos Gaviões da Fiel, e Cristiano Morais, o Cris, secretário da torcida no dia 2 de março. Os dois foram abordados no estacionamento de um supermercado na saída de uma reunião com membros de outras uniformizadas no Fórum da Barra Funda. Mesmo tendo muitos indícios de que os atos do domingo não se tratam de uma revanche, os ânimos foram muito exaltados, inclusive pela imprensa, e a prevenção do confronto deveria ser levada ainda mais a risca. Em coletiva de imprensa sobre a prisão do Menor, tanto a delegada Margarete Barreto, do Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) quanto Mario Sergio de Oliveira Pinto, delegado de polícia assistente do DRADE (Delegacia de repressão e Análise de Intolerância Esportiva) foram categóricos em afirmar que a prisão do palmeirense acalmaria os ânimos dos torcedores. Parece que não foi o que aconteceu.

Protestos que incomodam muita gente
As manifestações políticas dos Gaviões da Fiel e também da Torcida Jovem do Santos têm deixado as coisas mais quentes entre as organizadas e a polícia. Conflitos durante e após o jogo têm se tornado mais comuns em 2016. Os ataques, não violentos, à instituições como Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Federação Paulista de Futebol (FPF), Rede Globo e ao deputado estadual Fernando Capez (PSDB), um dos principais opositores das organizadas e o presidente da Assembleia Legislativa do estado, tem sido frequentes nas arquibancadas e em atos fora de campo. Por esses e outros motivos, membros da torcida, que preferem não revelar o nome, acreditam num afrouxamento dos policiais na estratégia e na prevenção das tretas.

Indícios de briga ocasional
Mesmo com a linha investigativa da Polícia Militar de que os confrontos tenham sido armados com antecedência, há muitos indícios de que os conflitos do último domingo tenham sido ocasionais. O modus operandi das torcidas em casos de "brigas certas" é outro. Normalmente é eleito um grupo de cada lado e em pontos específicos, a Avenida Inajar de Souza, na zona norte, palco de uma briga homérica em 2012, era um desses locais. Guarulhos, por exemplo, não é um ponto comum de tretas entre torcidas. Voltando a estratégia: como que dezenas de torcedores circulam por uma região sem serem notados?

CPI que busca responsabilizar não só as organizadas pela violência
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instaurada pelo vereador Laércio Benko, do Partido Humanista da Solidariedade (PHS) desde o ano passado com a intenção de punir não só as torcidas organizadas pelos conflitos. Segundo o político, tanto os clubes quanto a Federação Paulista de Futebol, na maioria das vezes organizadores dos eventos esportivos, devem também ser responsabilizados pelas brigas. "Esses confrontos atrapalham bastante para o público leigo, pois a grande massa continuará, de forma errada, achando que os únicos vilões são as organizadas", afirma Benko. "Uma morte, que poderia ter sido evitada, as coloca na berlinda", conclui.

Tais fatos e situações levam a um ponto: tudo o que muitas instituições queriam que acontecesse, de fato, aconteceu. Uma briga generalizada entre duas das maiores torcidas de São Paulo desestabiliza os protestos nas arquibancadas e deslegitimam ações feitas nas quadras das organizadas. Não dá, é claro, para isentar os torcedores do Palmeiras e do Corinthians pelos seus atos. Independentemente da uniformizada que fazem parte, essas pessoas devem ser punidas, inclusive pela morte de um inocente.

Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual de Segurança Pública não se pronunciou.