ariel barbeiro corte blindado
Ariel Barbeiro no meio. Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

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Entretenimento

Ariel Barbeiro aprendeu na prisão o futuro do corte de quebrada

Hoje fenômeno na internet, ele teve de passar por vários perrengues no sistema prisional até encontrar a técnica do cabelo blindado.

Na terceira cadeira de um salão localizado no térreo de uma casa na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo, Dom Pedro cortava seu cabelo e se refrescava em meio a uma sensação térmica de 30 graus. Pelo menos uma vez por mês, ele senta em um assento de couro estufado e vermelho. Ele bota uma capa preta sobre sua roupa para proteção em atento, assiste ao barbeiro montar o corte que parece mais uma coroa — o "blindado".

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Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

O esquema é simples: degradê na régua, um risquinho ao lado, um pente e três latas de tinta lavável, daquelas de carnaval e festinha de criança. Por R$ 80, o jovem de 11 anos sai da barbearia no estilo e pronto pra chamar atenção na escola.

Dom Pedro é só um dentre uma cota de moleques que Ariel Franco conquistou. A demanda é tamanha que o barbeiro teve que mudar de local. “Quando cheguei aqui, tinha tijolo aparecendo e era só reboco”, lembra. “Fiz essa decoração na correria e pro próximo ano quero acertar ela direitinho.”

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Dom Pedro. Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

Depois de criar um perfil no Instagram para promover seus cortes e a técnica do "blindado", conquistou dois patrocinadores americanos, visibilidade e 102 mil seguidores ao redor do mundo.

“Há quatro anos eu nem imaginava que ia viver isso que estou vivendo”, conta Ariel. Em 2014 ele estava no Centro de Detenção Provisória de Vila Independência cumprindo pena por tráfico. O símbolo de silêncio que ele faz no final de cada vídeo é para todas as pessoas que desacreditaram de sua caminhada até aqui. “É um sinal pra todo mundo que duvidou porque eu contrariei as estatísticas.”

Tráfico, prisão e solitária: a caminhada até a barbearia

Ele foi o primeiro dos cinco irmãos que Dona Neuza e Seu Genario tiveram no Jardim Carombé, também na zona norte de São Paulo. Enquanto seu pai trabalhava no ramo de segurança, Neuza dedicava sua vida para cuidar da casa, seus filhos, e as maçãs do amor que fazia todo fim de tarde.

Em um desses finais de tarde, quando Franco tinha sete anos, ela cobriu as maçãs, cravadas no espeto de madeira, com caramelo claro e entregou ao filho. Ele pegou o presente, foi pra rua e vendeu. Quando voltou pra casa, deu o dinheiro pra mãe e fez um pedido. “Mãe, faz o seguinte: faz umas maçãs do amor aí pra mim. Você pode fazer?”. Assim ela fez. E ele vendeu tudo.

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Dos sete aos 13 anos, viveu muito na rua e pelas quebradas perto de casa. Quando tinha 14, acabou se envolvendo com o tráfico. Trocou os geladinhos e as maçãs do amor por uma arma, dinheiro, moto e alguns contatos. Quando tinha 19 anos e estava no auge do crime, foi pego pelos policiais durante uma ação e dali passou dois anos dentro de um presídio.

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Ariel no meio da molecada. Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

Foi só lá dentro que Ariel conheceu a barbearia e começou a praticar. “Eu tava com a mente a milhão e muito revoltado. Foi aí que um amigo meu falou: ‘você já tá há tanto tempo aí, por que não corta o cabelo pra relaxar?’ Aí eu comecei a cortar e acabei me identificando.”

Depois de se meter em uma confusão e passar 15 dias na solitária, esperando uma transferência para a Penitenciária de Segurança Máxima de Presidente Venceslau, pediu piedade às forças divinas. Prometeu que não voltaria ao mundo do crime e que se dedicaria à barbearia. Ao mesmo tempo, o juíz reviu o caso e considerou o bom comportamento dele durante todo esse período.

“Eu saí dia 24 de novembro e, no dia seguinte, lembrei de um amigo que tinha uma máquina de cabelo, e eu pedi emprestado”, conta. Dalí em diante, foi só progresso. Começou a cortar dentro de casa, se mudou para um lugar maior, conheceu a amiga que sua mãe fez na fila do presídio, casou-se com ela e hoje tem duas filhas.

Foi perto da comunidade do Inferninho, na Brasilândia mesmo, que Ariel alugou uma parte de uma casa relativamente grande e adesivou toda a parede com desenhos simulando fileiras de tijolos. Arrumou todo o lugar, pendurou seus sete certificados e ajeitou três espelhos e três cadeiras ao lado de um sofá onde esperam os clientes.

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Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

Na barbearia, ele conta com mais duas pessoas. Bruno Aparecido Barbosa, 22, que já está com ele há dois anos, viu que tinha uma vaga aberta no antigo salão de Ariel, e deixou de trabalhar à domicílio e sozinho para manjar os aprendizados de Franco.

O funcionário recém-chegado, César Martins, 30, saiu de Ilha Comprida, litoral de São Paulo, dois meses atrás. Despediu-se da sua mulher e seu filho com um “até logo” só para poder trampar ao lado do barbeiro da Brasilândia. Assim que conseguiu conquistar uma grana extra, trouxe os dois para a capital e, hoje, mora pertinho do salão. Os dois têm a chance que muitos barbeiros do Brasil queriam ter.

A arte do corte

Ariel está com a agenda fechada até abril, com viagens para o Chile, Argentina, Itália e vários outros lugares na América Latina.

Já apaixonado pelo mundo da barbearia e louco para criar algo que nunca tinha visto antes, começou a estudar e praticar em seus clientes novos cortes e tendências em ascensão pelo mundo da moda. Foi aí que descobriu o corte “Pompadour”.

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Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

O topete estilo Elvis que estourou em 2016 começou a ser pedido pela clientela, que ficou frustrada pela pouca durabilidade do penteado. Assim, Ariel conseguiu desenvolver um estilo que durasse até uma semana e meia intacto. E como pra ele “tudo que tem cor é arte”, adicionou cores fortes em graduação e entrou na febre de todo o complexo da Brasilândia.

“No bailão tá a milhão!”, responde Ariel, quando pergunto sobre o sucesso que está fazendo. “Às vezes eu vou no shopping, no supermercado e tem pessoas que reconhecem. Já teve gente que me pediu autógrafo e nunca imaginei isso.”

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O rei das mechas, como chamam os fãs, não quer parar por aí. Quer bater um milhão de seguidores no Instagram, ser embaixador de marcas internacionais e abrir uma franquia usando sua imagem. Enquanto Laís, sua esposa, faz sua agenda e cumpre o papel de assessora, Ariel vai a reuniões, grava vídeos pro Instagram e ambos aprendem na raça como é caminhar para uma carreira de sucesso e influenciador digital.

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Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

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Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

“Todo mundo vai atrás de mim, igual vocês vieram. E a gente vai aprendendo como fazer as coisas. Tudo tem que experimentar.” Ariel já colocou forno elétrico, martelo do Thor e até uma moto em cima da cabeça dos seus clientes para provar que seu corte é intacto e diferenciado mesmo. E hoje fazendo sucesso pelas quebradas e bailes em São Paulo, roda o mundo pra levar pros gringos a essência dos cortes chavosos brasileiros.

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