FYI.

This story is over 5 years old.

Games

O Brasil deveria aprender uma coisinha ou outra com a Polônia sobre games

Se antes a Polônia era lembrada pelas tragédias da segunda guerra, hoje ela é admirada pelos games que produz.

A Polônia não tem muito a ver com o Brasil. A cultura, história e a língua do país da Europa Central são totalmente diferentes do nosso, mas quando o assunto é videogame, até que temos algumas coisas em comum.

Leia mais: Este game quer provar que você não sabe o que é uma sopa

Assim como o daqui, o mercado de games da Polônia nos anos 90 era dominado pela pirataria, seja nos jogos para PC, que eram dominantes por lá, como nos poucos consoles que faziam sucesso. Se por aqui tínhamos o Phantom System como clone do Nintendinho 8-bit, os poloneses jogavam no Pegasus, um videogame pirata baseado no Famicon, a versão japonesa do NES.

Publicidade

O Pegasus foi o primeiro console de Karol Zajaczkowski, gerente de Marketing do estúdio polonês 11 bit studios, quando ele tinha 8 anos. Para todas as crianças que cresceram na Polônia no período, copiar jogos e trocá-los entre si era a coisa mais normal do mundo.

Estande da 11 bit studios na BGS 2017. Foto: Bruno Izidro/VICE Brasil.

Batendo um papo com ele durante a Brasil Game Show 2017, a BGS, que rolou entre os dias 11 e 15 de outubro em São Paulo, ele lembrou que aqueles eram tempos estranhos na Polônia, que tinha deixado de ser um país socialista há poucos anos.

"Olhando pra trás, eu não acho que estávamos fazendo algo ruim [ao piratear jogos]", falou Karol. "Na época eu nem tinha noção que existiam jogos originais, porque tudo só era pirata." Para se ter uma noção de como era o rolê de games por lá, foi só fim dos anos 90 que surgiu uma lei de direitos autorias no país. Então, vender cópias falsificadas de jogos nem era considerado crime.

"Antes ninguém nem sabia onde o país ficava, mas agora um jogo ser polonês é como um selo de qualidade, as pessoas sabem que jogos vindos da Polônia devem ser no mínimo interessantes."

Tudo isso agora parece um passado bem distante para os poloneses. Hoje, além de quase não existir mais pirataria no país, muitos jogos de qualidade estão surgindo por aqueles lados, de estúdios cada vez mais conhecidos, como CD Projekt RED (The Witcher), Techland (Dying Light) e a própria 11 bit studios (This War of Mine).

Nos últimos anos, dar um rolê pela Brasil Game Show é também trombar com algum jogo polonês que parece ser bem divertido de jogar. Este ano, por exemplo, além da CD Projekt e seu Gwent, a 11 bit estava mostrando o novo game Frostpunk. "Antes ninguém nem sabia onde o país ficava, mas agora um jogo ser polonês é como um selo de qualidade, as pessoas sabem que jogos vindos da Polônia devem ser no mínimo interessantes", conta Karol.

Publicidade

Estande de 'Gwent' da CD Projekt RED na BGS 2017. Foto: Bruno Izidro/Divulgação.

Mas como a Polônia saiu de um mercado dominado pela pirataria para se tornar um dos grandes celeiros de games incríveis da Europa? A resposta parece estar na CD Projekt.

Este documentário do canal NoClip no YouTube (em inglês) mostra bem como a CD Projekt mudou o cenário de games da Polônia e foi um divisor de águas. No começo, ainda como uma distribuidora de jogos, ela "venceu" a pirataria ao disponibilizar jogos oficiais traduzidos na língua local, já que poucas pessoas entendiam inglês no país.

"A ideia por trás da empresa era deixar os jogos acessíveis para mais jogadores, traduzindo os jogos para polonês", falou Pawel Burza, gerente de comunidade da CD Projekt que também estava na BGS deste ano. "Os jogadores reconheceram o esforço e começaram a deixar os jogos piratas de má qualidade."

A próxima mudança veio quando a CD Projekt passou a ser um estúdio de desenvolvimento e mostrou que, sim, dava para fazer um game polonês de qualidade, como The Witcher, no meio dos anos 2000. Boa parte do que vemos hoje em dia é consequência dessa iniciativa.

Claro que há vários outros fatores que fizeram o mercado de games na Polônia bombar, entre eles a enorme ajuda tributária do governo (a Polônia deu uma grana para a 11 bit poder participar da BGS neste ano, por exemplo), algo que ainda está começando a acontecer por aqui.

Jogos localizados em português também são uma realidade há alguns anos, incluindo os jogos poloneses, e eu estaria mentindo se falasse que isso não ajudou mais pessoas a jogarem. O problema ainda está nos preços de jogos e consoles por aqui.

Publicidade

Karol Zajaczkowski, da 11 bit studios. Foto: Bruno Izidro/VICE Brasil.

Porém, o mais interessante de notar na ascensão dos jogos poloneses é como eles souberam transmitir aspectos da própria cultura para criar jogos com algo interessante e que se destaca.

"Por que você acha que The Witcher 3 foi tão aclamado? ", perguntou Karol Zajaczkowski. "Porque a fantasia mostrada ali era diferente de outros RPGs, ele não é um Dragon Age, ele é legitimamente uma fantasia típica do leste europeu e foi algo que as pessoas gostaram".

Com This War of Mine, da 11 bit, foi a mesma coisa. A Polônia sofreu bastante com as duas guerras mundiais e isso fez o estúdio criar um game em que você está no papel de civis e não de soldados. É diferente, tem a ver com a história do povo polonês, e funcionou como um jogo.

Talvez essa seja a principal lição que o Brasil pode aprender com os poloneses. "Vocês brasileiros têm uma cultura rica, há tantas coisas que vocês podem pegar de inspiração e que para o resto do mundo pode ser exótico", conclui Karol, que já visitou o país duas vezes.

Isso não quer dizer que é preciso entrar no clichê de jogos brasileiros com índios ou curupiras. A gente tem o nosso jeitinho e uma diversidade cultural pronta para servirem de fonte para jogos inovadores, só esperando alguém saber explorá-la direito.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.