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Um estudante de arte mostra por que você não sabe interpretar uma obra de arte

Chamei um amigo estudante de arte da Royal Academy para olhar algumas #obras comigo e me dizer o que achava delas.
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .

Para quem não sabe, a Frieze Art Fair é basicamente uma feira de arte para milionários franceses que se vestem como o David Bowie e a Audrey Hepburn comprarem um arranjo de luzes fluorescentes em forma de suástica por US$25 mil. Anualmente em outubro, em Regent's Park, uma área chique do centro de Londres, uma tenda enorme é erguida para hospedar o acervo de galerias de pinturas, esculturas, filmes e todo o resto. Gente como Anish Kapoor e Jon Rafman exibem suas coisas lá, e até o Channel 4 estava apresentando sua série de filmes de arte Random Acts, um deles mostrando um cara andando numa colina em sépia (o resto era mais legal).

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O autor, usando o WiFi de um banco alemão.

Como era minha primeira vez na Frieze, e eu manjo tanto de arte quanto sua vó manja de gêneros binários, chamei um amigo estudante de arte da Royal Academy para olhar algumas #obras comigo e me dizer o que achava delas. Pode comentar dizendo qual é sua opinião sobre arte. (Aposto que a maioria vai dizer "arte é frescura, curto mesmo breja e metal melódico".)

YURI PATTISON

PLEBEU:

Gostei das plantas. Acho que esses negócios eram para ser travesseiros. Parece que é um lugar no espaço, tipo na colonização de Marte e agora precisamos cultivar plantas e, sabe… colonizar a porra de Marte. O vídeo dizia "O mundo está de cabeça para baixo!" Por que estamos colonizando Marte se ainda não conseguimos consertar a Terra? Acho?

ESTUDANTE DE ARTE:

Essa é uma seção da instalação de Yuri Pattinson na Chisenhale Gallery fechada no ano passado, e essa parte tem muitas plantas. Sei que o Yuri tem uma ligação próxima com a Second Home (um escritório em Shoreditch que parece uma agência de publicidade futurista dos anos 60) e outros espaços de trabalho criativo em Londres. A Second Home usa vasos de plantas no escritório porque estuda o darwinismo social — bom, não darwinismo social, apesar de ter um pouco de darwinismo social nisso, mas eles estudam a psicologia evolutiva do espaço de trabalho. Vasos de plantas e olhar para plantas faz você se sentir mais eficiente no espaço de trabalho. Esse vídeo não é da Second Home, mas de outro espaço de trabalho futurista em Londres e ele filmou o lugar de cabeça para baixo, o que me parece meio arbitrário, mas acho o trabalho dele interessante.

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JOSEPH KOSUTH

PLEBEU:

Como você pode ver, a instalação diz "Na lógica o que é desnecessário também é inútil". É uma instalação de néon amarelo-girassol. Não saco mesmo arte com néon, não entendo por que isso existe e por que as pessoas acham legal. Acho que teria o mesmo efeito se a frase estivesse escrita na parede.

ESTUDANTE DE ARTE:

A arte com néon tem uma história que começou basicamente tentando abordar a cultura do consumo e a cultura da propaganda antes da tecnologia do LED, mas como ela se tornou uma base da linguagem artística, não contém o mesmo elemento de crítica implícita à cultura de consumo, então agora a arte com néon se tornou um método bonito de dizer algo que é arbitrariamente filosófico e transformar isso num objeto que pode ser vendido facilmente.

(O estudante de arte descobre que a obra não foi feita por qualquer pivete, mas por Joseph Kosuth dos anos 90.)

Essa é uma obra de Joseph Kosuth de 1993. Isso TINHA que estar na Frieze Masters, não na Frieze London porque a Frieze London deveria ter arte contemporânea e isso aqui não é arte contemporânea. Isso é de quando a arte néon estava em sua gênese, e ele é um dos mais inovadores artistas da arte néon, o que é muito interessante.

BJARNE MELGAARD

PLEBEU:

Isso me parece algum tipo de comentário sobre os manos de cabeça raspada, mas os que são gays, o que é importante, como aqueles caras nos pornôs de chav. Obviamente isso lembra uma propaganda e tem um logo falso da Supreme com o "E" entre parênteses, não sei o que eles quiseram dizer. Talvez que a moda de rua é… uma coisa gay? Não sei.

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ESTUDANTE DE ARTE:

Os parênteses no "e" da Supreme é uma referência à Semiotext(e), a editora que Chris Kraus começou com alguns outros caras, e "I Love Dick" é um livro de Chris Kraus de 1997 que se tornou um clássico cult dentro da teoria da arte e que está ganhando uma nova edição agora, e Chris Kraus se tornou uma figura enorme no mundo da arte. "I Love Dick" é quase confessional — bom, ele confunde as fronteiras entre confessional e ficção, e o livro é sobre ela se apaixonar por um acadêmico chamado Dick que vem jantar com marido dela, e ela começa a escrever uma série de cartas para o Dick nunca realmente enviadas, e o livro é escrito numa forma narrativa estilo "Querido Dick" e em forma de diário. Ela olha para sua vida de uma maneira muito confessional. Já é literatura feminista clássica. A caixa iluminada é uma referência à forma moderna de publicidade. Supreme e Semiotext(e) estão embaixo, então provavelmente é uma colaboração. Chris Kraus é parte da Bernadette Corporation, que confunde os limites entre moda e arte.

RICHARD BILLINGHAM

PLEBEU:

Na minha frente está uma mulher corpulenta com máscaras asiáticas na parede atrás dela, dando ovos cozidos com sal e pimenta para, imagino, o marido idoso dela. Acho que tem um cachorro do lado dele. Uma imagem doméstica da antiga classe trabalhadora inglesa, o que é incrível. Não me parece algo intrusivo, como algumas das outras coisas aqui são.

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ESTUDANTE DE ARTE:

Richard Billingham tirou essas fotos de sua própria família inicialmente como o tema para pinturas, mas como as fotos já eram poderosas e interessantes, ele acabou publicando elas num livro mesmo. Elas mostram seu trabalho mais famoso: seu pai alcoólatra, sua mãe com problemas físicos e outra série mostra seu irmão que faz levantamento de peso. Elas são extremamente belas e poderosas, mas dentro da Frieze o gosto óbvio da classe trabalhadora e o cenário decadente tem um certo apelo fetichista, o que meio estraga o clima para mim porque ele era meu fotógrafo favorito quando eu era adolescente. Não gosto que ele esteja aqui, esses escrotos não merecem essas fotos.

LATIFA ECHAKHCH

PLEBEU:

Gostei desse sino velho, porque ele parece velho e lembra arte velha. Se eu tivesse que escolher um tipo de arte de que gosto provavelmente seria essas merdas velhas, tipo pinturas e esculturas antigas, sabe, arte clássica de uma era clássica. Por mais que me doa ver um lindo sino todo quebrado e tal, meu cérebro simplista me diz que foda-se e que podemos quebrar essa porra de sino porque ele não vai durar para sempre mesmo. Ou talvez seja sobre religião. Ou talvez seja sobre o Sino da Liberdade dos EUA.

ESTUDANTE DE ARTE:

Não tenho muito a dizer sobre essa obra aqui para ser honesto. Obviamente sinos são objetos muito esculturais e sonoros, e quando você os quebra, eles deixam de ser sonoros então há uma ruptura aqui na função, no físico e na materialidade do objeto. Sinos são objetos de celebração na arquitetura europeia cristã. O título é "Forever" então o fato de ele estar quebrado possivelmente é um comentário sobre a queda final do eurocentrismo judaico-cristão.

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JAKUB JULIAN ZIOLKOWSKI

PLEBEU:

Essa obra parece exatamente o que eu sempre vejo quando vou numa exposição de arte, o que é muito raro, seja uma exposição básica ou algo desse calibre. Parece que sempre tem alguma cerâmica meio brilhante, com uns metais retorcidos pitados de verde-vômito e tons de azul pra parecer nojento. Acho que ele quis lembrar arte chinesa antiga que ficou perdida no oceano e foi encontrada milhares de anos depois. Não sei por que esse estilo está sempre nas coisas de arte e não sei por que as pessoas curtem, porque para mim parece qualquer merda padrão.

ESTUDANTE DE ARTE:

Essa obra tem algum tema aquático, há tartarugas — é meio que um mundo fantástico submarino. É uma obra de esculturas individuais que têm barras reforçadas na base. Não sei se tudo foi fundido assim. Sinceramente, tenho pouco a dizer sobre essa obra.

DARJA BAGAJIĆ

PLEBEU:

Parece uma mulher sangrando pela boca numa situação meio que de fonte. O sangue sai da boca dela é coletado na base e bombeado de volta para a boca dela, então o sangue continua saindo, o que meio que gostei. Não sei se gostei por causa do sangue, da mulher pelada ou porque essa obra tem uma estética meio black metal, mas aprovei 100%. Achei uma arte legal.

ESTUDANTE DE ARTE:

Não tenho uma abordagem interessante dessa obra, mas achei muito boa. Parece uma fonte contínua que está jorrando o líquido e sugando de volta, do mesmo jeito que uma fonte normal faz. A imagem parece ter sido tirada de algo como pornografia amadora, ligeiramente sadomasoquista, e o objeto está sangrando, então acho que tem algo a ver com materialidade física, representação de um tipo de… não uma forma feminina objetificada, mas talvez emancipada através de sua objetificação. A peça em si foi muito bem terminada, um objeto fantástico.

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SYLVIA FLUERY

PLEBEU:

O negócio com a videoarte — e eu não sou connoisseur de videoarte — é que acho que todo mundo tenta demais parecer como vídeo de ginástica dos anos 90 e coisas assim, e os vídeos sempre são filmados de um jeito esquisito, tipo um programa infantil australiano produzido toscamente. Todos os filmes de arte parecem esses programas infantis escrotos, não sei por quê. Acho videoarte estranha porque minha relação com arte é olhar para alguma coisa, estudar isso um pouco e descobrir como me sinto, mas videoarte fica vomitando coisas em mim e eu realmente não consigo trabalhar as obras. Essa é legal pelo que posso dizer. Mas essa obra foi feita em 1993, então essas merdas deviam ser novas, não?

ESTUDANTE DE ARTE:

Bom, você tirou as palavras da minha boca, pra ser honesto, porque isso poderia ser uma obra de conclusão de curso da Goldsmiths. Mas novamente, o fato de isso parecer tão moderno para nós mostra que há poucas ideias para os artistas contemporâneos, e você podia levar algo de 1993 para uma exposição de formandos de 2016 e pareceria novo. Na época isso aqui deve ter sido muito inovador e um comentário sobre uma indústria tão submissa ao mainstream que nem podia mais ser considerada uma coisa separada, apesar de naquela época esses vídeos de fitness serem relativamente uma coisa nova. Agora eles são clichê. Essa obra perdeu o poder que tinha nos anos 90.

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Pronto, aqui você tem algumas visões sobre arte de um total idiota (eu) e um pretensioso (ele). Espero que você tenha gostado, e aprendido algo sobre estética no processo.

@joe_bish

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