Quando ainda morava no Engenho Novo, antes e um pouco após a formação d'O Rappa, Marcelo Falcão tinha como divertimento ir à praia aos finais de semana. Pegava os ônibus 474, 475 ou 476 ("considerados os mais perigosos do Brasil") pra sair do subúrbio carioca e ir até Copacabana. Quando chegava ao ponto final, sem dinheiro pra pagar a passagem, saía despercebido junto à multidão e ia visitar o mar. “Eu sabia que quando voltasse ia ter que dar calote, passando por debaixo da roleta. Mas quando eu via o mar, eu voltava pra minha área diferente. Eu era feliz da vida.”
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Ele conta essa história em “Eu Quero Ver O Mar”, a mais longa e épica faixa de seu primeiro disco solo lançado nessa sexta (15). Segundo o cantor me contou ontem durante entrevista, porém, esse evento é bem representativo de tudo o que ele quer passar com Viver (Mais Leve Que o Ar).“O disco passa essa mensagem: vamos passar por muita coisa, mas você precisa ter um mar ou um sol pra te elevar. É o suburbano que chegava lá, via o mar e tinha força pra voltar mesmo se sua casa estivesse faltando luz, ou inundada pela água”, fala. “Ele podia voltar e contar o quanto foi divertido, mesmo sem ter nada. Quero que o cara ouça e fale: meu irmão, vou deixar essas mágoas, vou tirar essa energia parada de dentro de casa.”
Viver (Mais Leve Que o Ar) surgiu de um processo longo e trabalhoso ao longo dos últimos sete anos. Incentivado pelos colegas d'O Rappa a buscar uma carreira solo, Falcão começou a gravar barulhos, pedaços de letras, ideias de sons e tudo o que lhe inspirasse e surgisse. Quando finalmente decidiu fazer o disco, tinha 600 arquivos dos quais escolher. “Tinha feito muita música, mas não queria parar pra começar a fazer um disco. Precisava de um organizador”, conta. O escolhido foi o produtor musical Felipe Rodarte, que descartou o que estava ainda muito prematuro até que, eventualmente, os dois concordassem em 13 daquelas faixas.São as músicas que formam Viver, um projeto mais pessoal e sonoramente diverso que os trabalhos mais recentes d'O Rappa. “Eu estava preparado pra deixar O Rappa com uma história linda e começar a minha. Não queria que fosse um disco só de reggae, só de rock, só de soul. Queria que ele tivesse um viés que fosse minha vibe de baixo e bateria pesado, denso, mas que ele pudesse ser up porque eu perdi muita gente nesses seis, sete anos.”
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A vibe positiva do álbum parece ser não apenas uma mensagem para sua audiência, mas para o próprio Falcão, que fala ainda não saber lidar com a perda de diversos familiares e pessoas queridas recentemente. Colega de Falcão n'O Rappa, o músico Marcelo Yuka também faleceu recentemente após sofrer um AVC em agosto do ano passado. Para o vocalista, Viver representa ter crença em algo que te faça continuar apesar dessas perdas e dificuldades. “Com fé já tá difícil, sem fé fica terrível.”
Os comentários sociais tão presentes em suas letras ao longo dos últimos 25 anos ainda aparecem no disco pouco a pouco, mas seguem uma vibe mais politicamente isenta do que o compositor costumava fazer. Falcão, que em 2013 gravou a música “Vem Pra Rua” em referência às Jornadas de Junho como parte de uma campanha da Fiat, diz que prefere se abster de comentários sobre política institucional. “Quem mudou e quem muda tudo é o povo, que é quem faz as escolhas. Muito mais do que ter votado ou não, só vi mudança quando minha comunidade se uniu pra se ajudar.”O cantor fala de uma descrença na entidade política como um todo, e diz achar que o povo não deveria perder tempo brigando entre si por conta de partidos. Fala, ainda, que a cada um cabe um espaço, e o dele como músico não seria o de fazer comentários políticos, principalmente em shows. “Odeio quem fica no palco dizendo ‘isso, aquilo, blablablá’. Você foi ali pra ver o show e o cara falando. Eu posso até concordar com ele, mas acaba com o meu show. Já fui embora de apresentações por causa disso”, comenta. Complementa o argumento falando do amigo músico Igor Kannário, eleito deputado federal pela Bahia nas últimas eleições. “Admiro a coragem dele, mas é uma cruz muito grande pra mim, que ainda tenho muita música a oferecer.”
Para divulgar Viver (Mais Leve que o Ar), o cantor pretende viajar todos os estados do Brasil em palcos e casas menores pra construir alguma intimidade com seus novos e velhos ouvintes. “Como eu já toquei em muita coisa grande, hoje não tenho o menor problema em começar devagarinho de novo. Quero tocar todos os estados e priorizar ter uma molecada dessa ou um artista local pra tocar comigo”, fala, e cita alguns “novinhos da internet” com quem gostaria de tocar este ano: 1Kilo, Oriente, Iza (com quem ele gravou o hit “Pesadão”, em 2017), Ponto de Equilíbrio, Criolo, Rael, BK' e Marechal.“Eu tenho o que aprender com eles pra caramba. Nunca ajudaram O Rappa, então sempre tive a noção de que eu queria oferecer esse palco pra esses novos, pra gente estar junto nessa jornada”, diz o cantor. “Faço parte de outra geração, mas minha consciência, meu pensamento, meu querer é muito novato. E ele me instiga sempre a estar mais próximo desse mundo, porque esse mundo comunga.”Leia mais no Noisey, o canal de música da VICE.
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